A 6ª turma do TRF da 1ª região reconheceu, por unanimidade, o direito de candidata concorrer às vagas destinadas a pessoas negras e pardas no concurso público do INSS. A decisão reformou sentença que havia negado o enquadramento racial e determinou a manutenção da candidata na condição de cotista, com reclassificação, convocação para as próximas fases e possível nomeação e posse.
A turma ressaltou que a autoidentificação deve ser o critério principal para fins de política de cotas raciais, cabendo à comissão de heteroidentificação atuar apenas como filtro para coibir fraudes, o que não se comprovou no processo.
Entenda o caso
A candidata ajuizou ação após ter sido desclassificada da cota racial em razão da avaliação fenotípica negativa emitida pela comissão de heteroidentificação do concurso do INSS regido pelo edital 1/2022. Conforme os autos, a banca justificou a decisão com base na ausência de traços fenotípicos associados ao grupo racial declarado, como nariz, lábios, cabelos e formato do rosto.
A autora sustentou que possui características típicas de pessoas pardas, como pele morena, cabelos escuros e crespos, e nariz acentuado. Afirmou, ainda, que sempre se identificou e foi percebida socialmente como pessoa negra, tendo já sido beneficiária do sistema de cotas em instituição pública de ensino superior. Juntou aos autos, entre outras provas, laudo dermatológico classificando-a com fototipo IV na escala de Fitzpatrick.
A sentença de 1º grau julgou improcedente o pedido, sob o argumento de que a comissão atuou nos termos da lei 12.990/14 e que a aprovação anterior em outros certames, na condição de cotista, não garantiria o mesmo enquadramento em concursos distintos.
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Autoidentificação
A relatora, desembargadora Federal Kátia Balbino, rejeitou a preliminar de cerceamento de defesa por indeferimento de prova pericial, destacando que cabe ao juízo a análise da pertinência das provas conforme o art. 370 do CPC.
Com base em jurisprudência do STF, a relatora reconheceu que a heteroidentificação é válida como mecanismo de controle de fraudes, mas que sua aplicação deve respeitar a dignidade do candidato e garantir o contraditório.
No caso concreto, entendeu que não houve indício de má-fé por parte da candidata e que a documentação apresentada era suficiente para demonstrar a veracidade da autodeclaração.
No mérito, reconheceu que, embora seja legítima a atuação de comissões de heteroidentificação para coibir fraudes no sistema de cotas, a autoidentificação permanece como critério principal, conforme entendimento do STF na ADC 41. Segundo a desembargadora, os elementos constantes dos autos, como fotografias, histórico acadêmico e exame médico, apontam para a ausência de intenção fraudulenta na autodeclaração.
A relatora destacou que a subjetividade envolvida na avaliação fenotípica não pode se sobrepor, de maneira absoluta, à percepção identitária da candidata quando há elementos suficientes para respaldá-la.
Com base nesse entendimento, por unanimidade, o colegiado deu provimento à apelação para reformar a sentença e determinar a permanência da candidata no certame na condição de cotista.
A decisão ainda garantiu, em caso de aprovação dentro do número de vagas ou preterição por candidatos com classificação inferior, o direito à nomeação e posse, sem necessidade de aguardar o trânsito em julgado.
O escritório Sérgio Merola Advogados atuou pela candidata.
- Processo: 1017888-76.2023.4.01.3400
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