Decisão liminar proferida por magistrada do Núcleo de Justiça Digital dos Juizados Especiais de Cuiabá/MT chamou a atenção da parte autora por conter cabeçalho e fundamentação jurídica idênticos aos de outro processo, embora se tratassem de ações envolvendo partes diferentes.
Ambas as decisões foram assinadas pela juíza de Direito Ana Cristina Silva Mendes e dizem respeito a demandas distintas sobre negativação indevida em órgãos de proteção ao crédito.
A única diferença substancial entre os documentos está nas partes dispositivas, o que acentuou a impressão de cópia não personalizada.
Duas ações, mesma estrutura decisória
No processo de 1000020-30.2025.8.11.0029, o autor ingressou com ação contra a empresa Sem Parar Instituição de Pagamento Ltda., alegando descontos indevidos em seu benefício previdenciário. A magistrada acolheu o pedido liminar, determinando a exclusão do nome do autor dos cadastros de inadimplentes, destacando a urgência do caso e o caráter alimentar da verba.
Já na ação de 1026973-18.2025.8.11.0001, proposta por Marco Aurélio Gonçalves da Silva Teixeira contra o Serasa, foi constatado que a decisão anexada ao processo reproduzia integralmente o conteúdo da anterior — inclusive mantendo os nomes do autor e da empresa da ação anterior, o que revela grave falha de personalização.
Fundamentação espelhada
A semelhança mais evidente entre os documentos está na fundamentação jurídica, sustentada em pilares como a probabilidade do direito, o perigo de dano, a vulnerabilidade do consumidor e a natureza alimentar do benefício.
Os trechos são praticamente idênticos, evidenciando o uso de modelos padronizados sem adaptações mínimas ao contexto específico de cada processo.
Apesar disso, há diferenças pontuais entre as decisões:
- Audiência de conciliação: no caso contra o Sem Parar, foi designada audiência. Já na ação contra o Serasa, a audiência foi dispensada, conforme pedido do autor com base no art. 334, §4º, I, do CPC.
- Multa por descumprimento: apenas na segunda liminar foi estipulada multa diária de R$ 500, limitada a R$ 5 mil, em caso de descumprimento da ordem judicial — sanção ausente na primeira decisão.
- Determinação de exclusão de restrição de crédito: na primeira decisão, a determinação foi ampla, determinando a exclusão no prazo de cinco dias do "nome da parte Requerente junto aos órgãos de proteção de crédito". Na segunda, a determinação se restringiu ao Serasa.
Repercussão
Marco Aurélio Gonçalves da Silva Teixeira, autor da segunda ação e advogado, manifestou-se diante do ocorrido, classificando o episódio como "um atentado à integridade da função jurisdicional".
Segundo ele, a decisão evidencia o uso irresponsável de modelos automatizados ou a possível delegação indevida da atividade judicante.
"Esse tipo de erro é um exemplo explícito do uso irresponsável de modelos de decisão. Deve ser levado imediatamente à Corregedoria do TJ/MT como evidência de que estagiários ou sistemas automatizados podem estar sendo utilizados sem supervisão jurídica adequada", criticou.
O advogado também aponta possível violação ao art. 489, §1º, do CPC, que exige fundamentação individualizada e compatível com os elementos constantes dos autos.
A repetição de conteúdo genérico pode comprometer a validade das decisões judiciais e ensejar recursos ou até medidas administrativas.
Para Teixeira, o Judiciário não pode sucumbir à lógica da produtividade a qualquer preço.
"Julgar não é preencher formulários; é decidir sobre direitos, vidas e esperanças."
- Processo: 1000020-30.2025.8.11.0029
Veja a decisão.
- Processo: 1026973-18.2025.8.11.0001
Veja a decisão.