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STJ: Dívida milionária de jogo nos EUA pode ser executada no Brasil

Relator argumentou que a cobrança é válida sob a legislação americana, não ferindo a ordem pública ou a soberania nacional.

13/5/2025

A 4ª turma do STJ, por unanimidade, negou recurso de devedor brasileiro que tentava impedir a execução, no Brasil, de dívida de US$ 1 milhão contraída em cassino de Las Vegas.

Na sessão desta terça-feira, 13, o colegiado acompanhou o voto do relator, ministro João Otávio de Noronha, que entendeu ser válida a cobrança com base na legislação americana, afastando violação à ordem pública ou a soberania nacional.

O caso

Em embargos à execução, o executado sustentou que a nota promissória emitida pelo cassino não poderia ser cobrada judicialmente no país, por representar dívida de jogo, considerada ilícita segundo a legislação brasileira.

O TJ/SP, contudo, manteve a execução, ao concluir que a obrigação deve ser regida pela lei do local onde foi constituída — no caso, a legislação americana, que permite a atividade de jogos em cassinos. O tribunal estadual afastou qualquer afronta à soberania nacional, à ordem pública ou aos bons costumes.

No recurso especial, o devedor reiterou que a ordem jurídica brasileira veda a cobrança de dívidas oriundas de jogos de azar e alegou que, ao buscar a execução no Brasil, o credor teria renunciado à aplicação da lei estrangeira, sujeitando-se à legislação brasileira.

Voto do relator

Ao analisar o caso, o relator, ministro João Otávio de Noronha, entendeu que não se verifica violação ao art. 489, §1º, IV, nem ao art. 1.022 do CPC, pois o acórdão recorrido apresentou fundamentação clara, precisa e conclusiva ao permitir a execução da dívida.

Para o ministro, o tribunal de origem entendeu que a obrigação foi contraída em país cuja legislação considera lícito o jogo, com base no art. 9º da LINDB, que prevê a aplicação da lei do local onde a obrigação se constituiu.

Noronha destacou ainda que o art. 814, §2º do Código Civil admite, no Brasil, a cobrança de dívidas oriundas de jogos legalmente autorizados, o que permite, por analogia, reconhecer equivalência parcial entre os ordenamentos jurídico brasileiro e estrangeiro.

Para o ministro, negar a cobrança configuraria enriquecimento sem causa, o que ofende os princípios da boa-fé e da ordem jurídica nacional.

Por fim, Noronha reforçou que a jurisprudência brasileira evoluiu para admitir a cobrança de tais obrigações, afastando o entendimento anterior de que se trataria de matéria contrária à ordem pública interna, e afirmou que a negativa ao cumprimento da obrigação violaria a boa-fé contratual.

Hipocrisia

Durante o voto, Noronha fez crítica contundente ao que chamou de hipocrisia do ordenamento jurídico brasileiro em relação aos jogos de azar.

O ministro destacou a contradição entre a proibição de cassinos no Brasil e a liberação de apostas eletrônicas operadas por empresas estrangeiras, como as chamadas “bets”, que, segundo ele, movimentam grandes somas de dinheiro, inclusive de beneficiários de programas sociais, sem gerar empregos ou contrapartidas econômicas ao país.

Para Noronha, enquanto o Brasil proíbe o jogo presencial, recursos nacionais são enviados ao exterior, prejudicando a economia interna. O ministro defendeu que é preciso enfrentar o tema de forma transparente, a fim de resolver o descompasso entre a prática social e a legislação vigente.

Veja o momento:

Com esses fundamentos, o relator votou por negar provimento ao recurso especial. 

A turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do relator.

Veja a versão completa

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