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STJ tranca ação penal por falta de provas além da colaboração premiada

6ª turma reconheceu que a denúncia se baseou unicamente em colaborações premiadas, sem provas independentes que justificassem a ação penal.

20/5/2025

Por unanimidade, a 6ª turma do STJ trancou ação penal instaurada contra advogado no âmbito da chamada operação Via Trajana, em que a PF investigou desvio de dinheiro público em obras nas rodovias federais do Rio Grande do Norte. O colegiado reconheceu que a denúncia apresentada pelo MP se baseava exclusivamente em declarações de colaboradores, sem o respaldo de elementos autônomos de prova, o que viola o art. 4º, § 16, II, da lei 12.850/13

Entenda o caso

O processo tramita na 2ª Vara Federal de Natal/RN e imputa ao acusado a prática dos crimes de corrupção passiva, associação criminosa e lavagem de capitais.

A defesa requereu o trancamento da ação penal alegando ausência de justa causa. Sustentou que a denúncia se limita à capitulação jurídica e está baseada exclusivamente em declarações de colaboradores, sem provas concretas dos supostos crimes. Argumentou ainda que a apreensão de documentos no escritório de advocacia, como pareceres jurídicos, não seria suficiente para configurar justa causa necessária para a propositura da ação penal. 

O habeas corpus foi impetrado contra acórdão da 2ª turma do TRF da 5ª Região, que manteve a ação penal sob o argumento de que, além das colaborações, os autos continham medidas como buscas e apreensões, quebras de sigilos bancário e fiscal, e interceptações telefônicas.

O MPF opinou pelo desprovimento do recurso, argumentando existir materialidade e indícios de autoria, além da inviabilidade de reavaliação de provas na via estreita do habeas corpus.

STJ tranca ação penal de advogado investigado por corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito da operação Trajana, no RN.(Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress)

Denúncia baseada apenas em delação

O relator, ministro Sebastião Reis Júnior, inicialmente negou provimento ao recurso, mas, após sustentação oral e reanálise dos autos, acolheu o pedido de trancamento. Para o ministro, embora tenha havido a contratação de serviços jurídicos, não há elementos que indiquem que esses contratos foram utilizados para justificar pagamentos fictícios ou repasses ilícitos.

Em seu voto, destacou que os documentos juntados ao processo demonstram a efetiva prestação dos serviços advocatícios, afastando a hipótese de contratação fictícia.

Segundo o relator, não é possível afirmar que o valor pago teria outro destino que não o pagamento por serviços efetivamente prestados. Destacou ainda que o pagamento foi feito ao escritório de advocacia, e não diretamente ao denunciado, e que não há provas de que valores tenham sido repassados a terceiros, conforme alegado na colaboração.

“Em que pese a contratação ter ocorrido, houve sim uma prestação real do serviço, a elaboração de pareceres. E mais ainda a se dizer no sentido de mostrar que o que foi objeto da colaboração em relação ao paciente não se comprovou com outras provas. O pagamento pelos pareceres foi feito em nome do escritório ao qual o paciente é vinculado e não em seu nome, tendo sido efetivamente objeto do documento fiscal necessário, não existindo qualquer outro indício, que não a palavra do colaborador, de que o valor pago teria um outro destino que não a remuneração por um serviço efetivamente prestado, ou seja, de que a contratação seria fictícia.”

O ministro também apontou a insuficiência do único documento citado pelo órgão acusador: um material produzido pelo próprio colaborador, com uma letra “R”, que não foi capaz de corroborar os relatos prestados.

Com base no art. 4º, § 16, II, da Lei 12.850/13 (com redação dada pelo Pacote Anticrime), que veda o recebimento de denúncia exclusivamente baseada em delações, o ministro reconheceu que ação não penal não poderia ter sido proposta sem provas mínimas além da palavra do colaborador.

Assim, por unanimidade, a 6ª turma concedeu a ordem para trancar a ação penal, sem prejuízo de nova denúncia, caso surjam elementos probatórios adicionais.

Veja a versão completa

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