A ABRAT - Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista divulgou nota "em defesa de todos que lutam em prol da justiça do trabalho":
"Ne nuntium necare
A ABRAT - Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista, entidade nacional que tem por objetivo promover e realizar a defesa dos direitos sociais, das garantias e direitos fundamentais, do estado social democrático de direito, da justiça social e do devido processo legal, bem como o bom funcionamento da Justiça do Trabalho, vem a público expressar a grave preocupação que suscita a Reclamação Disciplinar nº 0003576-54.2025.2.00.0000, em trâmite no Conselho Nacional de Justiça, voltada contra a pessoa da Desembargadora Vania Maria Cunha Mattos, do egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.
Segundo consta daqueles autos, “chegou ao conhecimento” da Corregedoria Nacional de Justiça uma decisão judicial proferida por aquela autoridade judiciária, segundo a qual teria esposado, em Mandado de Segurança, posicionamento manifestamente contrário ao adotado pela Corte Constitucional.
O entendimento exposto pela Desembargadora, apresentado, literalmente, “com todo o respeito ao conteúdo das decisões do Supremo Tribunal Federal”, aponta a obviedade de que estamos sob uma sucessão de feitos e fatos que conduzem, em seu dizer, ao “esfacelamento da competência da Justiça do Trabalho em um curto espaço de tempo, até porque, a Justiça do Trabalho, a única competente para reconhecer a existência ou não de vínculo de emprego”, atua nos termos do artigo 114 da Constituição Federal, com a redação que lhe emprestou a Emenda Constitucional nº 45/2004, que inclusive alargou a competência desse ramo do Judiciário.
O Conselho Nacional de Justiça, por seu Corregedor Nacional, houve por bem, de ofício, abrir “investigação preliminar” contra a Desembargadora, invocando expressamente trecho em que a magistrada manifesta respeitosa divergência, sem atentar para o distinguishing ali apontado, no sentido de que o trabalhador que postula o reconhecimento do vínculo não havia subscrito qualquer instrumento de contrato que se contrapusesse ao pretendido vínculo de emprego.
Do episódio, pretende a ABRAT destacar três aspectos.
O primeiro deles é que a tentativa de sancionar jurisdição motivada é altamente perniciosa, não apenas para a magistratura, como também para a cidadania.
Independência e imunidade dos juízes, pelo conteúdo de suas decisões, ressalvada apenas a responsabilidade do Estado pelo erro Judiciário, constituem garantias de acesso à jurisdição justa.
Por isso, o controle das decisões se dá no âmbito do próprio processo, jamais pelo procedimento disciplinar, como se a Desembargadora estivesse afrontando o sistema, a despeito de sua larga apresentação de traço distintivo que exclui aquele caso do âmbito da decisão da Suprema Corte de suspender os processos trabalhistas que versam o vínculo de emprego, quando há contratação efetiva por outras formas de organizar o trabalho humano.
A ABRAT, assim, se solidariza com a magistrada, que não pode ser assestada pelo conteúdo das decisões proferidas no exercício da função jurisdicional, a teor do artigo 41 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional. E ressalta que essa não é uma garantia pessoal da magistrada, uma imunidade em prol de sua pessoa, mas é uma prerrogativa que se assenta nos princípios da independência do Judiciário e da imunidade da jurisdição, assim como no ônus da motivação das decisões proferidas. Inexiste afronta ou desobediência. Há irresignação com o sentido da decisão.
Causam espécie a agressão à magistrada e a atuação da Corregedoria Nacional de Justiça no sentido de constranger a toda a magistratura trabalhista, já que a relativização da imunidade da Desembargadora põe em risco qualquer magistrado que, mesmo apontando os traços pelos quais entende inaplicável a decisão da Suprema Corte, fica sujeita a uma persecução disciplinar.
Eis o segundo aspecto a ressaltar. Tentar controlar decisões judiciais per saltum, por meio do poder disciplinar, é agredir duas instituições: o próprio Conselho Nacional de Justiça, que não é órgão revisor de julgados, e o Judiciário Trabalhista como um todo.
Por fim, a ABRAT entende que a decisão se dá no âmbito de um panorama maior de ataques institucionais a outra vítima: o próprio Direito do Trabalho, que, por não poder ser singelamente eliminado, tem recebido sucessivos recortes por meio de uma jurisdição suprema que se revela descompromissada com o projeto constitucional de 1988, deturpando-o a tal ponto que assume direção diametralmente oposta àquela inscrita no corpo da Constituição da República.
Lamenta-se, assim, que o próprio Conselho Nacional de Justiça seja instrumentalizado para esse propósito de ruptura da ordem constitucional no que tange aos direitos sociais, agredindo não aos seus próprios integrantes, mas às classes produtivas de modo geral, em especial, trabalhadores e trabalhadoras.
A tentativa de sancionar a magistrada em razão de decisão judicial se assemelha à decisão de Dario III, da Pérsia, quando informado da sua derrota para os gregos: matem o mensageiro!
A irritação que têm revelado algumas autoridades judiciárias quando se creem “soberanos” e veem a realidade contrariar seus desejos não pode revogar o arcabouço jurídico que versa a matéria. A agressão, quando provém de quem deveria prover e cuidar, eleva a sua gravidade. Relações de emprego dependem de fatos e provas e as situações específicas são de difícil generalização e abstração.
Ao vilipendiar pilares das garantias constitucionais, que não são apenas dos juízes, mas de todas as cidadãs e todos os cidadãos da República, assim como o direito de vir a ser jurisdicionado por magistrados ciosos de sua independência e imunidade, o Conselho Nacional de Justiça se reduz a pretenso substituto dos órgãos de jurisdição ordinária, desnaturando-se.
A ABRAT põe-se ao lado da Desembargadora, atacada de modo descabido, mas com profunda consciência de que não se trata de uma agressão personificada, mas de mais um movimento de ojeriza ao sentido e alcance do Direito do Trabalho, que, como associação nacional, nos cumpre defender.
A ABRAT põe-se ao lado da Desembargadora, atacada de modo descabido, mas com profunda consciência de que não se trata de uma agressão personificada, mas de mais um movimento de ojeriza ao sentido e alcance do Direito do Trabalho, que, como associação nacional, nos cumpre defender.
Não matem o mensageiro!
Preserve-a verdade que giza o Direito do Trabalho!"
Elise Ramos Correia e Luis Carlos Moro