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Para entidades, falta de equilíbrio regulatório pode abrir espaço à ilegalidade

FNCP avalia que medidas excessivamente restritivas a produtos já impactados pela ilegalidade expõem consumidor ao aumento do mercado ilícito.

12/6/2025

O Brasil perde quase meio trilhão de reais ao ano com contrabando, falsificação e pirataria - assim afirma o FNCP - Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade, a partir de levantamento anual, que mapeia impactos do mercado ilegal em 15 setores da economia – entre eles, o de cigarros, cujo produto ilícito lidera o ranking de apreensões da Receita Federal. 

De acordo com o Fórum, embora a fiscalização e atuação das forças de segurança sejam essenciais, não são suficientes para conter o avanço do mercado ilegal. Medidas regulatórias excessivamente restritivas, especialmente em segmentos já altamente controlados, podem produzir efeitos colaterais graves. É o caso de produtos como cigarros e bebidas alcoólicas, nos quais políticas públicas como o aumento de impostos, por exemplo, devem ser cuidadosamente avaliadas quanto ao seu impacto real.

A entidade destaca como exemplo mais recente o aumento da alíquota do IPI sobre cigarros – um dos produtos mais taxados do país - decretado no fim do ano passado. A medida elevou em 50% a tributação federal, somando-se à elevação do já existente preço mínimo. Segundo o FNCP, ao tornar o produto legal mais caro, a iniciativa acaba por beneficiar o mercado ilegal, cujos preços mais baixos continuam atraentes aos consumidores.

Para o Fórum, o histórico reforça a preocupação: em 2012, uma elevação na carga tributária sobre o cigarro foi seguida por um crescimento gradual do mercado ilícito, que atingiu seu ápice em 2019, representando 57% das vendas totais do país. 

Além da questão tributária, a organização aponta outra pauta que acende o sinal de alerta no combate ao mercado ilegal de produtos fumígenos: a retomada do julgamento no STF, nesta sexta-feira, 13, em plenário virtual, sobre a validade da resolução da Anvisa (RDC 14/12) que proíbe o uso de diversos ingredientes em produtos derivados do tabaco. O FNCP aponta que a medida pode inviabilizar até 98% da produção legal de cigarros no país, além de outros produtos fumígenos como charutos e cigarros de palha – o que elevaria ainda mais a preocupação sobre o crescimento do mercado ilícito no Brasil. 

Diz a entidade que proibições com esse grau de rigidez sobre qualquer produto tendem a gerar mais espaço para o crescimento do mercado clandestino, que, no caso dos cigarros, é hoje dominado por redes de contrabando e grupos ligados ao crime organizado que passaram a produzir versões falsificadas no Brasil, criando um efeito inverso ao que se busca com a regulação. 

"Essa mudança de estratégia evidencia a sofisticação e ousadia dessas organizações, que deixam de depender apenas das fronteiras para o contrabando e passam a montar uma cadeia de produção completa dentro do país. É um sinal de alerta claro: o cigarro ilegal não é mais apenas uma questão de evasão fiscal - é um motor do crime estruturado, que se adapta e evolui para uma ação mafiosa, crescendo e se infiltrando nas instituições do Brasil", ressalta Edson Vismona, presidente do FNCP.

Dados do Instituto Ipec, encomendados pelo FNCP, mostram o tamanho do mercado ilícito de cigarros no Brasil. Só em 2024, 34 bilhões de cigarros ilegais circularam em todo o país. O volume representa, segundo o Fórum, R$ 9 bilhões em lucro para o crime organizado. O levantamento mostra também que 3 das 10 marcas mais vendidas são ilegais, entre elas a paraguaia Eight, que ocupa o terceiro lugar no ranking e circula sem qualquer autorização da Anvisa em território nacional. Trata-se de um mercado altamente lucrativo e dominado pelas facções que, cada vez mais, infiltram-se nas estruturas do Estado, nas instituições, na política e na economia. 

O Fórum pontua que, ao contrário dos produtos da indústria formal, os cigarros ilegais - como o Eight e similares - não estão sujeitos a qualquer controle sanitário da Anvisa - ou seja, não cumprem requisitos e exigências previstas na regulamentação, ignoram o preço mínimo estabelecido por lei e contêm aditivos. "Esses produtos continuarão amplamente disponíveis e diante de restrições mais severas, tendem a se tornar ainda mais procurados pelos consumidores", diz a entidade.

Proibição de ingredientes em cigarros impulsiona mercado ilícito, apontam entidades.(Imagem: Reprodução/PMMG)

O fórum de combate à ilegalidade destaca que um estudo da FGV acendeu um sinal de alerta sobre o avanço do mercado ilegal de cigarros, que hoje representa 32% do comércio nacional, segundo dados do Ipec. A pesquisa mostrou que, embora a RDC 14/12, atualmente em discussão no Supremo, indique que a restrição de ingredientes se aplicaria a todos os produtos fumígenos, "na prática, há penetração de produtos contrabandeados ou fabricados nacionalmente de maneira clandestina, que não obedeceriam a essas normas". 

Segundo a entidade, o estudo aponta que "a existência de dois mercados (um formal, em conformidade com as regras, e outro informal, com a presença potencial dos referidos aditivos e outras desconformidades) cria uma assimetria e incentiva a migração dos consumidores para o mercado irregular de cigarros, segmento já tão presente no Brasil”. A análise ainda teria sugerido que uma parcela dos consumidores de produtos formais pode acabar migrando para os ilegais: “Alguns estudos indicam que a imposição de restrições que afetam a característica do produto pode induzir uma migração expressiva de consumidores para produtos substitutos do mercado, inclusive aqueles oriundos do mercado informal, em percentuais que atingem 24 a 30% em diferentes cenários de restrições”.

A CNI, em sua manifestação como amicus curiae no Tema 1.252, atualmente em discussão no STF, também demonstrou preocupação com o impacto da resolução no possível crescimento do ilícito. "Pode-se falar em uma tendência de que os possíveis consumidores desses produtos (novos e antigos) migrem para o mercado ilegal, que manterá o produto da preferência dos consumidores, sem controle sanitário, a preços bem mais atrativos, os quais, aliás, fazem com que os cigarros ilegais detenham 30% do mercado de fumígenos no Brasil. Isso gera efeitos diversos aos desejados e agrava o não recolhimento de tributos incidentes”, descreveu o órgão.

O elo com o mercado ilegal

Conforme já publicado por Migalhas, a venda ilegal de cigarros responde por cerca de 30% do mercado no país, com forte atuação de grupos criminosos. Nos últimos anos, além do contrabando vindo do Paraguai, cresceu de forma expressiva a fabricação clandestina de cigarros em território nacional - uma nova frente do crime, com impactos econômicos, sanitários e sociais. 

Especialistas ligados ao Fórum pontuam que medidas que aumentam os impostos de maneira alavancada e restringem a oferta do produto legal podem acabar empurrando parte da demanda para esse mercado clandestino, onde não há controle de qualidade nem respeito à legislação vigente. 

"Proibir aditivos nos cigarros legais, especialmente em um contexto de recente aumento de imposto e do preço mínimo dos cigarros, sem enfrentar o comércio ilegal, tem efeito totalmente inócuo. A lacuna deixada pela indústria formal é rapidamente ocupada por facções criminosas, que operam o mercado ilegal de cigarros oferecendo produtos sem controle sanitário, mais baratos e com sabores variados - ampliando o consumo e enfraquecendo as políticas públicas", afirma Edson Vismona. 

Fonte: FNCP - Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade
*Conteúdo patrocinado.

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