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PEC dos precatórios ameaça direitos legais, alertam especialistas

Bruno Durão e Felipe de Andrade explicam efeitos diretos da proposta: atraso nos pagamentos, incertezas judiciais e risco de novos processos no STF.

21/7/2025

A Câmara dos Deputados aprovou na noite do dia 15/7, em primeiro turno, a PEC 66/23, que estabelece um teto para o pagamento de precatórios, dívidas judiciais definitivas que governos estaduais e municipais são obrigados a quitar quando não há mais possibilidade de recurso.

A medida, aprovada por 404 votos favoráveis e 67 contrários, segue agora para análise do Senado. A proposta precisava de, no mínimo, 308 votos para passar pela Câmara. Partidos como Psol, Rede e Novo foram os únicos a orientar voto contrário, argumentando que a PEC ameaça a segurança jurídica e penaliza cidadãos e empresas credores.

Para o advogado tributarista Bruno Medeiros Durão, sócio do escritório Bruno Durão Advocacia, a aprovação sinaliza uma tentativa de aliviar as contas públicas locais, mas pode criar um precedente perigoso: "A PEC, na prática, transfere o problema fiscal dos governos para o cidadão. Quem tem um precatório, muitas vezes já espera há anos para receber. Quando o Estado posterga esse pagamento, compromete a confiança no Poder Judiciário e na Administração Pública", explica Durão.

A justificativa apresentada pelos defensores da PEC é de que o limite para pagamento de precatórios ajuda a equilibrar as finanças de Estados e municípios, muitos dos quais enfrentam déficits expressivos e dívidas acumuladas. Na prática, o texto cria um teto anual para essas despesas, permitindo que o excedente seja parcelado ou empurrado para exercícios seguintes.

Segundo Felipe de Andrade, especialista em precatórios, a proposta repete o modelo adotado em 2021, com a chamada PEC dos precatórios, que gerou forte reação de credores na época. "Esse tipo de medida pode até dar fôlego de curto prazo para os cofres públicos, mas gera insegurança para quem já tem uma decisão judicial definitiva. Empresas, por exemplo, acabam sem previsibilidade de fluxo de caixa, o que afeta investimentos e empregos", avalia Andrade.

Da esquerda para a direita: Felipe de Andrade e Bruno Medeiros Durão.(Imagem: Divulgação)

Atualmente, precatórios são, em muitos casos, o resultado de anos de litígio. Grande parte envolve aposentados, pensionistas, servidores públicos ou empresas que ganharam ações contra o Poder Público. Para o credor, o não pagamento no prazo representa um duplo prejuízo: o valor já reconhecido pela Justiça não é quitado e, muitas vezes, não há correção monetária capaz de compensar o atraso. 

"Além da postergação, há o risco de desvalorização real do crédito, porque o índice de correção raramente cobre a inflação acumulada ou o custo de oportunidade. No final, quem recebe é quem tem mais fôlego para esperar ou recursos para negociar com deságio", complementa Bruno Durão.

A PEC 66/23 ainda precisa passar por mais uma votação na Câmara e, depois, será encaminhada ao Senado Federal. Se aprovada em definitivo, os Estados e municípios poderão reorganizar seus orçamentos, mas os credores devem se preparar para novas rodadas de atrasos, parcelamentos e disputas judiciais. 

"O tema ainda deve render questionamentos no Supremo Tribunal Federal, pois a Constituição garante o pagamento dos precatórios dentro de prazos específicos. Limitar esse pagamento pode ser visto como manobra inconstitucional", alerta Felipe de Andrade.

A votação da matéria ocorre em meio a pressões de governadores e prefeitos, que alegam falta de recursos para honrar os compromissos, especialmente em um cenário de arrecadação estagnada e aumento de gastos com saúde, educação e folha de pagamento.

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