A Smart Fit foi condenada a pagar R$ 40 mil por danos morais a cliente transexual, em decisão da 7ª vara Cível do Foro Regional de Nossa Senhora do Ó, em São Paulo/SP. O juiz de Direito Fernando Antônio de Lima concluiu que a cliente foi vítima de transfobia e de tratamento desrespeitoso, evidenciados pela demora de dois anos na alteração de seu nome no sistema e pelo tratamento diferenciado que recebia de funcionários.
Para o magistrado, tais condutas violaram a dignidade da pessoa humana, configurando grave violação de direitos fundamentais.
"Se danos morais são violações a direitos fundamentais, como a honra, a imagem, a percepção que cada pessoa tem de si mesmo e o direito a fruir de direitos sociais como o transporte de qualidade, dúvida não há de que os danos morais ocorreram. Simplesmente por ser uma mulher transexual, simplesmente por ser quem ela é - ela perdeu o direito de existir. E existir não é qualquer existir. É o existir com dignidade. É o existir com respeito. É o existir com liberdade."
A autora relatou que, desde 2018, enfrentava constrangimentos na academia, como a negativa de funcionários em passar treinos por ser transexual e a insistência em chamá-la por seu nome anterior, mesmo após decisão judicial de retificação. A alteração cadastral só ocorreu em 2020, após dois anos de pedidos.
Em maio de 2023, a cliente solicitou o trancamento da matrícula em razão de cirurgia emergencial, mas, ao retornar à unidade dias depois, foi informada pela gerente de que o pedido não havia sido aceito. Segundo a autora, o episódio somou-se a outras situações de descaso e desrespeito que já havia vivenciado no local.
Na contestação, a Smart Fit alegou que o plano contratado não previa trancamento e que o procedimento só seria realizado mediante apresentação de atestado médico oficial. Sustentou não haver falha na prestação de serviços e pediu a improcedência da ação.
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Dignidade humana
Na sentença, o juiz reconheceu a “situação de extrema vulnerabilidade social, econômica e emocional, devido a situações repugnantes de transfobia e discriminação”, destacando que as provas testemunhais e documentais confirmaram os episódios de discriminação, como a recusa em alterar o nome da autora no sistema e em efetivar o trancamento da matrícula. Para ele, tais práticas representaram a negação do direito de existir com dignidade.
“Quando o meio social rejeita os aspectos físicos, biológicos e psicológicas de cada pessoa, a identidade da pessoa é vilipendiada, desprezada e desqualificada. São ambientes sociais racistas, estruturalmente discriminatórios, que destroem o ser e o existir, rejeitando a condição humana naquilo que a condição humana tem de fundamental.”
O magistrado ressaltou que os danos morais não se restringiram a meros aborrecimentos, mas constituíram violação grave de direitos fundamentais. Além da Constituição, que tem a dignidade da pessoa humana como fundamento (art. 1º, III), aplicou o CDC, que prevê responsabilidade objetiva do fornecedor por falhas na prestação do serviço.
Também incorporou parâmetros internacionais, lembrando que o Brasil se submete às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Assim, reforçou que empresas privadas estão igualmente obrigadas a respeitar e garantir direitos humanos, e que a
Considerando que a indenização deve ter caráter reparatório e pedagógico, prevenindo novas violações, condenou a Smart Fit ao pagamento de R$ 40 mil por danos morais.
“Os danos morais estão caracterizados, a propósito, porque a requerente só conseguiu a alteração do nome no sistema da ré depois de longos dois anos; buscou realizar o trancamento da matrícula na academia, em razão de cirurgia, mas não obteve êxito. Trata-se de violação a direitos fundamentais, relacionados à dignidade da pessoa humana. Diante do elevado porte econômico da requerida e da extrema gravidade dos fatos, fixa-se a reparação por danos morais no valor de R$ 40 mil.”
- Processo: 1011586-54.2023.8.26.0020
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