O julgamento da (in)constitucionalidade da lei 14.454/22, que ampliou hipóteses de cobertura de tratamentos fora do rol da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, ganhou novos contornos no plenário do STF nesta quarta-feira, 17.
A divergência surgiu em torno de quem deve definir os critérios para exceções ao rol.
O relator, ministro Luís Roberto Barroso, ao votar, sugeriu tese propondo parâmetros objetivos, de modo a garantir segurança jurídica.
Já ministro Flávio Dino divergiu dessa proposição. Sustentou que a definição dos critérios é tarefa da própria ANS, a quem deve ser dada deferência técnica.
Veja o debate:
Barroso lembrou que a resolução técnica da própria ANS, em 2021, qualificou o rol como taxativo, sendo mais restritiva que a solução proposta em seu voto:
"A norma técnica era bem mais rigorosa do que a solução que eu propus. Depois veio a decisão do STJ, que flexibilizou, e em seguida sobreveio a legislação."
Dino, embora reconhecendo a coerência do voto do relator com precedentes da Corte, defendeu que não cabe ao Supremo fixar filtros adicionais além dos já previstos em lei:
"Eu só acho, presidente, que não devemos ser nós a fazer isso. Quem deve fazer é a ANS. [...] A deferência técnica, a meu ver, neste tema, é o melhor caminho."
Para o ministro, a integração dos §§12 e 13 do art. 10 da lei 9.656/98 com o §1º já assegura a previsibilidade, preserva a escolha legislativa e confere à agência reguladora o papel de disciplinar as exceções.
O ministro ressaltou ainda a imprevisibilidade dos custos futuros da saúde suplementar, influenciados por fatores como telemedicina e inteligência artificial, e defendeu que a flexibilidade fique a cargo da ANS.
Barroso, por sua vez, rebateu:
"Embora entenda perfeitamente o ponto de vista de Vossa Excelência, não concordo nem na primeira nem na segunda posição. Porque, às vezes em que a ANS atuou, ela foi mais restritiva do que nós estamos sendo aqui."
Segundo Barroso, a Corte deve reconhecer que o rol não é aberto, mas também não é absolutamente fechado, devendo admitir exceções com base em critérios objetivos.
Desde 2022...
A discussão a respeito da natureza jurídica do rol de procedimentos da ANS - se taxativo ou exemplificativo - ganhou intensidade a partir de meados de 2022.
Até então, o STJ não havia firmado entendimento unificado. A 3ª turma defendia que o rol era exemplificativo, permitindo a inclusão de procedimentos não listados com base em prescrição médica. Já a 4ª turma, desde 2019, sustentava a tese do rol taxativo, admitindo exceções apenas em casos específicos.
Diante do impasse, a matéria foi levada à 2ª seção da Corte da Cidadania, responsável por uniformizar a jurisprudência das turmas de direito privado.
Em junho de 2022, ao julgar os EREsp 1.886.929 e 1.889.704, a 2ª seção decidiu, por maioria, que o rol da ANS é taxativo, mas admitiu exceções.
O voto do relator, ministro Luís Felipe Salomão, com sugestões do ministro Villas Bôas Cueva, estabeleceu critérios para a cobertura de procedimentos não listados:
- Inexistência de substituto terapêutico no rol;
- Comprovação de eficácia com base na medicina baseada em evidências;
- Recomendação de órgãos técnicos como Conitec ou Natjus; e
- Diálogo prévio do magistrado com especialistas.
A reação do Congresso Nacional foi rápida.
Em setembro de 2022, foi sancionada a lei 14.454/22, que reverteu o entendimento do STJ e passou a tratar o rol da ANS como exemplificativo.
A nova lei garante a cobertura de procedimentos fora da lista, desde que haja eficácia comprovada, recomendação da Conitec ou de entidades internacionais reconhecidas, ausência de alternativa terapêutica no rol, e inexistência de negativa expressa da ANS.
A norma também reforçou os direitos dos consumidores ao submeter os planos de saúde ao CDC, inclusive para contratos anteriores à lei 9.656/98.
Agora, a constitucionalidade da nova lei está sendo questionada no STF.