Nesta quinta-feira, 18, durante sessão em que o Supremo analisava a constitucionalidade das alterações no rol da ANS, ministro Flávio Dino fez referência literária a "Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa". S. Exa. afirmou que se Riobaldo, personagem central da obra, vivesse em 2025, "já teria infartado".
A menção surgiu quando Dino citava a célebre frase do personagem — "viver é muito perigoso" — para refletir sobre o sistema de precedentes judiciais e os riscos da judicialização excessiva.
Quem é Riobaldo?
Riobaldo é o protagonista e narrador do romance Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. Ele conta a história de sua vida como ex-jagunço para um "Doutor", refletindo sobre seu passado, seus amores por Diadorim, Nhorinhá e Otacília, e questões existenciais como Deus, o Diabo, medo e coragem.
O ministro destacou que a eficácia dos precedentes exige "humildade dupla": tanto de quem os aplica quanto de quem os emite. Advertiu, porém, que a "tentação satânica da reclamação" pode incentivar a hiperjudicialização e gerar distorções na prática forense.
"Difícil é soltar a mão do precedente, é dizer: a instância ordinária aplique e Deus proteja. Porque, senão, nós estamos apenas deslocando. Eu não sou, longe disso, o ministro Moreira Alves, mas neste caso eu faço a profecia da catástrofe", afirmou.
Para ilustrar a complexidade do tema, recorreu à literatura:
"Eu lembro de Guimarães Rosa e Riobaldo: viver é muito perigoso."
Foi nesse momento que a ministra Cármen Lúcia interveio: "E olha que ele não estava em 2025".
Dino respondeu de pronto:
"Pois é, imagina se tivesse, Riobaldo já tinha infartado."
Veja o momento:
Reclamação em debate
A fala do ministro Flávio Dino sobre a "tentação satânica da reclamação" dialoga diretamente com outro debate recente do STF.
A reclamação constitucional, concebida como medida excepcional para resguardar a autoridade da Corte, tem se transformado, segundo os próprios ministros, em um verdadeiro atalho processual.
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Na 1ª turma, ao julgar a Rcl 73.811, ministros discutiram se o instrumento ainda cumpre a função original ou se passou a ser usado como via rápida para questionar decisões de instâncias inferiores, inclusive em matérias trabalhistas.
Ministros como Luiz Fux e o próprio Dino alertaram para a "ordinarização" do instituto, que estaria convertendo o Supremo em instância revisora de fatos e provas.
Já outros, como Alexandre de Moraes, defenderam sua utilidade em casos de descumprimento imediato de súmulas vinculantes ou teses de repercussão geral.
Os números confirmam o problema: em 2025, o STF recebeu mais de oito mil reclamações, quase o triplo do volume de habeas corpus, tradicionalmente o remédio mais recorrente da Corte.
Esse cenário explica por que Dino recorreu à literatura para lembrar Riobaldo: "viver é muito perigoso". A judicialização excessiva, para S. Exa., ameaça não apenas o sistema de precedentes, mas também o próprio papel institucional do Supremo.