Durante sessão do plenário do STF nesta quarta-feira, 24, que julga a quebra de sigilo de usuários da internet com base em pesquisas realizadas em sites de busca, ministro André Mendonça alertou sobre os riscos que a decisão pode trazer aos direitos fundamentais.
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Estado de polícia
Conforme afirmou, a ampliação da possibilidade de quebra indeterminada de sigilo pode resultar em graves consequências para a liberdade e a intimidade dos cidadãos.
“Nós estamos construindo um precedente muito perigoso para os direitos fundamentais, para a liberdade, para a intimidade das pessoas (...) Eu acho que nós estamos abrindo caminho para um Estado de polícia e é um caminho, se nós abrirmos, é um caminho sem volta”, afirmou.
Apesar da preocupação, Mendonça ressaltou que respeitaria o entendimento da maioria:
“Agora, vou me curvar à vontade da maioria. Então, depois, diante dos casos concretos que surgirem, eu também vou aplicar o precedente. Ou seja, eu não vou depois, lá na frente, buscar fazer uma reversão do precedente em função de casos concretos."
Posição mantida
Em abril, Mendonça já havia apresentado ressalvas à autorização de medidas investigativas que envolvem o acesso a dados pessoais de um universo indeterminado de pessoas.
Em voto, S. Exa. defendeu critérios rigorosos e a observância estrita às garantias constitucionais, para evitar o que classificou como “fishing expedition”, ou pescaria probatória, expressão usada para designar investigações genéricas que buscam indícios de ilícitos sem base prévia específica.
De forma detalhada, Mendonça listou elementos que, em sua visão, devem ser atendidos para justificar a requisição judicial de registros de conexão, acessos a aplicações de internet e outras informações informáticas. São eles:
- Especificação precisa do tipo de dado solicitado;
- Análise do grau de exposição gerado pelo compartilhamento;
- Correlação clara entre os indivíduos e o objeto da investigação;
- Demonstração da imprescindibilidade dos dados;
- Existência de suspeitas fundamentadas; e
- Garantia de custódia e descarte dos dados quando não forem mais úteis.
À época, o ministro propôs ajustes nas teses apresentadas pelos ministros Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin, sugerindo que qualquer acesso judicial a dados armazenados por provedores seja condicionado à observância dos arts. 7º, 10 (§§1º e 2º) e 22 do marco civil da internet (lei 12.965/14).
Caso Marielle Franco
O Google recorreu ao STF contra decisão do STJ que restabeleceu a quebra de sigilo de usuários que pesquisaram termos relacionados a Marielle Franco entre os dias 10 e 14 de março de 2018. A medida buscava identificar IPs e dispositivos para auxiliar na investigação do assassinato da vereadora.
O STJ entendeu que a ordem estava devidamente fundamentada, era proporcional e limitada a um recorte temporal e geográfico específico. A Corte destacou ainda que os dados irrelevantes seriam descartados, preservando os direitos fundamentais.
Em recurso, o Google sustentou que a medida é genérica, viola a privacidade dos usuários e não apresenta relação direta com o crime investigado. Segundo a empresa, os dados estão protegidos pela Constituição Federal e os termos pesquisados são comuns e vinculados a uma figura pública, o que poderia atingir injustamente pessoas inocentes.
A empresa também advertiu para o risco de que a decisão abra precedentes perigosos, legitimando quebras de sigilo amplas em futuras apurações, e ressaltou a relevância da proteção de dados diante do avanço da digitalização.
- Processo: RE 1.301.250