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STF julga lei que reduziu Parque Nacional para construção da Ferrogrão

Ação questiona redução do Parque do Jamanxim em favor da ferrovia.

2/10/2025

Nesta quinta-feira, 2, o STF começou a julgar ação proposta pelo PSOL contra a lei 13.452/17, que reduziu em cerca de 862 hectares os limites do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará.

A área suprimida foi destinada ao projeto da Ferrogrão, ferrovia planejada para ligar Mato Grosso ao Pará, visando escoar a produção agrícola da região.

A tarde foi destinada às sustentações orais das partes e dos amici curiae e o caso será retomado na sessão da próxima quarta-feira, 8.

Ferrogrão é projetada para ligar Mato Grosso ao Pará.(Imagem: Editoria de Arte/Folhapress | Arte Migalhas)

Impacto brutal

Em sustentação oral, o advogado Raphael Sodré Cittadino afirmou que a norma "nasceu viciada", por ter origem em medida provisória desprovida de urgência e inadequada para tratar de alteração de unidade de conservação.

Baseou-se no art. 225 da CF, destacando dois aspectos centrais: a reserva de lei formal para modificação de áreas protegidas e a proibição de usos que comprometam a integridade dos atributos que justificam a preservação.

Segundo o partido, a Ferrogrão representa "impacto brutal" sobre o meio ambiente e sobre comunidades tradicionais.

Citou parecer técnico do ICMBio que aponta seis espécies endêmicas ameaçadas, cinco povos indígenas isolados e ao menos 14 terras indígenas afetadas.

O advogado criticou a ausência de consulta prévia, livre e informada, em descumprimento à Convenção 169 da OIT, além da falta de estudos técnicos confiáveis sobre o traçado da ferrovia.

Cittadino também trouxe dados de estudo acadêmico que relacionam o avanço da ferrovia ao aumento do desmatamento no parque: de uma média inferior a 200 hectares anuais para mais de 1.100 hectares em 2021, com queda após a liminar do STF.

Para o PSOL, a Ferrogrão é "em si inconstitucional", não devendo o Supremo delegar ao Executivo a decisão sobre sua viabilidade.

Pediu a declaração de inconstitucionalidade da lei e, subsidiariamente, a imposição de condicionantes ou a reabertura da instrução processual.

AGU

O advogado-Geral da União, Antonio Marinho Rocha Neto, informou a mudança de entendimento institucional da AGU, que passou a defender a inconstitucionalidade da lei após pareceres técnicos do ICMBio em 2023.

Segundo ele, a medida provisória que deu origem à norma previa não apenas a desafetação de 862 hectares do Jamanxim, mas também a incorporação de 51 mil hectares da APA do Tapajós, aumentando a proteção ambiental da região. Essa compensação, porém, foi retirada pelo Congresso durante a conversão em lei.

Para a AGU, a alteração sem estudos técnicos prévios viola o art. 225 da CF e afronta os princípios da vedação ao retrocesso, da proibição de proteção ineficiente e do dever de progressividade ambiental.

Embora apoie a procedência da ação, a União ressaltou que isso não implica rejeição ao projeto da Ferrogrão, desde que respeitados os parâmetros socioambientais.

Estudos recentes, lembrou, já indicam traçado alternativo integralmente na faixa da BR-163, fora dos limites do parque.

Amici curiae

Diversos representantes atuaram como amigos da Corte, trazendo argumentos em sentidos opostos sobre a lei que reduziu o Parque Nacional do Jamanxim.

De um lado, entidades socioambientais e indígenas apontaram inconstitucionalidades e riscos.

O advogado Marcos André Bruxel Saes, pelo ISAF - Instituto Sócio-Ambiental Flora Nativa, sustentou que a medida provisória que deu origem à norma foi um "atalho inconstitucional", usado sob a justificativa de que não haveria tempo hábil para tramitação de lei formal.

Para ele, admitir tal precedente abre brecha para a flexibilização de obrigações constitucionais de proteção ambiental.

Na mesma linha, a advogada Gladys Terezinha Reis do Nascimento, pelo Instituto Kabu, destacou a gratidão dos povos indígenas ao STF, mas reforçou que apenas lei formal pode alterar áreas de conservação. Denunciou que a MP 758 representou uma "dupla supressão": tanto da área protegida quanto do debate democrático no Congresso.

Também pela defesa ambiental, o advogado indígena Ricardo Terena, representando a APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, advertiu que flexibilizar o art. 225 da CF abriria espaço para um "retrocesso incalculável" na proteção socioambiental.

Ressaltou a ausência de consulta livre, prévia e informada às comunidades, em descumprimento da Convenção 169 da OIT, e lembrou que a Ferrogrão afetaria diretamente seis terras indígenas, 17 unidades de conservação e três povos isolados. 

Na mesma linha, o advogado Fernando Gallardo Vieira Prioste, pelo ISA - Instituto Socioambiental, alertou que permitir a redução de áreas protegidas por medida provisória fragilizaria todas as unidades de conservação do país.

Criticou a ausência de urgência legítima para edição da MP e apontou falhas graves nos estudos da Ferrogrão, que não consideraram os impactos cumulativos do empreendimento. Defendeu que qualquer alteração no parque seja feita apenas por lei formal e com novos estudos ambientais abrangentes.

Em sentido oposto, representantes do agronegócio e do Estado de Mato Grosso defenderam a constitucionalidade da norma e a viabilidade do projeto ferroviário.

Pelo CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, o advogado Rodrigo de Oliveira Kaufmann da banca Sturzenegger e Cavalcante Advogados Associados, afirmou que a redução de apenas 0,054% da área do parque não compromete a proteção ambiental, lembrando que desde sua criação o Jamanxim já previa espaço para a BR-163.

Ressaltou ainda que a lei estabelece compensações ambientais de R$ 799 milhões e obriga consulta às comunidades indígenas.

Para a CNA, a Ferrogrão representa o maior empreendimento logístico do agronegócio, com investimentos de R$ 25 bilhões e potencial de reduzir em 3,4 milhões de toneladas anuais as emissões de CO2.

Já o procurador Daniel Gomes Soares de Souza, pelo Estado de Mato Grosso, também pediu a improcedência da ação.

Argumentou que a MP observou os requisitos de urgência e relevância e serviu apenas para autorizar estudos, sem supressão direta de vegetação.

Destacou que a ferrovia poderá reduzir em até 85% as emissões poluentes em comparação ao transporte rodoviário, além de diminuir o número de acidentes na BR-163, rota hoje sobrecarregada pelo escoamento da safra de grãos.

Entenda

A lei 13.452/17 decorre da MP 758/16, que reduziu em 862 hectares os limites do Parque Nacional do Jamanxim para viabilizar a Ferrogrão.

O PSOL alega violação da reserva de lei formal, afronta aos direitos indígenas e descumprimento do dever de consulta prévia.

Inicialmente, Presidência, Congresso e AGU defenderam a constitucionalidade, sustentando que a área reduzida era mínima e acompanhada de compensações. A PGR também opinou pela improcedência.

Em 2020, ministro Alexandre de Moraes concedeu liminar suspendendo a lei e os procedimentos administrativos vinculados.

Em 2023, a AGU reviu sua posição e passou a apoiar a procedência da ação, reconhecendo a inconstitucionalidade da norma.

No mesmo ano, Moraes manteve a suspensão, mas autorizou a retomada dos estudos técnicos e encaminhou o caso ao CESAL – Centro de Soluções Alternativas de Litígios do STF, que promoveu reuniões com órgãos públicos, comunidades e entidades. Os encontros evidenciaram divergências internas no Executivo e forte desconfiança das comunidades indígenas.

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Sem consenso, o caso volta ao plenário do STF, que deverá decidir se a lei que reduziu o Parque Nacional do Jamanxim para viabilizar a Ferrogrão é ou não compatível com a CF.

O que está em jogo?

De um lado, representantes do agronegócio consideram a Ferrogrão estratégica para reduzir o custo de exportação de grãos, como soja e milho, aliviando a sobrecarga da BR-163, rota rodoviária aberta nos anos 1970.

Estimativas indicam que a ferrovia poderia diminuir em até 40% o valor do frete, além de encurtar distâncias e reduzir emissões de gases poluentes.

De outro, organizações socioambientais e lideranças indígenas apontam riscos ao meio ambiente e violação do direito de consulta prévia.

A crítica central é que a supressão de parte de uma unidade de conservação de proteção integral teria sido feita sem contrapartida ambiental e sem diálogo adequado com comunidades tradicionais afetadas.

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