O STF realiza nesta segunda-feira, 6, audiência pública para discutir os desafios econômicos e sociais da chamada “pejotização” no Brasil. O evento, conduzido pelo decano da Corte, ministro Gilmar Mendes, teve início às 8h.
A audiência foi convocada no âmbito do ARE 1.532.603, que analisa a licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços — prática conhecida como “pejotização”.
Pela manhã, a abertura contou com falas do ministro Gilmar Mendes, do subprocurador-Geral da República Luiz Augusto Santos Lima, do AGU Jorge Messias e do ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho.
Ao todo, 48 participantes foram selecionados entre 508 inscritos e convidados, observando critérios de experiência e autoridade no tema, relevância das contribuições e limitação do tempo da sessão. Cada expositor terá sete minutos para apresentar suas considerações.
Veja como foi a sessão da manhã:
Veja como foi a sessão da tarde:
Equilíbrio entre liberdade e proteção social
Decano do STF, o ministro Gilmar Mendes realizou a abertura da audiência pública que discute a licitude da contratação de trabalhadores autônomos ou pessoas jurídicas para prestação de serviços – Tema 1.389 da repercussão geral.
O ministro destacou que o debate é essencial diante das transformações profundas nas relações de trabalho, impulsionadas pela tecnologia, plataformas digitais e mudanças na economia global.
Segundo Gilmar, o STF busca clareza e segurança jurídica sobre a chamada “pejotização”, ressaltando o impacto social e econômico do tema.
"Vivemos um período de intensas transformações. A economia global, impulsionada por inovações legislativas e tecnológicas, reconfigura as gerações de trabalho de maneira profunda."
Assista a trecho:
Ele observou que o Brasil já ultrapassa 12 milhões de MEIs, e mais de 1,5 milhão de trabalhadores atuando por meio de aplicativos, dados que revelam a dimensão da nova realidade laboral. Gilmar também mencionou o PLP 6.725, que propõe elevar o teto de faturamento do MEI de R$ 81 mil para R$ 150 mil, ampliando as possibilidades de formalização e empreendedorismo.
O ministro chamou atenção para o desafio de conciliar a liberdade produtiva com a sustentabilidade da seguridade social e da arrecadação tributária, e defendeu um modelo que equilibre empreendedorismo, proteção social e segurança jurídica.
"Trata-se de uma equação complexa, que demanda ampla reflexão e diálogo entre os poderes e a sociedade."
Ao recordar precedentes do STF, como a ADPF 324 e o tema 725, que validaram a terceirização, a ADIn 5.625, que reconheceu o contrato de parceria no setor de beleza, e a ADC 48, que tratou dos transportadores autônomos, Gilmar afirmou que a Corte tem buscado acompanhar as novas formas de trabalho “sem perder de vista a dignidade humana”.
O relator destacou ainda três eixos centrais da audiência:
Competência da Justiça do Trabalho para julgar casos envolvendo suposta fraude em contratos civis;
Licitude da contratação de autônomos e pessoas jurídicas, à luz da liberdade de organização produtiva;
Ônus da prova sobre a alegação de fraude na contratação.
Gilmar Mendes encerrou sua fala defendendo um diálogo institucional e social amplo para construir um futuro do trabalho que una liberdade, justiça social e desenvolvimento.
“É no diálogo que devemos buscar soluções equilibradas entre a proteção social e a liberdade econômica, sempre com o objetivo maior de assegurar a dignidade humana.”
Fragilidades do modelo
Durante a audiência pública no STF, o subprocurador-Geral da República Luiz Augusto Santos Lima relatou a situação de jovens médicos contratados como PJs, que, segundo ele, se tornaram “uma das grandes vítimas do excesso da pejotização”.
O subprocurador afirmou que recém-formados são obrigados a abrir empresas próprias para exercer a profissão, muitas vezes submetidos a jornadas exaustivas e vínculos precários, inclusive em contratações feitas por prefeituras.
Ele destacou que, apesar da aparência de bons rendimentos iniciais, muitos profissionais ficam meses sem receber, denunciando a fragilidade desse modelo de contratação e pedindo atenção especial aos médicos recém-formados no debate sobre o tema.
"Não é escolha, é imposição"
O advogado-Geral da União, Jorge Messias, fez manifestação enfática sobre a pejotização. Em tom crítico, afirmou que o fenômeno representa uma “cupinização dos direitos trabalhistas”, que ameaça o pacto social firmado pela Constituição de 1988.
Ele destacou que, sob o discurso da modernização e da liberdade contratual, muitas empresas têm adotado práticas que dissimulam vínculos empregatícios e fragilizam direitos básicos, como férias, 13º salário e proteção previdenciária. Citando dados do Ministério do Trabalho, o AGU alertou que 40% dos trabalhadores em situação irregular estão vinculados a arranjos formais de pejotização, o que gera impactos bilionários à Previdência e ao FGTS.
O AGU citou a canção Construção, de Chico Buarque, para dizer que “a pejotização faz do trabalho uma travessia exaustiva, onde o esforço humano é consumido até o limite e o trabalhador é substituído sem deixar vestígios”. Concluiu pedindo que o STF reafirme os limites da liberdade econômica, para que ela não se torne instrumento de precarização, e defendeu a construção de um modelo que concilie inovação, eficiência produtiva e justiça social, tendo como base a dignidade da pessoa humana.
Veja trecho:
Desmonte das estruturas de proteção
O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, afirmou que o avanço da pejotização coloca em risco as estruturas históricas de proteção social no Brasil, como o FGTS, a Previdência e o Sistema S. Segundo ele, entre 2022 e 2025, o país já perdeu mais de R$ 106 bilhões em arrecadação devido à proliferação de modelos contratuais que disfarçam vínculos de emprego.
Marinho criticou o uso da pessoa jurídica e do MEI como formas de burlar direitos trabalhistas e destacou que a "modernização" não pode servir de biombo para fraudes.
"O que está em jogo é a destruição das estruturas que construímos ao longo de décadas. Se há subordinação, é relação de trabalho e deve ser protegida pela CLT."
O ministro defendeu o papel da Justiça do Trabalho na identificação de vínculos fraudulentos e concluiu que o país precisa escolher entre modernizar com dignidade ou normalizar a precarização.
Relevância social e econômica
A audiência foi convocada em razão da relevância social e econômica do fenômeno da pejotização, que se tornou comum em empresas de diversos portes e setores. Segundo o ministro Gilmar Mendes, o debate permitirá ao STF “analisar com segurança os fatos” e refletir sobre temas como proteção ao trabalhador e impactos dessa forma de contratação na economia nacional.
Em abril deste ano, o ministro determinou a suspensão de todas as ações judiciais em curso no país que tratam do tema, até que o Supremo dê a palavra final.
- Veja a lista completa de participantes.
Processo: ARE 1.532.603