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STF: Moraes vota por validar lei que reduziu parque para a Ferrogrão

Lei retirou 862 hectares do Parque Nacional do Jamanxim para viabilizar o traçado da ferrovia entre Mato Grosso e Pará.

8/10/2025

Nesta quarta-feira, 8, o STF voltou a julgar ação proposta pelo PSOL contra a lei 13.452/17, que reduziu em cerca de 862 hectares os limites do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará.

A área suprimida foi destinada ao projeto da Ferrogrão, ferrovia planejada para ligar Mato Grosso ao Pará, visando escoar a produção agrícola da região.

Na última semana, foram realizadas sustentações orais das partes e dos amici curiae.

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Nesta tarde, votou o relator, ministro Alexandre de Moraes pela validade da lei, sendo acompanhado pelo ministro Luís Roberto Barroso. 

Ministro Flávio Dino pediu vista da ação.

Entenda

A lei 13.452/17 decorre da MP 758/16, que reduziu em 862 hectares os limites do Parque Nacional do Jamanxim para viabilizar a Ferrogrão.

O PSOL alega violação da reserva de lei formal, afronta aos direitos indígenas e descumprimento do dever de consulta prévia.

Inicialmente, Presidência, Congresso e AGU defenderam a constitucionalidade, sustentando que a área reduzida era mínima e acompanhada de compensações. A PGR também opinou pela improcedência.

Em 2020, ministro Alexandre de Moraes concedeu liminar suspendendo a lei e os procedimentos administrativos vinculados.

Em 2023, a AGU reviu sua posição e passou a apoiar a procedência da ação, reconhecendo a inconstitucionalidade da norma.

No mesmo ano, Moraes manteve a suspensão, mas autorizou a retomada dos estudos técnicos e encaminhou o caso ao CESAL - Centro de Soluções Alternativas de Litígios do STF, que promoveu reuniões com órgãos públicos, comunidades e entidades. Os encontros evidenciaram divergências internas no Executivo e forte desconfiança das comunidades indígenas.

Sem consenso, o caso volta ao plenário do STF, que deverá decidir se a lei que reduziu o Parque Nacional do Jamanxim para viabilizar a Ferrogrão é ou não compatível com a CF.

Voto do relator

Ao analisar a ação, ministro Alexandre de Moraes destacou que a lei 13.452/17 decorre da conversão da MP 758/16, aprovada pelo Congresso Nacional com alterações e veto presidencial parcial. Para o relator, o processo legislativo afasta a comparação com o precedente da ADIn 4.717, no qual o Supremo considerou inconstitucional a redução de unidade de conservação por medida provisória.

Segundo Moraes, a medida provisória que deu origem à norma não reduziu área protegida, mas estabeleceu uma compensação ambiental: foram excluídos 862 hectares do Parque Nacional do Jamanxim e acrescidos outros 51 mil hectares de uso sustentável, o que demonstra, a seu ver, ampliação da proteção ambiental.

O ministro ressaltou que o julgamento não trata da construção imediata da ferrovia, mas apenas da validade da lei que delimitou o traçado e permitiu a desafetação da área. Enfatizou que o projeto ainda depende de licenciamento ambiental prévio e das autorizações exigidas pelos órgãos competentes antes de qualquer intervenção.

Para Moraes, a supressão é mínima, correspondente a 0,054% da área total do parque, e parte expressiva da região já se encontra sem vegetação em razão da BR-163.

Estudos técnicos apontam que a duplicação da rodovia causaria impacto ambiental muito maior, com aumento de emissões de gases poluentes, enquanto o traçado ferroviário segue em paralelo e representa alternativa ambientalmente mais segura.

O relator também rejeitou alegações de violação a direitos indígenas, destacando que não há terras demarcadas dentro do polígono da ferrovia e que o traçado mantém distância superior a 4 km das comunidades tradicionais.

Moraes observou ainda que a ferrovia deve trazer benefícios ambientais e econômicos, como a redução do tráfego de caminhões, menor emissão de carbono e queda nos índices de acidentes rodoviários.

O projeto, de 933 quilômetros entre Sinop/MT e Miritituba/PA, representa investimento estimado em R$ 9 bilhões, com potencial para reduzir em até 50% as emissões de CO2, gerar empregos e diminuir o custo de transporte em R$ 19,2 bilhões.

Para o ministro, o empreendimento concretiza o princípio do desenvolvimento sustentável, ao equilibrar proteção ambiental e crescimento econômico.

Assim, votou pela improcedência da ação direta e pela constitucionalidade da lei 13.452/17, resultante da conversão da MP 758/16.

Veja trecho do voto:

Vista

Ministro Flávio Dino pediu vista da ação para examinar com maior profundidade os impactos ambientais e sociais da lei.

Dino iniciou sua manifestação recordando sua experiência como relator de uma ação movida por oito associações indígenas relacionadas à Usina de Belo Monte, caso que, segundo S. Exa., ilustra os riscos de decisões tomadas com base em estudos ambientais incompletos ou imprecisos.

O ministro observou que os relatórios técnicos que embasaram a construção da hidrelétrica afirmavam não haver impacto relevante sobre o Rio Xingu nem sobre comunidades indígenas, o que, anos depois, revelou-se incorreto.

Com a redução drástica da vazão do rio e a secagem da Volta Grande do Xingu, comunidades indígenas e ribeirinhas foram afetadas, levando o STF a reconhecer o direito dessas populações à participação nos resultados do empreendimento, com base no art. 231 da CF.

A partir dessa experiência, Dino afirmou ver traumas práticos e insegurança jurídica no caso da Ferrogrão.

Ressaltou que há comunidades indígenas lindeiras ao traçado da ferrovia e que o projeto envolve indenizações e eventuais alterações de rota ainda não formalizadas, o que exigiria maior clareza técnica antes da deliberação final.

Para o ministro, a segurança em matéria ambiental deve seguir o princípio da precaução, que impõe prudência diante da incerteza sobre os efeitos ambientais e sociais de grandes empreendimentos.

Dino enfatizou que o STF não deve decidir sobre a conveniência política da ferrovia, mas apenas sobre sua compatibilidade com a CF, especialmente à luz do art; 225, que assegura o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

O ministro pediu vista dos autos destacando que sua posição não representa oposição à obra, mas a necessidade de avaliar com mais profundidade o novo traçado, as compensações e a adequação jurídica dos atos administrativos já praticados.

Veja manifestação do ministro:

O que está em jogo?

De um lado, representantes do agronegócio consideram a Ferrogrão estratégica para reduzir o custo de exportação de grãos, como soja e milho, aliviando a sobrecarga da BR-163, rota rodoviária aberta nos anos 1970.

Estimativas indicam que a ferrovia poderia diminuir em até 40% o valor do frete, além de encurtar distâncias e reduzir emissões de gases poluentes.

De outro, organizações socioambientais e lideranças indígenas apontam riscos ao meio ambiente e violação do direito de consulta prévia.

A crítica central é que a supressão de parte de uma unidade de conservação de proteção integral teria sido feita sem contrapartida ambiental e sem diálogo adequado com comunidades tradicionais afetadas.

Veja a versão completa

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