Em discussão no Congresso Nacional, o PL 442/1991, já aprovado na Câmara dos Deputados e em análise no Senado Federal, prevê a legalização de cassinos no Brasil exclusivamente em complexos integrados de lazer que incluam hotéis de alto padrão, centros de convenções, restaurantes, bares e shopping centers.
A proposta se articula com dispositivos da CF (art. 22, XX, competência privativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios), com a legislação urbanística local prevista no Estatuto da Cidade (lei 10.257/01) e com normas de uso e ocupação do solo previstas em planos diretores municipais.
Para Ludmila Braga, sócia especialista em transações imobiliárias do Tauil & Chequer Advogados, associado a Mayer Brown, a matéria impõe desafios que ultrapassam a esfera política: “O debate sobre a legalização dos cassinos no Brasil não pode ser dissociado de um olhar técnico sobre questões imobiliárias, tributárias e regulatórias. Esses são pontos que definirão a viabilidade econômica e jurídica dos empreendimentos”, afirmou a especialista.
A advogada ressaltou ainda que, embora o PL estabeleça parâmetros federais, a compatibilidade com legislações locais de zoneamento e restrições ambientais poderá inviabilizar determinadas operações.
“Estamos falando de projetos de altíssimo investimento, que não podem correr o risco de litígios futuros por irregularidades cartoriais ou ausência de licenciamento. A análise legal prévia dos imóveis passíveis desse investimento e a harmonização dos parâmetros federais com o que é possível fazer nas cidades serão requisitos indispensáveis”, complementou.
Conforme explicou, o texto legislativo determina que somente sociedades anônimas sediadas e administradas no Brasil poderão explorar a atividade, ainda que admitam participação estrangeira, em consonância com a lei das sociedades por ações (lei 6.404/1976), restrição que demanda cautela na governança corporativa e na redação contratual.
“Será preciso alinhar os contratos imobiliários com cláusulas de rescisão automática em caso de perda da licença de operação, além de prever mecanismos de compliance robustos para prevenção à lavagem de dinheiro, em conformidade com a lei 9.613/1998, e para garantir integridade regulatória. O setor, por sua própria natureza, exigirá auditoria constante e controles de integridade equivalentes aos aplicados a bancos e seguradoras.”
No campo tributário, o projeto institui a Cide-Jogos, com alíquota de até 17% sobre a receita bruta, além da criação da Tafija -Taxa de Fiscalização de Jogos e Apostas e da incidência de Imposto de Renda (lei 7.713/1988, art. 3º, § 1º, inciso II) sobre os prêmios pagos aos jogadores: “Esse modelo cria uma carga relevante, mas ao mesmo tempo direciona parcela da arrecadação para turismo, cultura e esporte, em linha com experiências internacionais. Para os investidores, a complexidade tributária será um fator de atenção, especialmente diante da implementação da reforma tributária (EC 132/23)”, destacou a especialista.
Ludmila acrescentou: “Será essencial que contratos e planejamentos societários contemplem cláusulas que distribuam adequadamente os riscos tributários entre operador, investidor e proprietário do imóvel. O não cumprimento de obrigações fiscais poderá comprometer não só a operação, mas a viabilidade econômica do projeto.”
Outro aspecto relevante, conforme ressaltou, envolve empreendimentos em regime condominial, sujeitos às disposições da lei 4.591/1964 (condomínios e incorporações) e do CC (arts. 1.331 a 1.358).
“As convenções de condomínio e regulamentos internos podem restringir a instalação de cassinos em complexos de uso misto. Ignorar essa variável pode gerar litígios, impugnações judiciais, multas e até ações indenizatórias”, alertou.
Sobre isso, afirmou que o PL estabelece condições objetivas para o espaço físico em que será instalado o cassino, determinando que eles devem funcionar em complexos integrados de lazer ou em embarcações construídas especificamente para esse fim, devendo conter um número mínimo de acomodações, locais para reuniões, eventos, restaurantes e bares, centro de compras, além de limitar o espaço físico do cassino em 20% da área total construída do complexo.
Além disso, estudos de impacto de vizinhança previstos no Estatuto da Cidade (art. 36), bem como questões relacionadas à mobilidade urbana e controle de ruído, precisarão ser contemplados desde a fase contratual.
Para a advogada, o grande desafio está na coordenação normativa entre as três esferas federativas: “Estamos falando de um setor que envolve União, estados e municípios. O investidor precisará navegar em normas federais de autorização, regras estaduais de supervisão e fiscalização, além de exigências municipais de zoneamento e impacto urbano. A coordenação entre essas camadas será decisiva”.
Ao mesmo tempo, Ludmila vê oportunidades. “A legalização dos cassinos pode posicionar o Brasil em rota semelhante à de destinos internacionais como Las Vegas, Macau e Singapura, mas com um modelo próprio. A chave está em construir um marco legal sólido, que garanta segurança jurídica, transparência e compliance, sem perder de vista a proteção de comunidades e o desenvolvimento sustentável”, finalizou.