A 3ª Seção do STJ começou a julgar, sob o rito dos repetitivos, o Tema 1.262, que discute a interpretação do art. 42 da lei de drogas. A questão central é saber se a exasperação da pena na primeira fase da dosimetria, nos casos em que se constata a ínfima quantidade de drogas, independentemente de sua natureza, caracterizaria aumento desproporcional da pena-base.
Segundo o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, o entendimento reafirma a jurisprudência do STJ e contribui para decisões penais mais proporcionais e individualizadas, sem enfraquecer a repressão ao tráfico.
O julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Messod Azulay.
Casos paradigmas
Nos dois recursos paradigmas analisados, os réus foram condenados por tráfico com base em pequenas porções de drogas:
- REsp 2.003.735: 1g de maconha e 5g de crack
- REsp 2.004.455: 1g de cocaína, 3g de crack e 3g de maconha
Apesar das quantidades reduzidas, o TJ/PR agravou a pena-base com base na natureza das substâncias, crack e cocaína, por serem consideradas mais graves e nocivas. Também foi negado o regime inicial mais brando e a substituição por pena restritiva de direitos.
A Defensoria Pública recorreu ao STJ apontando violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e individualização da pena, além de divergência com a jurisprudência consolidada da Corte.
Manifestações
Em sustentação oral, a Defensoria destacou que o art. 42 da referida lei não autoriza, de forma isolada, o agravamento da pena com base na natureza da droga. Defendeu que condutas envolvendo pequenas quantidades exigem resposta penal proporcional, sob pena de violar garantias constitucionais e de contribuir para o encarceramento em massa.
Segundo a Defensoria, a jurisprudência do STJ é clara ao afirmar que natureza e quantidade da droga devem ser analisadas em conjunto. Assim, o simples fato de se tratar de substância de alta nocividade, como o crack ou a cocaína, não é suficiente para majorar a pena-base quando a quantidade apreendida for mínima.
O defensor público de Sergipe, atuando como amicus curiae, reforçou a necessidade de critérios objetivos para a dosimetria nos casos de pequenas quantidades. Com base em estudos do IPEA e do SISDEPEN, destacou que 70% dos condenados por tráfico portavam até 24g de maconha, o que evidencia um sistema penal voltado aos pequenos traficantes.
A defesa sugeriu a fixação de tese vinculante para impedir o agravamento da pena-base com fundamento exclusivo na natureza da droga quando a quantidade for ínfima, o que traria mais segurança jurídica e alinhamento com os princípios do direito penal contemporâneo.
Natureza da droga justifica agravamento
O procurador de justiça Rodrigo Chemim Guimarães do MP/PR, por sua vez, sustentou que a natureza da droga, por si só, pode justificar a exasperação da pena, mesmo em pequenas quantidades.
Argumentou que drogas como cocaína e metanfetamina têm alto impacto social e sanitário, citando estudos científicos que comprovam a diferença de potencial lesivo entre os diversos tipos de drogas, defendendo que substâncias como cocaína, heroína e metanfetamina têm um impacto significativamente mais danoso à saúde pública do que, por exemplo, a maconha. Portanto, tal fato deve ser considerado e refletido na dosimetria da pena.
Assim, propôs a seguinte tese "é legítima a valoração negativa da natureza da droga, ainda que com quantidade reduzida como critério autônomo para a exasperação da pena base nos termos do art. 42 da lei 11.343/06 em consonância com o princípio da individualização da pena com a política constitucional de repressão qualificada do tráfico de drogas".
O procurador de justiça André Estevão Ubaldino Pereira do MP/MG reforçou que tratar igualmente drogas com periculosidade distinta viola o princípio da proporcionalidade. Destacou que as drogas não possuem a mesma capacidade de causar dependência e danos à saúde pública.
Dosimetria deve considerar impacto social do tráfico
A Subprocuradora-Geral da República Raquel Dodge defendeu interpretação equilibrada e multifacetada do referido art. 42 que leve em consideração não apenas os direitos do acusado, mas também os efeitos sociais, econômicos e criminais do tráfico de entorpecentes no Brasil.
Ressaltou que o Direito penal cumpre três funções essenciais: punir o infrator, inibir a prática do crime por outros potenciais agentes, e possibilitar a reabilitação social do condenado. Assim, a dosimetria da pena deve levar em conta não apenas a conduta individual do réu, mas também a mensagem que a pena transmite à sociedade.
Além disso, chamou atenção para a estrutura econômica do tráfico, baseado na compra de grandes volumes e revenda fracionada, dificultando a repressão dos líderes das organizações.
Voto do relator
O relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, esclareceu que a discussão não trata da distinção entre tráfico e uso, nem da fração exata de aumento da pena, mas sim da legalidade de agravar a pena-base apenas pela natureza da droga, mesmo quando a quantidade for ínfima.
Para o ministro, valorizar apenas a natureza da droga, sem considerar a quantidade, leva a punições desproporcionais e configura dupla valoração negativa, vedada pela Constituição.
Além disso, destacou o contexto do sistema penitenciário brasileiro, com mais de 700 mil presos, dos quais cerca de 30% por tráfico. "Portanto, temos que gerenciar, na aplicação da norma, essa realidade e temos, ao mesmo tempo que dar a resposta inibitória, de dar a individualização da pena para cada caso e também apontar para um caminho da ressocialização, da reabilitação."
Por fim, quanto a questão da variedade da drogra e seus diferente potenciais nocivos, o misitro ressaltou que "a elevada nocividade abstrata de certas substâncias não autoriza a conclusão diversa quando a porção apreendida é insignificante. Ainda que se trate de droga de alto poder deletério, a exiguidade do material apreendido reduz, sobremaneira, seu potencial lesivo para fim de agravamento da pena base. Dessa forma, valorizar apenas a natureza danosa da substância, ignorando a ínfima quantidade redonda em desproporcionalidade."
Tese proposta
“Na análise das vetoriais da natureza e da quantidade da substância entorpecente previstas no artigo 42 da Lei nº 11.343/2006, configura-se desproporcional a majoração da pena-base quando a droga apreendida for de ínfima quantidade, independentemente de sua natureza.”
Segundo o relator, a tese reafirma a jurisprudência do STJ e contribui para decisões penais mais proporcionais e individualizadas, sem enfraquecer a repressão ao tráfico.
Nos casos paradgmas:
- REsp 2.004.455: votou pelo restabelecimento da sentença de primeiro grau, com pena de 1 ano e 8 meses em regime aberto, substituída por penas alternativas.
- REsp 2.003.735: manteve a pena de 5 anos e 7 meses, mas afastou o aumento da pena-base baseado unicamente na natureza da droga.
O julgamento foi suspenso após pedido de vista do Ministro Messod Azulay.
- Processos: REsp 2.003.735 e REsp 2.004.455