A 7ª turma do TRT da 3ª Região reconheceu a validade de auto de infração lavrado por auditores-fiscais do trabalho, que identificaram a submissão de 30 trabalhadores a condições análogas à escravidão em fazenda de café no município de Boa Esperança/MG.
Os auditores identificaram ausência de sanitários e de fornecimento de água potável nas frentes de trabalho, além da inexistência de abrigos para proteger os trabalhadores contra as intempéries. Também foram constatados riscos físicos, químicos e ergonômicos no ambiente laboral.
O colegiado defendeu ainda a inclusão do empregador na chamada “lista suja” do governo federal, destacando que situações como essa não devem ser tratadas com leniência, sob pena de se contribuir para sua perpetuação.
Situação degradante
Segundo os autos, curante a colheita de café de 2021, dezenas de trabalhadores migraram da Bahia, das cidades de Barra e São Gabriel, para prestar serviços em propriedades rurais do Sul de Minas. Na fazenda fiscalizada, 30 deles foram encontrados em condições precárias que motivaram a lavratura do auto de infração.
A inspeção revelou a informalidade contratual de 28 dos 35 empregados, ausência de sanitários e água potável nos locais de trabalho, e falta de abrigos para refeições em caso de intempéries. Quanto aos alojamentos, constatou-se que não eram fornecidos sequer roupas de cama, e os travesseiros eram improvisados com pertences dos próprios trabalhadores.
Além disso, foram identificados riscos físicos (exposição direta ao sol), químicos (agrotóxicos, óleos e combustíveis) e ergonômicos, com desrespeito aos limites legais de peso. Os EPIs, ainda que insuficientes, eram adquiridos pelos próprios empregados com desconto em seus salários.
Com base em entrevistas, análise documental e visita aos locais, os auditores concluíram que os trabalhadores estavam submetidos a condições degradantes e incompatíveis com a dignidade humana, configurando, portanto, situação análoga à escravidão, nos termos do art. 149 do CP e da instrução normativa SIT 139/18.
Em defesa, o empregador alegou que o auto foi lavrado indevidamente e negou a existência de condições degradantes, sustentando que os trabalhadores estavam cientes e satisfeitos com as condições oferecidas.
O juízo da 2ª vara do Trabalho de Varginha acolheu a tese defensiva e julgou procedente o pedido de nulidade do auto de infração. Segundo a sentença, não houve comprovação de que as irregularidades descritas configurassem trabalho em condição análoga à de escravo.
Diante da decisão, a União Federal interpôs recurso ao TRT da 3ª região.
Auto de infração válido
Para o relator, desembargador Antônio Carlos Rodrigues Filho, os elementos presentes no auto de infração, somados aos depoimentos colhidos, retratam com mais fidelidade a realidade vivida pelos trabalhadores do que os argumentos da defesa.
Ele destacou que a principal testemunha do empregador sequer conhecia a frente de trabalho e que os trabalhadores haviam sido aliciados na Bahia com promessas que não se concretizaram, permanecendo no trabalho por necessidade, e não por livre escolha ou satisfação.
Segundo o relator, ainda que se discutisse a precariedade dos alojamentos, é inegável a ausência de condições mínimas de dignidade no local de trabalho.
O desembargador enfatizou ainda que relativizar práticas como as constatadas apenas contribui para a perpetuação da grave mazela.
“Embora não se discorde no sentido de que há que se ter bastante prudência no enquadramento dessa conduta ilícita, parece acertado dizer que minimizar a prática desse ilícito, afastando a caracterização mesmo com vasta gama de depoimentos e com firme e detalhado auto de infração, estimula sobremaneira a continuação e o efeito virótico, espalhando-se para outras relações de trabalho.”
Inclusão na “lista suja”
O relator reiterou a importância da inclusão do empregador na “lista suja” do governo federal, que reúne responsáveis por submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão. Para ele, tratar esse tipo de violação com complacência apenas incentiva sua continuidade.
Nesse sentido, ressaltou que a medida é uma ferramenta fundamental no enfrentamento dessa prática e está alinhada aos compromissos internacionais firmados pelo Brasil.
“A listagem tem caráter temporário, sendo o empregador removido após dois anos, se verificado que não há reincidência. Trata-se, portanto, de ferramenta fundamental para estimular o fim do trabalho em condições análogas à de escravo no Brasil, indo ao encontro de todos os já citados compromissos internacionais realizados frente a todo o mundo, e que não podem ser simplesmente ignorados por este Poder Judiciário.”
Com isso, a 7ª Turma deu provimento ao recurso da União, reconhecendo a validade do auto de infração e confirmando a caracterização do trabalho escravo.
Informações: TRT da 3ª região.