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TRT-3 reconhece trabalho escravo de 30 empregados em fazenda de café

Decisão valida auto de infração e defende inclusão de empregador na chamada “lista suja” do governo federal.

2/5/2025

A 7ª turma do TRT da 3ª Região reconheceu a validade de auto de infração lavrado por auditores-fiscais do trabalho, que identificaram a submissão de 30 trabalhadores a condições análogas à escravidão em fazenda de café no município de Boa Esperança/MG.

Os auditores identificaram ausência de sanitários e de fornecimento de água potável nas frentes de trabalho, além da inexistência de abrigos para proteger os trabalhadores contra as intempéries. Também foram constatados riscos físicos, químicos e ergonômicos no ambiente laboral.

O colegiado defendeu ainda a inclusão do empregador na chamada “lista suja” do governo federal, destacando que situações como essa não devem ser tratadas com leniência, sob pena de se contribuir para sua perpetuação.

TRT-3 valida auto de infração que constatou trabalho análogo à escravidão em fazenda de café(Imagem: Freepik)

Situação degradante

Segundo os autos, curante a colheita de café de 2021, dezenas de trabalhadores migraram da Bahia, das cidades de Barra e São Gabriel, para prestar serviços em propriedades rurais do Sul de Minas. Na fazenda fiscalizada, 30 deles foram encontrados em condições precárias que motivaram a lavratura do auto de infração.

A inspeção revelou a informalidade contratual de 28 dos 35 empregados, ausência de sanitários e água potável nos locais de trabalho, e falta de abrigos para refeições em caso de intempéries. Quanto aos alojamentos, constatou-se que não eram fornecidos sequer roupas de cama, e os travesseiros eram improvisados com pertences dos próprios trabalhadores.

Além disso, foram identificados riscos físicos (exposição direta ao sol), químicos (agrotóxicos, óleos e combustíveis) e ergonômicos, com desrespeito aos limites legais de peso. Os EPIs, ainda que insuficientes, eram adquiridos pelos próprios empregados com desconto em seus salários.

Com base em entrevistas, análise documental e visita aos locais, os auditores concluíram que os trabalhadores estavam submetidos a condições degradantes e incompatíveis com a dignidade humana, configurando, portanto, situação análoga à escravidão, nos termos do art. 149 do CP e da instrução normativa SIT 139/18.

Em defesa, o empregador alegou que o auto foi lavrado indevidamente e negou a existência de condições degradantes, sustentando que os trabalhadores estavam cientes e satisfeitos com as condições oferecidas.

O juízo da 2ª vara do Trabalho de Varginha acolheu a tese defensiva e julgou procedente o pedido de nulidade do auto de infração. Segundo a sentença, não houve comprovação de que as irregularidades descritas configurassem trabalho em condição análoga à de escravo. 

Diante da decisão, a União Federal interpôs recurso ao TRT da 3ª região.

Auto de infração válido

Para o relator, desembargador Antônio Carlos Rodrigues Filho, os elementos presentes no auto de infração, somados aos depoimentos colhidos, retratam com mais fidelidade a realidade vivida pelos trabalhadores do que os argumentos da defesa.

Ele destacou que a principal testemunha do empregador sequer conhecia a frente de trabalho e que os trabalhadores haviam sido aliciados na Bahia com promessas que não se concretizaram, permanecendo no trabalho por necessidade, e não por livre escolha ou satisfação.

Segundo o relator, ainda que se discutisse a precariedade dos alojamentos, é inegável a ausência de condições mínimas de dignidade no local de trabalho.

O desembargador enfatizou ainda que relativizar práticas como as constatadas apenas contribui para a perpetuação da grave mazela.

“Embora não se discorde no sentido de que há que se ter bastante prudência no enquadramento dessa conduta ilícita, parece acertado dizer que minimizar a prática desse ilícito, afastando a caracterização mesmo com vasta gama de depoimentos e com firme e detalhado auto de infração, estimula sobremaneira a continuação e o efeito virótico, espalhando-se para outras relações de trabalho.”

Inclusão na “lista suja”

O relator reiterou a importância da inclusão do empregador na “lista suja” do governo federal, que reúne responsáveis por submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão. Para ele, tratar esse tipo de violação com complacência apenas incentiva sua continuidade.

Nesse sentido, ressaltou que a medida é uma ferramenta fundamental no enfrentamento dessa prática e está alinhada aos compromissos internacionais firmados pelo Brasil.

“A listagem tem caráter temporário, sendo o empregador removido após dois anos, se verificado que não há reincidência. Trata-se, portanto, de ferramenta fundamental para estimular o fim do trabalho em condições análogas à de escravo no Brasil, indo ao encontro de todos os já citados compromissos internacionais realizados frente a todo o mundo, e que não podem ser simplesmente ignorados por este Poder Judiciário.”

Com isso, a 7ª Turma deu provimento ao recurso da União, reconhecendo a validade do auto de infração e confirmando a caracterização do trabalho escravo.

Informações: TRT da 3ª região.

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