Nesta sexta-feira, 25, a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo sediou, no Salão Nobre, o "Ato em Defesa da Soberania Nacional", iniciativa que reuniu autoridades do meio jurídico, representantes de entidades civis, movimentos sociais e acadêmicos para reafirmar o compromisso com os princípios democráticos e a autonomia institucional brasileira.
O ato foi convocado pela direção da FDUSP, por meio do professor Celso Campilongo, diretor, e da vice-diretora Ana Elisa Bechara.
A "Carta em Defesa da Soberania Nacional" foi lida pela vice-diretora da instituição e pela psicóloga social, escritora e ativista Cida Bento.
O documento repudia tentativas de ingerência estrangeira sobre decisões do sistema de Justiça brasileiro e conclama a sociedade à defesa da soberania como valor essencial da democracia.
- Para assinar a carta, que conta com o apoio de mais de 180 instituições, clique aqui.
Veja o momento da leitura:
Leia a íntegra:
"CARTA EM DEFESA DA SOBERANIA NACIONAL
A soberania é o poder que um povo tem sobre si mesmo. Há mais de dois séculos, o Brasil se tornou uma nação independente. Neste período, temos lutado para governar nosso próprio destino. Como nação, expressamos a nossa soberania democraticamente e em conformidade com nossa Constituição.
É assim que, diuturnamente, almejamos alcançar a cidadania plena, construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e, ainda, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Nas relações internacionais, o Brasil rege-se pelos princípios da independência nacional, da prevalência dos direitos humanos, da não intervenção, assim como pelo princípio da igualdade entre as nações. É isso o que determina nossa Constituição.
Exigimos o mesmo respeito que dispensamos às demais nações. Repudiamos toda e qualquer forma de intervenção, intimidação ou admoestação, que busque subordinar nossa liberdade como nação democrática. A nação brasileira jamais abrirá mão de sua soberania, tão arduamente conquistada. Mais do que isso: o Brasil sabe como defender sua soberania.
Nossa Constituição garante aos acusados o direito à ampla defesa. Os processos são julgados com base em provas e as decisões são necessariamente motivadas e públicas. Intromissões estranhas à ordem jurídica nacional são inadmissíveis.
Neste grave momento, em que a soberania nacional é atacada de maneira vil e indecorosa, a sociedade civil se mobiliza, mais uma vez, na defesa da cidadania, da integridade das instituições e dos interesses sociais e econômicos de todos os brasileiros.
Brasileiras e brasileiros, diálogo e negociação são normais nas relações diplomáticas, violência e arbítrio, não! Nossa soberania é inegociável. Quando a nação é atacada, devemos deixar nossas eventuais diferenças políticas para defender nosso maior patrimônio. Sujeitar-se a esta coação externa significaria abrir mão da nossa própria soberania, pressuposto do Estado Democrático de Direito, e renunciar ao nosso projeto de nação.
SOMOS CEM POR CENTO BRASIL!!"
Não à tirania
Durante o evento, manifestantes bradaram a frase "Não à tirania, soberania não se negocia".
Confira:
Avante, avante
Na abertura do ato, o diretor da Faculdade de Direito da USP, Celso Fernandes Campilongo, destacou o profundo simbolismo da realização da cerimônia no Salão Nobre do Largo de São Francisco.
Segundo ele, o local, onde a instituição funciona há quase dois séculos, representa verdadeiro "território livre", forjado historicamente em defesa da soberania nacional.
"Esta faculdade nasceu e completará, daqui a dois anos, 200 anos. Funcionou, nesse tempo todo, no mesmo terreno. O território é o mesmo", afirmou. A alusão à origem da instituição, criada em 1827, cinco anos após a Independência, serviu de pano de fundo para reforçar o compromisso histórico da comunidade jurídica com a formação dos quadros que sustentam a soberania do país.
"Soberania significa dar a última palavra sobre qual é o direito que vale para um povo e para um território. No caso do Brasil, quem dá essa última palavra somos nós mesmos, 100% o Brasil", pontuou.
O diretor relembrou também uma tradição cultural da faculdade: o hino acadêmico, muito entoado até os anos 1970. A música, composta por Carlos Gomes, que vivia nas proximidades da instituição e convivia com os estudantes, foi escrita sobre versos de Bittencourt Sampaio, então aluno da casa.
"O hino diz: ‘Ei avante, ei avante, que o Brasil sobre vós ergue a fé. Este imenso colosso gigante, trabalhai por erguê-lo de pé’. É isso que estamos fazendo todos nós hoje", declarou, dirigindo-se especialmente aos jovens presentes, entre eles lideranças estudantis nacionais e do Centro Acadêmico XI de Agosto.
Reforçando os vínculos entre a Faculdade de Direito e os momentos-chave da história brasileira, ele mencionou a campanha "O Petróleo é Nosso", dos anos 1950, que contou com participação ativa dos estudantes e da própria instituição. "Durante algum tempo, uma torre de petróleo ficou instalada aqui no Largo, para demonstrar o apego deste espaço e desta nação à soberania nacional", recordou.
A fala, no entanto, não ficou restrita ao passado. Com tom sereno, o diretor alertou para os riscos atuais à soberania brasileira e à ordem democrática internacional.
"Quando a soberania de uma nação é posta em xeque, o que está em jogo não é apenas a posição de um país. É uma ordem mundial que respeite as instituições e o direito internacional. O que está sendo ameaçado não é apenas a soberania do Brasil, é a ordem internacional", advertiu.
Segundo ele, diante desse cenário, é preciso firmeza, mas também diplomacia.
"Tudo isso precisa ser feito com serenidade, com prudência, com abertura para o diálogo. E é exatamente isso o que o Estado brasileiro tem feito nos foros internacionais: escutar, negociar, não sair da mesa de conversação."
Para tanto, defendeu que é preciso também "criar esta disposição para o diálogo" nas demais nações, o que exige mobilização política e institucional.
"O que está em jogo é um ataque político, ideológico, ao Direito como um todo, e em especial ao direito internacional", afirmou, denunciando uma ameaça crescente vinda não apenas de atores políticos, mas também de forças econômicas que solapam os pilares do multilateralismo.
O discurso foi encerrado com um gesto de entusiasmo diante da presença de estudantes e da decoração do Salão Nobre - com as janelas adornadas em verde e amarelo, a bandeira nacional cobrindo o retrato de Dom Pedro II e as tradicionais cortinas vermelhas da sala. "Somos 100% Brasil. Viva a soberania nacional!", concluiu, sob aplausos.
Voz estudantil
Representando o movimento estudantil no ato em defesa da soberania, a presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, Júlia Wong, resgatou o papel histórico dos estudantes na construção política do país e reafirmar o compromisso da juventude com a democracia.
Dirigindo-se a trabalhadoras, trabalhadores e entidades da sociedade civil, Wong saudou a presença massiva no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, que, segundo ela, traduz o "ato coletivo de viver a própria pátria", um gesto que une todos os brasileiros e brasileiras em torno da ideia de pertencimento e responsabilidade cívica.
Em sua fala, a estudante criticou as recentes declarações do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, que, sob alegações de perseguição política e desequilíbrio comercial, lançou ataques simbólicos ao Brasil. Para Wong, tais manifestações expõem a fragilidade de uma cultura que, por muito tempo, tratou a soberania como um vocábulo "empoeirado em apostilas e livros". Ainda assim, ela ressaltou: "O que nós sabíamos, e sabemos, é defender a democracia".
Evocando o 8 de janeiro e os episódios de desestabilização institucional dos últimos anos, a presidente do Centro Acadêmico destacou a capacidade de resistência da população brasileira, que compreende que o sistema político deve ser expressão da vontade popular, e, portanto, fundamento da soberania.
"Defender a soberania nacional é levar o papel de cidadão às últimas consequências, para que a cidadania seja o princípio de tudo", afirmou, ao destacar que o sentimento de pertencimento ao território nacional é uma das forças mais potentes que um Estado jovem como o Brasil pode cultivar.
Wong propôs um entendimento de soberania que combina independência e vontade, duas dimensões que, segundo ela, só têm sentido se enraizadas na realidade popular.
"A equação que resulta em soberania não pode subtrair independência de vontade ou vontade de independência", explicou.
Para a dirigente estudantil, o direito do Brasil de ser quem é e agir conforme sua própria autodeterminação representa, ao lado da democracia, um dos bens mais valiosos da República.
A juventude brasileira, disse ela, não apenas resiste, mas ensina.
"O povo brasileiro ensina como a organização civil e a insubmissão consequente governam a história de uma nação indígena, imigrante e preta."
Ao finalizar sua intervenção, Wong ecoou o pensamento de Darcy Ribeiro ("Resignar-se ou se indignar"), para deixar claro de que lado está a juventude que ocupa o Largo de São Francisco: "O Brasil não se resigna".
"Brasil, estamos aqui"
O advogado e ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, ao se pronunciar, resgatou a tradição democrática forjada no Largo de São Francisco.
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Relembrou a trajetória como orador do Centro Acadêmico XI de Agosto e momentos de resistência vividos na própria faculdade, como a redação da histórica Carta aos Brasileiros, em 1977, lida no pátio em plena ditadura militar.
Ao tratar do presente, alertou para os riscos atuais à soberania brasileira, denunciando interferências estrangeiras, ataques institucionais e interesses econômicos que buscam submeter o país.
"Não aceitamos gerências externas nem dos maus brasileiros que atuam como representantes de outras nações", afirmou.
Defendendo a Constituição, os direitos humanos e a independência dos poderes como pilares inegociáveis da autodeterminação nacional, o jurista conclamou à união suprapartidária.
"Não é hora de oposição ou situação, é hora de união nacional. Este é o momento de gritarmos juntos: Brasil, estamos aqui."
Compromisso constitucional
O ministro aposentado do STF Celso de Mello, participou simbolicamente do ato ao subscrever o documento lido durante a cerimônia.
Em mensagem enviada aos organizadores, o magistrado destacou o gesto como expressão de um dever público. "Firmar um documento de tamanha importância representa, na presente quadra histórica vivida por nosso país, um dever cívico e político dos brasileiros", afirmou.
Para o ministro, a defesa da intangibilidade da soberania nacional constitui encargo irrenunciável e deve comprometer, de forma incondicional, todos os cidadãos.
Reiterou que a plena capacidade do Brasil de governar-se, com base em sua própria Constituição, sem qualquer interferência externa, especialmente de potências estrangeiras, é um ideal histórico da nacionalidade brasileira, construído ao longo de momentos seminais da formação e consolidação do Estado soberano.