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Juiz suspende resolução do CFM que limitava atendimento a pessoas trans

Magistrado apontou vícios formais e materiais na norma.

29/7/2025

A Justiça Federal no Acre suspendeu liminarmente a resolução 2.427/25, do CFM - Conselho Federal de Medicina, que impunha novas restrições ao atendimento médico de pessoas trans, especialmente crianças e adolescentes. A decisão, proferida pelo juiz Federal Jair Araújo Facundes, da 3ª vara Federal Cível e Criminal da SJ/AC, atendeu a um pedido do MPF e apontou vícios formais e materiais na norma.

A resolução, publicada em abril, substituiu a resolução 2.265/19 e foi elaborada exclusivamente pelo CFM, sem o amplo debate com representantes da sociedade civil e áreas técnicas diversas, como havia ocorrido na norma anterior. Essa ausência de participação plural, segundo o juiz, configura vício procedimental e compromete a legitimidade do ato normativo.

A nova norma prevê, entre outras medidas, a criação de um “cadastro” de pacientes trans, o que foi considerado pela Justiça incompatível com os direitos fundamentais à privacidade, intimidade e dignidade humana. “O objetivo de que pessoas sejam monitoradas pelo Estado atrita com a ideia de dignidade humana e traz consigo a presunção de quem assim propõe não é bem intencionado, não possui honestidade intelectual e por isso não deve ser levado a sério”, afirmou o magistrado na decisão.

Norma do CFM criava um “cadastro” de pacientes trans.(Imagem: Imagem criada por IA)

Outro ponto questionado foi a proibição de terapias hormonais para crianças e adolescentes. O CFM sustentou a medida com base no estudo britânico “Cass Review”, que teria identificado lacunas na base científica disponível. No entanto, o próprio relatório recomenda a continuidade do uso de bloqueadores hormonais dentro de protocolos de pesquisa — algo já previsto na resolução anterior de 2019. Para o juiz, a justificativa apresentada pela nova norma não é coerente com a própria evidência científica utilizada.

A decisão também pondera que, embora o Judiciário não tenha competência técnica para deliberar sobre debates científicos, cabe ao Poder Judiciário examinar se os atos administrativos se apoiam em fundamentos válidos e coerentes, especialmente quando afetam diretamente o direito à saúde. A liminar destaca ainda que o Estado deve se pautar por uma medicina baseada em evidências e respeitar o princípio da razoabilidade, assegurando a liberdade individual e a autodeterminação, sobretudo no campo da saúde.

Com a liminar, fica suspensa a aplicação da resolução 2.427/25 até o julgamento final da ação. O juiz também determinou que novas regulamentações sobre o tema contem com participação de especialistas, entidades da sociedade civil e outras áreas do conhecimento, como psicologia, antropologia e serviço social. A União e o ministério da Saúde foram intimados, já que os serviços médicos regulados também são ofertados pelo SUS.

Leia a decisão.

Veja a versão completa

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