STF decidiu, por maioria, reconhecer a repercussão geral de recurso que discute qual legislação deve reger a responsabilidade civil das companhias aéreas por atraso, alteração ou cancelamento de voos.
A Corte analisará, no mérito, se deve prevalecer o CDC ou o CBA - Código Brasileiro de Aeronáutica.
A tese eventualmente fixada terá efeito vinculante e orientará todos os processos semelhantes em tramitação no país (Tema 1.417 da repercussão geral).
Ficou vencido ministro Edson Fachin, que não viu relevância constitucional no tema.
Pela repercussão geral
O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, relator do recurso, sustentou que a controvérsia envolve princípios constitucionais relevantes: de um lado, a proteção ao consumidor e o direito à indenização (art. 5º, V e XXXII, da CF); de outro, a livre iniciativa e a segurança jurídica (arts. 170 e 178).
Barroso destacou que o Código de Aeronáutica prevê hipóteses de exclusão de responsabilidade em casos de força maior, como condições climáticas adversas, restrições de tráfego aéreo e até pandemias. Já o CDC, em linha diversa, entende tais situações como fortuito interno, sem afastar a obrigação de indenizar.
Para o relator, a definição da tese pelo Supremo é essencial para reduzir a litigiosidade em massa no setor aéreo e conferir previsibilidade às relações jurídicas.
Segundo dados apresentados nos autos, em 2019 houve no Brasil uma ação judicial para cada 227 passageiros transportados, índice considerado desproporcional em comparação internacional.
- Processo: ARE 1.560.244
O caso
A controvérsia chegou ao STF em recurso de companhia aérea contra decisão do TJ/RJ que a condenou a indenizar passageiro prejudicado pelo cancelamento de voo em razão de incêndios no Pantanal. O tribunal fluminense fixou danos morais de R$ 8 mil e danos materiais de R$ 107, aplicando o CDC.
A empresa defende a aplicação do Código de Aeronáutica, consoante o art. 178 da CF, que estabelece a competência da lei para dispor sobre a ordenação do transporte aéreo.
Segurança jurídica
Segundo o advogado Luciano Barros, do escritório Figueiredo & Velloso Advogados Associados, a decisão pela repercussão geral afasta a aplicação automática do CDC e reforça a segurança jurídica entre consumidores e companhias aéreas.
"O Supremo Tribunal Federal dá um passo importante para melhor equacionar um número expressivo de litígios que, nos últimos anos, escalaram em decorrência de iniciativas essencialmente comerciais. É importante frisar que as companhias aéreas defendem a aplicação da melhor legislação, específica do setor e de alcance internacional."
Ainda, lembra que, no mérito, caso seja decidido pela aplicação do Código de Aeronáutica, não haverá prejuízo ao consumidor.
"A aplicação do Código Brasileiro Aeronáutico não diminui a relevância da proteção consumerista, muito pelo contrário, vislumbra-se um ambiente de efetividade das devidas compensações e o tratamento isonômico aplicado de forma transnacional, com transparência e sem burocracia."
Para o advogado Raphael Marcelino, a decisão reconhece as especificidades do setor aéreo brasileiro.
"Caberá ao Supremo Tribunal Federal a análise constitucional da matéria, de modo a compatibilizar os direitos dos consumidores e as dinâmicas de setor tão complexo como o aéreo. A deliberação tomada pelo Congresso Nacional sobre o tema certamente servirá como norte para a construção da decisão final da Corte."
Histórico
O julgamento se conecta ao precedente do Tema 210, no qual o STF, em 2023, analisou a responsabilidade em casos de transporte aéreo internacional.
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À época, a Corte reconheceu a prevalência das convenções internacionais sobre o CDC apenas em relação a danos materiais, mantendo, contudo, a incidência do CDC para danos morais.
Agora, com a repercussão geral reconhecida, o Supremo enfrentará se, no âmbito doméstico, o regime jurídico específico do transporte aéreo deve prevalecer sobre o CDC.
- Processo: RE 636.331