Por unanimidade, a 5ª turma do STJ anulou julgamento virtual do TJ/PR ao reconhecer cerceamento de defesa: a intimação eletrônica apenas ocorreu por ciência ficta no décimo dia, quando já havia transcorrido o prazo de cinco dias úteis para requerer sustentação oral, tornando impossível o exercício da prerrogativa.
A decisão foi tomada no agravo regimental no RHC 210.168, relatado pelo ministro Messod Azulay, que inicialmente havia votado por negar provimento ao recurso, mas readequou seu voto para acompanhar a divergência aberta pelos ministros Joel Ilan Paciornik e Ribeiro Dantas.
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O caso trata de recurso em habeas corpus no qual a defesa pediu o trancamento de ação penal por uso de documento falso, um receituário médico supostamente falsificado para a aquisição de “Ritalina”.
A defesa sustenta que os fatos investigados nesta nova ação são os mesmos já apurados em outro processo, que foi extinto em razão da suspensão condicional do processo (sursis processual). Assim, a nova denúncia configuraria violação ao princípio do non bis in idem, que veda que uma pessoa seja processada mais de uma vez pelos mesmos fatos.
O TJ/PR havia negado a ordem e, em julgamento virtual posterior, rejeitou também os embargos de declaração. A defesa, então recorreu ao STJ, alegando nulidade uma vez que não foi devidamente intimada para requerer sustentação oral dentro do prazo regimental.
Cerceamento de defesa
O ministro Joel Ilan Paciornik, ao apresentar voto-vista, reconheceu cerceamento de defesa no julgamento virtual realizado pelo TJ/PR.
Conforme explicou, a lei 11.419/06, prevê duas modalidades de intimação eletrônica: real, quando há leitura efetiva pelo interessado, e ficta, quando, após dez dias sem consulta, considera-se automaticamente realizada.
No caso concreto, a intimação foi expedida em 23 de julho de 2024, e a sessão virtual teve início em 29 de julho, antes de decorrido o prazo de dez dias previsto para a configuração da intimação ficta — o que impediu a defesa de exercer, em tempo hábil, o direito de requerer sustentação oral.
“Quando a intimação se aperfeiçoa por ficção legal, a defesa toma ciência apenas no décimo dia, quando já se esgotou o prazo para pedir sustentação oral. O julgamento virtual, conquanto represente avanço tecnológico legítimo e alvissareiro, não pode servir de instrumento para a restrição de direitos fundamentais.”
Paciornik ressaltou que o direito de sustentação oral constitui prerrogativa essencial da advocacia, prevista no art. 7º, §2º-B, do Estatuto da OAB, e no art. 5º, LV, da CF. Assim, a virtualização dos julgamentos deve preservar as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Nesse sentido, apontou a incompatibilidade entre o prazo da intimação ficta (dez dias) e o prazo regimental para requerer sustentação oral (cinco dias úteis), entendendo que o julgamento deveria ter sido retirado da pauta virtual ou remetido para sessão presencial, de modo a assegurar o pleno exercício da defesa.
Falha inviabilizou sustentação oral
O ministro Ribeiro Dantas, também em voto-vista, acompanhou o entendimento de Paciornik. Destacou que, conforme o art. 198 do Regimento Interno do TJ/PR, o pedido de sustentação oral deveria ser formulado até cinco dias úteis antes do início da sessão virtual.
Contudo, como a ciência ficta da intimação ocorreu apenas em 2 de agosto, quando o julgamento já havia se iniciado, o prazo regimental tornou-se impossível de cumprir.
“Esse período que ela tinha para fazer a leitura se sobrepôs ao próprio período em que estava aberta a sessão virtual", destacou o ministro, explicando que a defesa não teve como exercer o direito de requerer sustentação oral, razão pela qual se impõe o reconhecimento da nulidade.
Assim, votou por dar provimento ao agravo regimental para anular o julgamento virtual e determinar sua renovação com observância dos prazos previstos nos arts. 74 e 198 do regimento Interno do TJ/PR.
Diante do entendimento da divergência, o relator, ministro Messod Azulay, retificou seu voto afirmando que se equivocou ao votar em sentido contrário. Reafirmou o entendimento do STJ de que a informatização do processo judicial, embora essencial para a celeridade e modernização da Justiça, não pode restringir o exercício pleno da ampla defesa.
O ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que inicialmente havia seguido o entendimento do relator, também retificou seu voto.
- Processo: RHC 210.168