Crescimento dos números de roubos às farmácias e drogarias
Cresce o número de roubos a farmácias em SP, levantando debate sobre riscos psicossociais e os limites da responsabilidade patronal.
quinta-feira, 17 de abril de 2025
Atualizado às 13:27
Segundo dados levantados, o Estado de São Paulo registrou 55 roubos de medicamentos em farmácias em janeiro e fevereiro de 2025, quase 1 caso por dia. O número representa um crescimento de 111% na comparação com o mesmo período de 2024, quando foram contabilizados 26 casos, de acordo com dados da Secretaria da Segurança Pública de SP.
As recentes notícias ligadas aos assaltos em drogarias e farmácias dão conta de que as quadrilhas passaram a se especializar em roubo de medicações de alto custo, como remédios para TDAH, como Venvanse e Ritalina, figuraram entre os mais roubados ao lado dos medicamentos para emagrecimento, como Wegovy e Ozempic.
Diferentemente de outros segmentos, as farmácias prestam serviços essenciais, ou seja, não podem fechar as portas nos períodos mais críticos. Os prejuízos causados às drogarias e farmácias não se limitam ao valor dos produtos roubados. Vão além, elevam o risco da atividade com relação aos seus empregados.
A nossa CF/88 assegura (nos arts. 5º, 7º e 225), a todos os trabalhadores um meio ambiente saudável. Doutrina e jurisprudência convergem para o entendimento de que a empresa deve garantir proteção a seus empregados contra os infortúnios ocasionados pelos riscos gerados pelas ações que agridam a saúde ou integridade (vide art. 7º, inciso XXII que trata da redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança).
No plano infraconstitucional, existem diversas NR's - Normas Regulamentadoras que estabelecem diretrizes para garantir a segurança e a saúde no trabalho. Entre os principais programas exigidos nessas NRs estão o PGR - Programa de Gerenciamento de Riscos e o PCMSO - Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional. Ambos são fundamentais para a prevenção de acidentes e doenças ocupacionais.
A responsabilidade das empresas, enquanto empregadoras, está disposta no art. 2º da CLT, quando dispõe que a empresa é aquela que assume os riscos de suas atividades. Há muito se discute na esfera trabalhista os limites da responsabilidade patronal. Se por um lado é verdade que a empresa deve oferecer ao trabalhador um local de trabalho sadio, assegurando-lhe que quando dispensado esteja em perfeito estado de saúde física e mental para que continue inserido no mercado de trabalho, por outro, é razoável que seja delimitada a responsabilidade patronal, sob pena de se ofender princípios constitucionais, como o da segurança jurídica, da livre iniciativa e acabar por desestimular as empresas a empreenderem.
O PGR, previsto na nova NR-1, é um programa obrigatório para todas as empresas que possuam empregados (CLT), com o objetivo de identificar, avaliar e controlar os riscos ocupacionais. Substituiu o antigo PPRA - Programa de Prevenção de Riscos Ambientais e tem um escopo mais amplo, pois inclui todos os tipos de riscos (físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e, a partir de 26/5/25, também os riscos psicossociais).
Sabe-se que os principais objetivos do PGR são: i) mapear os perigos e riscos no ambiente de trabalho; ii) implementar medidas para reduzir ou eliminar esses riscos; iii) monitorar continuamente a eficácia das ações adotadas e atender à legislação trabalhista a fim de evitar penalidades.
O PGR deve conter dois documentos principais:
a. Inventário de riscos:
- Listagem detalhada de todos os riscos ocupacionais da empresa (inclusive psicossociais a partir de 26/5/25);
- Identificação das fontes de perigo, descrição dos efeitos na saúde do trabalhador e níveis de exposição; e
- Metodologia utilizada para avaliação dos riscos.
b. Plano de ação:
- Estratégias para eliminar, reduzir ou mitigar os riscos identificados;
- Medidas preventivas e corretivas para cada risco;
- Cronograma de implementação das medidas de controle; e
- Definição de responsáveis e prazos para cada ação.
É importante destacar que o PGR deve ser revisado sempre que houver mudanças significativas no ambiente de trabalho, como alterações nas condições de trabalho ou ocorrência de acidentes ou doenças ocupacionais.
A questão que se coloca em discussão é se o crescimento dos roubos em farmácias e drogarias, onde há flagrante abalo psicológico aos trabalhadores das lojas, poderia ter o condão de alterar o conceito de risco do negócio ou de risco ocupacional? Seria possível responsabilizar as drogarias e farmácias pelos abalos físicos ou psicológicos dos empregados vítimas de assaltos? A nova realidade violenta poderia trazer para as drogarias um risco psicossocial previsto na nova NR-1?
A resposta a todas essas perguntas é negativa. Explico.
A principal alteração inserta na NR-1 foi a inclusão dos riscos psicossociais no GRO - Gerenciamento de Riscos Ocupacionais, sendo entendidos como elementos que podem afetar adversamente a saúde psicológica, física ou social dos trabalhadores, resultantes das condições e da organização do trabalho.
Em que pese a entrada em vigor das novas exigências da NR-1 em 26/5/25, por meio das quais as empresas precisarão atualizar seus documentos relacionados a saúde e segurança, assim como suas práticas internas, para incluir os riscos psicossociais, como estresse ocupacional, assédio moral e sobrecarga de trabalho, somos da opinião de que essa triste realidade enfrentada pelas farmácias não poderia ser enquadrada na nova NR-1 pois não se trata de uma situação individual homogênea, além de estar fora do controle da empresa.
O art. 157 da CLT deixa claro que as obrigações das empresas se limitam à segurança do trabalho no seu ambiente corporativo, sendo que a fiscalização das normas de saúde e segurança devem ser limitadas ao trabalho. Diferentemente do seguimento de bancos, não existe lei ou norma regulamentadora que imponha às drogarias e farmácias o dever de garantir segurança pública, sendo que essas empresas não podem assumir uma responsabilidade que é do Estado. (ente público)
Embora o PGR deva incluir a identificação e gestão dos riscos psicossociais, documentando esses fatores no inventário de riscos (incluir potenciais perigos ocupacionais, aplicando métodos de análise qualitativa e quantitativa para mensurá-los, com políticas de bem-estar e suporte psicológico, o risco de roubo (em que pese cada vez mais comum) não pode ser confundido como risco do negócio por ser um incidente que não possui nexo causal com as atividades dos empregados de drogarias e farmácias.
Nem se alegue que as farmácias tenham a obrigação de disponibilizar mão de obra armada (vigilantes) para garantir a segurança de seus consumidores e empregados pois quem vende remédios e produtos de beleza e bem-estar não assume o papel do Estado, sendo que a CF/88, em seu art. 144, caput, expressamente outorga ao Estado o dever de zelar pela segurança pública.
Nesse sentido, ainda que um roubo na loja possa ter causado um dano moral a determinado empregado, não há como imputar à empresa a responsabilidade civil, tendo em vista a inexistência de culpa. Cabem às drogarias e farmácias disporem de mecanismos para minimizar os riscos de assaltos e assegurem a segurança física de seus empregados. Esse entendimento está em consonância com decisões proferidas pelo TST e pelos Tribunais Regionais, tendo sido afastada a hipótese de responsabilidade objetiva e considerado o contexto fático dos autos, a fim de averiguar a culpa do empregador. Caso fique configurado que a empresa não tinha qualquer medida de segurança, pode haver responsabilização subjetiva, jamais objetiva.
Por outro lado, já há alguns julgados do TST que entenderam que a reiteração dos assaltos sem que a empresa tenha tomado medidas de prevenção, teria o condão de trazer o risco para o negócio da empresa. Neste sentido, em que pese ainda consideremos este como um problema de segurança pública, e que não deva ser transferida a responsabilidade quanto à manutenção da segurança pública à empregadora, o entendimento jurisprudencial é o de que uma vez presumível a possibilidade de assalto ao estabelecimento comercial, cabe à empregadora tomar medidas que visem a proteção de seus empregados.
Portanto, face a este entendimento, estabelecimentos com recorrentes ocorrências de assaltos devem ter provas de que registraram os boletins de ocorrência, exigiram das autoridades públicas um maior policiamento, providenciaram alterações de rotinas dos empregados capazes de atenuar o risco, diminuíram a quantidade dos produtos em estoque e deram toda a assistência aos empregados que sofreram qualquer tipo de violência física ou psicológica, sob pena de ter que incluir esse tipo de risco no PGR e atrair uma responsabilidade que não é sua.
Luiz Eduardo Amaral de Mendonça
Sócio da área Trabalhista e Previdenciário do FAS Advogados e membro pesquisador do Getrab-USP.


