STF suspendeu, nesta quinta-feira, 27, o julgamento da ADPF 973, em que sete partidos políticos pedem o reconhecimento de violações sistemáticas de direitos da população negra e a adoção de medidas estruturais de reparação.
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Na sessão anterior votou o relator, ministro Luiz Fux votou pela parcial procedência da ação, reconheceu estado de coisas inconstitucional marcado pelo racismo estrutural e considerou insuficientes as políticas atuais, defendendo a revisão do Planapir ou a criação de um novo plano antirracismo em 12 meses, sob fiscalização do CNJ. O ministro Flávio Dino e a ministra Cármen Lúcia acompanharam o relator.
Abrindo divergência parcial, o ministro Cristiano Zanin acompanhou o relator quanto ao reconhecimento do racismo estrutural e das graves violações a preceitos fundamentais decorrentes dessa realidade, mas divergiu quanto a declaração de um estado de coisas inconstitucional. Os ministros André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli acompanharam Zanin.
Ainda faltam os votos do ministro Gilmar Mendes e do presidente Edson Fachin. A análise será retomada em sessão futura.
O caso
A ação, proposta por PT, PSOL, PSB, PCdoB, Rede, PDT e PV, aponta ações e omissões estatais que, segundo os partidos, resultam na violação dos direitos à vida, saúde, segurança e alimentação digna da população negra.
Entre os pedidos, está a elaboração de um Plano Nacional de Enfrentamento ao Racismo Institucional e à política de morte dirigida a esse grupo.
Votos
O relator, ministro Luiz Fux, reconheceu a existência de um estado de coisas inconstitucional decorrente do racismo estrutural e institucional no Brasil, afirmando que a população negra enfrenta violações contínuas de direitos fundamentais em áreas como saúde, segurança, moradia e alimentação.
Para ele, o problema é histórico, profundo e não resolvido pelas políticas públicas existentes — inclusive o Planapir, criado em 2009, cuja implementação considera insuficiente. Fux destacou que a ação tem natureza de processo estrutural e que o STF deve atuar como impulsionador de transformações institucionais, sem substituir os demais Poderes, mas exigindo respostas coordenadas e permanentes.
Ao concluir, o ministro julgou a ação parcialmente procedente, propondo duas medidas centrais: o reconhecimento formal do estado de coisas inconstitucional e a determinação para que o Executivo Federal, em até 12 meses, revise o Planapir ou elabore um novo Plano Nacional de Combate ao Racismo Institucional, com metas, cronograma e mecanismos de monitoramento.
O plano deverá incluir ações materiais, políticas reparatórias, revisão de cotas, protocolos de atendimento e difusão institucional. Fux sugeriu ainda que o CNJ fiscalize a execução por meio do Observatório de Direitos Humanos, ressaltando que o objetivo é enfrentar omissões históricas e inaugurar um ciclo de políticas públicas efetivas contra o racismo no país.
Ministro Flávio Dino acompanhou o relator e reconheceu a existência de um estado de coisas inconstitucional ligado ao racismo estrutural no Brasil, afirmando que o problema decorre de estruturas historicamente discriminatórias que afrontam o caráter antirracista da Constituição. Citou episódios recentes, como a entrada de policiais armados em uma escola por causa de referências à cultura afro-brasileira, para demonstrar a urgência de uma resposta institucional firme.
Dino defendeu que decisões estruturais do STF precisam ter metas e acompanhamento, evitando recomendações genéricas, e sugeriu medidas adicionais, como capacitação de professores, campanhas públicas contra o racismo, incentivo cultural e monitoramento de programas federais de igualdade racial. Para ele, é essencial garantir efetividade prática às políticas de combate ao racismo.
A ministra Cármen Lúcia acompanhou integralmente o relator e votou pelo reconhecimento do estado de coisas inconstitucional relacionado ao racismo no Brasil. Para ela, as medidas adotadas pelo Estado ao longo dos 37 anos de vigência da Constituição de 1988 foram insuficientes para superar o racismo histórico e estrutural que afeta a população negra, mantendo desigualdades profundas e violando a dignidade humana.
A ministra ressaltou que o racismo permanece como uma “tragédia social” e lembrou episódios de discriminação e violência que evidenciam a distância entre o texto constitucional, que consagra uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, e a realidade cotidiana. Destacou ainda que a insuficiência estatal se manifesta em áreas como segurança pública, sistema prisional, educação e acesso a oportunidades, defendendo que o STF deve adotar providências concretas para assegurar a efetividade da Constituição.
Assim, votou por declarar o estado de coisas inconstitucional e por determinar a implementação das medidas propostas pelo relator, com os acréscimos sugeridos em plenário.
Estado de coisas inconstitucional, não
O ministro Cristiano Zanin acompanhou o relator quanto ao reconhecimento do racismo estrutural e das graves violações a preceitos fundamentais decorrentes dessa realidade, mas divergiu em ponto específico: para ele, não há omissão atual do poder público capaz de justificar a declaração de um estado de coisas inconstitucional.
Zanin ressaltou que a Advocacia-Geral da União apresentou um conjunto de medidas já adotadas e outras em andamento, incluindo leis editadas desde 2003, políticas implementadas a partir de 2010 e a criação do Ministério da Igualdade Racial, o que indicaria insuficiência das políticas, mas não inércia estatal.
Com base em precedentes como as ADPFs 635 e 760, o ministro afirmou que a Corte, em situações semelhantes, deixou de reconhecer o estado de coisas inconstitucional justamente pela ausência de omissão atual.
Assim, Zanin votou por julgar parcialmente procedente a ação, aderindo às propostas do relator para o aprimoramento ou criação de um Plano Nacional de Enfrentamento ao Racismo Estrutural, mas sem declarar o estado de coisas inconstitucional, limitando-se ao reconhecimento das graves violações constitucionais e à determinação de providências alinhadas às já assumidas pelo Estado.
O ministro André Mendonça acompanhou o relator quanto ao reconhecimento da existência de graves violações relacionadas ao racismo e votou pela parcial procedência da ação, mas divergiu no ponto referente à declaração de estado de coisas inconstitucional. Para ele, embora o racismo seja inegável e presente na sociedade, não se pode afirmar que exista racismo institucional no sentido de que as instituições públicas seriam, em si, racistas. Mendonça registrou que o problema é humano e social, não institucional.
O ministro reafirmou que já apresentou, em outros julgamentos, a teoria do compromisso significativo, adotada na ADPF 760, como alternativa à doutrina do estado de coisas inconstitucional. Em sua avaliação, essa abordagem se ajusta melhor à realidade brasileira.
Assim, defendeu que o Estado assuma obrigações concretas para garantir igualdade material à população negra, convergindo com as providências propostas pelo relator, mas sob outro fundamento teórico. Concluiu votando pela parcial procedência, determinando medidas estruturais, porém sem reconhecer o estado de coisas inconstitucional.
O ministro Nunes Marques acompanhou o relator com ressalvas, reconhecendo que há violações históricas e sistêmicas de direitos da população negra, mas sem admitir estado de coisas inconstitucional. Para ele, o racismo é um problema social e humano, não uma estrutura institucionalizada do Estado, alinhando-se às ponderações dos ministros Zanin e André Mendonça.
O ministro ressaltou que há políticas públicas em curso, o que afasta a ideia de omissão estatal, assim como decidido na ADPF 635. Defendeu a adoção das medidas propostas pelo relator, como a revisão ou elaboração de plano nacional, mas de forma exortativa, preservando as competências dos demais Poderes. Acompanhou o voto do relator, exceto nesse ponto.
O ministro Alexandre de Moraes acompanhou o relator quanto ao reconhecimento do racismo estrutural no Brasil, afirmando que se trata de uma chaga social, econômica e cultural que persiste há séculos. Destacou que, embora haja discriminação histórica contra a população negra, não se pode afirmar a existência de racismo institucional por parte do Estado, uma vez que, desde a Constituição de 1988, houve avanços nos três Poderes, ainda que insuficientes.
O ministro afastou a declaração de estado de coisas inconstitucional, entendendo que o Estado vem adotando medidas ao longo dos anos, embora com resultados ainda limitados. Para Moraes, mais importante do que qualificações teóricas é a adoção de medidas concretas.
Assim, votou pela parcial procedência da ação e defendeu a determinação de providências administrativas específicas, como: inclusão obrigatória de conteúdos sobre relações raciais na formação das forças de segurança; implementação de políticas de redução de letalidade policial nos planos de segurança; celeridade em procedimentos e inquéritos relacionados ao racismo; e proteção a comunidades quilombolas. Sugeriu prazo de 60 dias para o cumprimento das medidas administrativas e pediu tramitação urgente de projetos legislativos ligados ao tema.
O ministro Dias Toffoli acompanhou o relator quanto ao reconhecimento de que o Estado brasileiro é insuficiente no combate ao racismo estrutural, mas divergiu da declaração de estado de coisas inconstitucional. Para ele, embora persistam desigualdades históricas, a Constituição de 1988 já contém comandos claros de promoção da igualdade racial, e os três Poderes têm adotado medidas ao longo dos anos, ainda que de forma limitada.
Toffoli destacou avanços institucionais, como a criminalização do racismo, a proteção às comunidades quilombolas, políticas de cotas e ações culturais e educacionais voltadas à população negra. Assim, votou pela parcial procedência da ação e aderiu às medidas propostas pelo relator, com os acréscimos sugeridos por Flávio Dino, mas sem reconhecer a existência de um estado de coisas inconstitucional.
- Processo: ADPF 973