A teoria do risco do negócio - A base da responsabilidade objetiva do fornecedor - Parte 1
quinta-feira, 15 de maio de 2025
Atualizado em 14 de maio de 2025 14:10
Hoje cuido da Teoria do Risco do Negócio, que é a base da responsabilidade objetiva estabelecida no Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Com efeito, o CDC estabeleceu a responsabilidade objetiva dos fornecedores (especificando cada qual em seus arts. 12, 13 e 14) pelos danos advindos dos defeitos de seus produtos e serviços. E ofereceu poucas alternativas de desoneração (na verdade, de rompimento do nexo de causalidade), tais como a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Para que possamos compreender o porquê dessa ampla responsabilização, precisamos conhecer a teoria do risco do negócio ou da atividade, que é sua base e que examinamos na sequência.
No Brasil, a Constituição Federal garante a livre iniciativa para a exploração da atividade econômica, em harmonia com uma série de princípios (CF, art. 170), iniciativa esta que é, de fato, de uma forma ou de outra, característica da sociedade capitalista contemporânea. A exploração da atividade econômica tem uma série de características, que não cabe aqui narrar. Mas, entre elas, algumas são relevantes e certos aspectos teóricos que embasam o lado prático da exploração nos interessam.
Uma das características principais da atividade econômica é o risco1. Os negócios implicam risco. Na livre iniciativa, a ação dos empreendedores está aberta simultaneamente ao sucesso e ao fracasso. A boa avaliação dessas possibilidades é fundamental para o investimento. Um risco mal calculado pode levar o negócio à bancarrota.
É claro que são muitas as variáveis em jogo, que terão de ser avaliadas, tanto mais se existir uma autêntica competitividade no setor escolhido. Os insumos básicos para a produção, os meios de distribuição, a expectativa do consumidor em relação ao produto ou serviço a serem produzidos, a qualidade destes, o preço, os tributos etc. são preocupações constantes. Some-se o desenvolvimento de todos os aspectos que envolvem o marketing e em especial a possibilidade - e, praticamente, a necessidade - da exploração da publicidade, arma conhecida para o desenvolvimento dos negócios. O fornecedor, naturalmente, levará sempre em consideração todos os elementos envolvidos.
Aqui o que interessa é o aspecto do risco, que se incrementa na intrínseca relação com o custo. Esse binômio risco/custo (ao qual acrescentarei um outro: o do custo/benefício) é determinante na análise da viabilidade do negócio. A redução da margem de risco a baixos níveis (isto é, a aplicação máxima no estudo de todas as variáveis) eleva o custo a valores astronômicos, inviabilizando o projeto econômico. Em outras palavras, o custo, para ser suportável, tem de ser definido na relação com o benefício. Esse outro binômio custo/benefício tem de ser considerado. Descobrir o ponto de equilíbrio de quanto risco vale a pena correr a um menor custo possível, para aferir a maximização do benefício, é uma das chaves do negócio.
Dentro dessa estratégia geral dos negócios, como fruto da teoria do risco, um item específico é o que está intimamente ligado à sistemática normativa adotada pelo CDC. É aquele voltado à avaliação da qualidade do produto e do serviço, especialmente a adequação, finalidade, proteção à saúde, segurança e durabilidade. Tudo referendado e complementado pela informação.
Em realidade, a palavra "qualidade" do produto ou do serviço pode ser o aspecto determinante, na medida em que não se pode compreender qualidade sem o respeito aos direitos básicos do consumidor.
E nesse ponto da busca da qualidade surge, então, nova e particularmente, o problema do risco/custo/benefício, acrescido agora de outro aspecto considerado tanto na teoria do risco quanto pelo CDC: a produção em série2.
Com a explosão da revolução industrial, a aglomeração de pessoas nos grandes centros urbanos e o inexorável aumento da complexidade social, exigia-se um modelo de produção que desse conta da sociedade que começava a surgir. A necessidade de oferecer cada vez mais produtos e serviços para um número sempre maior de pessoas fez com que a indústria passasse a produzir em grande quantidade. Mas o maior entrave para o crescimento da produção era o custo.
A solução foi a produção em larga escala e em série, que, a partir de modelos previamente concebidos, permitia a diminuição dos custos. Com isso, era possível fabricar mais bens para atingir um maior número de pessoas. O século XX inicia-se sob a égide desse modelo de produção: fabricação de produtos e oferta de serviços em série, de forma padronizada e uniforme, com um custo de produção menor de cada um dos produtos, possibilitando sua venda a menor preço individual, com o que maiores parcelas de consumidores passaram a ser beneficiadas.
A partir da Segunda Guerra Mundial, esse projeto de produção capitalista passou a crescer numa velocidade jamais imaginada, fruto do incremento dos sistemas de automação, do surgimento da robótica, da telefonia por satélite, das transações eletrônicas, da computação, da microcomputação etc.
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Continua na próxima semana.
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1 Não nos cabe aqui, também, abordar o aspecto negativo da exploração de certas atividades econômicas que, no Brasil, não comportam risco. Os monopólios são atividades sem risco, como também as ações econômicas de produção perpetradas diretamente pelo Estado, bem como a formação de oligopólios (que a legislação pátria pretende proibir). São exceções ao princípio geral da atividade econômica de risco que, de qualquer maneira, não interferem no lema fundamental da teoria do risco do negócio, incorporada pelo CDC.
2 Por causa disso, a responsabilidade objetiva tal como regulada remanesce como um grande problema, praticamente insolúvel, para aqueles fornecedores que não produzem em série, especialmente pequenos produtores, microprodutores e fabricantes pessoas físicas de produtos manufaturados e pequenos prestadores de serviços (pessoas físicas e jurídicas). A lei consumerista não abre exceção para tais fornecedores, que acabam tendo de arcar com o peso da responsabilidade objetiva, como se grandes fornecedores de produtos e serviços em série fossem.