O recente julgamento da ADI 7600/DF e o marco legal de garantias
quinta-feira, 17 de julho de 2025
Atualizado em 16 de julho de 2025 12:29
Já tivemos a oportunidade de assinalar que o arsenal de instrumentos introduzido em nosso sistema executivo há duas décadas não evitou que os índices de congestionamento da execução no Poder Judiciário nacional ainda se mostrassem lamentáveis.
Os relatórios do Justiça em Números, do CNJ, contextualizam bem o cenário, demonstrando altos índices de estoque de execuções frustradas.
A causa da baixa performance na execução é indicada, pelo próprio CNJ, como sendo a dificuldade de localização de bens do devedor: "Há de se destacar, no entanto, que há casos em que o Judiciário esgotou os meios previstos em lei e ainda assim não houve localização de patrimônio capaz de satisfazer o crédito, permanecendo o processo pendente".
Nesse cenário, com base em dados fornecidos pelo próprio CNJ, a crise da execução civil não será solucionada com os genéricos debates acadêmicos.
O contexto exige um conjunto de atos processuais que permita atingir-se rapidamente o patrimônio do devedor. Sem essa premissa sendo instrumentalizada com êxito nos casos concretos, dificilmente o sistema executivo poderá ser considerado mais eficiente em nosso país.
Nesse contexto, foi muito bem-vinda a lei 14.711/23. Essa lei, chamada de marco legal das garantias, trouxe importantes novidades quanto à localização e execução de determinados bens oferecidos como garantia em operações comerciais.
Na medida em que, no Brasil, muitas ações de execução se mostram frustradas em virtude da dificuldade de localizar o devedor e/ou os seus respectivos bens que possam ser penhorados, o marco legal das garantias certamente objetivou conferir mais agilidade na satisfação dos valores devidos aos credores. A lei, portanto, teve o claro enfoque de facilitar a localização e a excussão de garantias.
Um destaque foi a possibilidade da execução extrajudicial do crédito hipotecário, com semelhanças ao procedimento da execução ligada à alienação fiduciária de imóvel dado em garantia. Ou seja, a execução ocorre, primariamente, através de atos do cartório de registro de imóveis.
O marco legal das garantias também previu a possibilidade da contratação de um agente especializado de garantia, o qual pode auxiliar na otimização de atos necessários para melhor performance na localização e excussão de bens dos devedores.
A lei também adota a possibilidade de uma negociação, regida perante o cartório de protestos, previamente à efetivação dos protestos de títulos; em sintonia, aqui, com a dinâmica da busca de uma solução consensual de conflitos.
A lei também previu a possibilidade da execução extrajudicial de bens móveis regidos pela alienação fiduciária em garantia; de modo que a busca e apreensão do móvel dado em garantia, por exemplo, pode ser realizada através de atos do cartório de títulos e documentos.
Neste particular, em especial quanto ao art. 8º- C do decreto-lei 911/1969, com a redação conferida pelo marco legal das garantias, o STF, ao apreciar a ADI 7.600/DF, entendeu que:
"O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedentes os pedidos das ADI 7.600, 7.601 e 7.608, conferindo interpretação conforme à Constituição aos §§ 4º, 5º e 7º (expressão "apreendido o bem pelo oficial da serventia extrajudicial") do art. 8º- C do decreto-lei 911/1969, com a redação conferida pela lei 14.711/23, de modo que, nas diligências para a localização do bem móvel dado em garantia em alienação fiduciária e em sua apreensão, devem ser assegurados os direitos à vida privada, à honra e à imagem do devedor, a inviolabilidade do sigilo de dados, a vedação ao uso privado da violência, a inviolabilidade do domicílio, a dignidade da pessoa humana e a autonomia da vontade, fixando a seguinte tese de julgamento: "1. São constitucionais os procedimentos extrajudiciais instituídos pela lei 14.711/23 de consolidação da propriedade em contratos de alienação fiduciária de bens móveis, de execução dos créditos garantidos por hipoteca e de execução da garantia imobiliária em concurso de credores. 2. Nas diligências para a localização do bem móvel dado em garantia em alienação fiduciária e em sua apreensão, previstas nos § § 4º, 5º e 7º do art. 8º-C do decreto-lei 911/1969 (redação da lei 14.711/23), devem ser assegurados os direitos à vida privada, à honra e à imagem do devedor; a inviolabilidade do sigilo de dados; a vedação ao uso privado da violência; a inviolabilidade do domicílio; a dignidade da pessoa humana e a autonomia da vontade". Tudo nos termos do voto do relator, ministro Dias Toffoli, vencidos a ministra Cármen Lúcia, que julgava procedentes as ações diretas para reconhecer a inconstitucionalidade dos arts. 6º, 9º e 10 da lei 14.711/23, e, parcialmente, o ministro Flávio Dino, que acompanhava o voto do relator e, ainda, declarava a inconstitucionalidade do art. 8º-E, caput e parágrafo único, do decreto-lei 911/1969 (incluído pela lei 14.711/23). Falaram: pelo interessado Congresso Nacional, o Dr. Mateus Fernandes Vilela Lima, advogado do Senado Federal; pelo amicus curiae Associação dos Notários e Registradores do Brasil - ANOREG/BR, o Dr. Maurício Zockun; pelo amicus curiae Federação Brasileira de Bancos, a Dra. Gabriela Maira Patrezzi Diana; pelo amicus curiae Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento - ACREFI, o Dr. Saul Tourinho Leal; e, pela Advocacia-Geral da União, o Dr. Rodrigo Rebello Horta Gorgen, advogado da União. Plenário, sessão virtual de 20/6/25 a 30/6/25."
Nesse contexto, adotou-se critérios para uma leitura constitucional de dispositivos do marco legal de garantias, sem deixar-se de prestigiar a tendência de procedimentos mais céleres para a localização de bens do devedor.
A pedra de toque do nosso sistema processual, sem qualquer espécie de dúvida, está no tema das execuções frustradas, de modo que iniciativas que possam facilitar, sem prejuízo do devido processo legal e das demais garantias constitucionais, a localização e a excussão de bens do devedor, são muito bem-vindas e podem/devem ser estudadas e prestigiadas.