Um dos pontos mais importantes que se desenvolvem no curso de um procedimento arbitral diz respeito à produção da prova. Esta, classicamente, possui espécies determinadas, como a prova documental, a prova oral e a prova pericial. Nessas linhas, objetiva-se focar as atenções na última, tendo em vista que em certos casos a prova pericial pode ser determinante para o desfecho do caso.
No campo da arbitragem brasileira, a produção da prova técnica se desenvolveu com certo grau de sofisticação. Ao invés do método clássico de produção de prova pericial, isto é, por perito escolhido pelo Tribunal Arbitral, passaram as partes, com maior frequência, a adotar o chamado método do “party-appointed expert”, em que a prova técnica é produzida pelas próprias partes contendentes, o que é frequentemente utilizado em sede de arbitragem internacional1 e que fora chancelado por meio de célebre decisão emanada do STJ.2
Nada obstante, ainda persiste, em certos casos, a vontade das partes na realização da perícia técnica por meio de um perito escolhido pelo Tribunal Arbitral. Havendo essa vontade, os árbitros devem acatar tal pedido, na forma do quanto disposto no art. 21, caput3, da lei 9.307/96 (“lei de arbitragem”). E, não havendo uma fórmula precisa sobre como deve se desenvolver essa perícia, nem na lei de arbitragem4, tampouco nos regulamentos arbitrais mais utilizados no Brasil, as partes costumam se socorrer da prática judicial para o desenvolvimento da prova técnica nessa modalidade. Exemplo disso é a usual prática de formulação de quesitos periciais, tal como disposto no art. 465, § 1º, inciso III do CPC.5
Os chamados quesitos periciais constituem questionamentos escritos formuladas pelas partes ou pelo juiz em um processo judicial para que o perito responda durante uma perícia técnica. Sua função é esclarecer os fatos técnicos e científicos relevantes para o litígio, direcionando a análise do perito e garantindo que o laudo seja preciso e completo, contribuindo para uma decisão justa.6
Tal metodologia parece ser útil ao processo judicial, eis que, naquele âmbito, o perito judicial exerce sua atividade com o auxílio dos assistentes técnicos das partes, os quais também respondem aos quesitos periciais. No entanto, não parece, a priori, que tal prática seja de maior utilidade na arbitragem.
O processo arbitral, como se sabe, deve se desenvolver de forma eficaz, em lapso temporal naturalmente menor do que aquele verificado em âmbito judicial. Ademais, para que se finalize de forma justa, é necessário que tenha um mínimo de eficiência procedimental. O grau de eficiência procedimental nas arbitragens é medido não apenas pelo que as partes desejam, mas pelos métodos que os árbitros criam e desenvolvem no âmbito do processo, visando, ao fim e ao cabo, a otimização da prova técnica e a prolação de uma sentença que resolva, com segurança, determinado litígio. Um desses métodos diz respeito à eliminação dos quesitos periciais, durante a produção da prova técnica pericial.
A eliminação desses quesitos não retira da parte interessada o direito de formular questionamentos ao perito do tribunal arbitral. Mas, para que se mitigue a prática corrente de formular quesitos impertinentes, protelatórios e/ou irrelevantes7 - muitas vezes perpassando a matéria de fato discutida nos autos8 e a área de atuação do perito9 -, bem como para evitar a turbulenta fase de manifestação cruzada das partes sobre os quesitos da contraparte e possível decisão que tenha de lidar com impugnação de quesitos, a prática de elaboração de tópicos periciais (ao invés de quesitos) tem se revelado prática e útil em sede arbitral.
Tal prática consiste na elaboração de tópicos (“list of issues”) pelas partes, preferencialmente em conjunto e sob o crivo do Tribunal Arbitral, os quais devem estar alinhados aos pontos controvertidos da demanda previamente fixados e comporão o objeto da prova pericial técnica a ser produzida. Tal metodologia, extraída da prática internacional, é verificada, por exemplo, nas regras da CCI para a Administração de Procedimentos Periciais (“The ICC Rules for the Administration of Expertise Proceedings are in force as of 1 February 2015”) que, em seu art. 6, 2, “c”, dispõe:
“Article 6 – The Expert’s Mission (…) 2) As soon as the expert has received the file from the Centre, the expert, after having consulted the parties, shall set out the expert’s mission in a written document. That document shall be consistent with the Rules and any agreement of all of the parties. It shall be communicated to the parties and to the Centre and shall include: (...) c) a list of the issues on which the expert shall make findings in the expert’s report (…)”.10
No mesmo sentido dispõem os comentários à Diretriz expedida pelo Chartered Institute of Arbitrators (“CIArb”) a respeito do “Party-appointed and Tribunal appointed Experts”:
“Arbitrators should provide clear directions, following consultation with the parties, as to the expert’s assignment. Matters to consider including are: (1) a list of issues on which the expert is requested to express an opinion (…)”.11
Os tópicos periciais, quando definitivamente fixados, são incorporados no instrumento denominado “Termo de Referência Pericial”.12 Tal instrumento confere previsibilidade e segurança jurídica à produção da prova técnica, protegendo sua higidez, e, sobretudo, a não ocorrência de fatores surpresa, que poderiam acarretar mudança no escopo da prova técnica a ser produzida.13
Assim como a “fixação dos fatos”14 é de crucial importância para o julgador na seara arbitral, consubstanciada na fixação de pontos controvertidos da demanda15, o mesmo ocorre com a fixação dos tópicos periciais, que visam delimitar o escopo da prova técnica a ser realizada por perito nomeado pelo Tribunal Arbitral. Tal metodologia é mais eficiente que a técnica da apresentação de quesitos, seja por uma questão temporal (muito mais curta), seja por uma questão de natureza processual, eis que a fase de impugnação de quesitos de parte a parte, quando decidida, tende a gerar infundadas alegações de cerceamento de defesa. Desse modo, a elaboração de tópicos gera maior segurança e higidez à prova técnica a ser produzida.
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1 “In the vast majority of arbitrations, expert witnesses are appointed by the parties (90%) rather than by the tribunal (10%)”. (QUEEN MARY UNIVERSITY OF LONDON; WHITE & CASE LLP. 2012 International Arbitration Survey: Current and Preferred Practices in the Arbitral Process. Londres: Queen Mary University of London, 2012. Disponível aqui. Acesso em: 27 set. 2025.)
2 STJ, REsp nº 1.903.359-RJ, Terceira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, j. 11.05.2021, DJe 14.05.2021.
3 Art. 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento
4 A Lei de Arbitragem apenas dispõe que o árbitro poderá determinar a realização de perícias, mas nada dispõe acerca da modalidade de produção do aludido meio de prova. Nesse sentido, o art. 22, caput: Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício.
5 Art. 465. O juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega do laudo. § 1º Incumbe às partes, dentro de 15 (quinze) dias contados da intimação do despacho de nomeação do perito: (...) III - apresentar quesitos.
6 Segundo Cândido Rangel Dinamarco: “Quesitos são indagações que o juiz e as partes formulam para serem respondidas pelo perito e assistentes técnicos. Eles devem guardar pertinência com a causa e com os pontos a provar, fixados pelo juiz ao sanear o processo (...)”. (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 9. Ed. São Paulo: Editora JusPodium e Editora Malheiros, 2024, p. 712.)
7 A esse respeito, leciona Luiz Dellore: “Os quesitos podem ser impertinentes (não dizem respeito ao que precisa ser decidido no processo), protelatórios (apenas querem alongar o tempo para a realização da perícia) ou irrelevantes (não são importantes para o que precisa ser apreciado, sendo um preciosismo)”. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca, DELLORE, Luiz, ROQUE, André Vasconcellos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Forense, 2022, p. 691).
8 A esse respeito, leciona Cândido Rangel Dinamarco: “Não são admissíveis quesitos que transcendam a matéria de fato sujeita à perícia, como os que indagam sobre fatos incontroversos ou a serem provados por testemunhas ou mediante documentos (...)”. (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 9. Ed. São Paulo: Editora JusPodium e Editora Malheiros, 2024, p. 712.)
9 Segue Dinamarco: “Também não é lícito pedir conclusões jurídicas ao perito, ao qual incumbe apenas, como auxiliar da Justiça, informar o juiz sobre a matéria de fato de sua especialidade, para que este conclua (...)”. (Ibid., p. 712.)
10 INTERNATIONAL CHAMBER OF COMMERCE (ICC). Rules for the Administration of Expert Proceedings. Paris: ICC, em vigor a partir de 1º de fevereiro de 2015. Disponível aqui. Acesso em: 27 set. 2025.
11 CHARTERED INSTITUTE OF ARBITRATORS (CIARB). Party-appointed and Tribunal-appointed Experts: International Arbitration Practice Guideline, 2015. Disponível aqui. Acesso em: 27 set. 2025.
12 Ver, a esse respeito: NUNES, Thiago Marinho. O termo de referência da perícia na arbitragem. Migalhas, 29 abr. 2025. Disponível aqui. Acesso em: 21 set. 2025.
13 Vide, a respeito, a opinião de Victor Madeira Filho: “Em tais casos, o tribunal arbitral, o perito, os assistentes técnicos e as partes se reúnem para definir, em conjunto, uma referência procedimental e de escopo elaborada de maneira colaborativa, na qual os trabalhos periciais serão pautados, o que geralmente resulta em um laudo que aborda de maneira mais próxima e eficaz os pontos controvertidos que se entendem ser prioritários, bem como implica na redução de custos e tempo, já que a estipulação prévia das regras procedimentais da perícia diminui a intervenção desnecessária do tribunal e disputas improdutivas das partes sobre visitas ao local das obras, entrega de documentos, etc.” (MADEIRA Filho, Victor. Perícias técnicas em arbitragens de construção no Brasil. In: DOURADO, Ruy Janoni, VAUGHN, Gustavo Favero, BARROS, Vera Cecília Monteiro e NASCIMBENI (coord.). Atualidades da Arbitragem Comercial. São Paulo: Quartier Latin, 2021, p. 364-365.)
14 Nesse sentido, a clássica doutrina de Mário Guimarães: “Nem se pretenda que o Direito é inseparável dos fatos. Há um sentido em que se diz, com verdade, que o Direito é inseparável do fato. É que o direito nasce do fato – jus ex facto oritur. Sem um fato jurígeno, não há ingresso nos pretórios, porque juízes e tribunais não têm a função de discutir teses acadêmicas, que não tenha aplicação a determinado feito. Mas isso não exclui a possibilidade de se extremarem no julgamento, duas operações intelectuais: a fixação exata dos fatos e a das regras jurídicas que os regulam”. (GUIMARÃES, Mário. O Juiz e a Função Jurisdicional. Forense: São Paulo, 1958, § 208, pág. 78.)
15 Ver, a esse respeito, NUNES, Thiago Marinho. A relevância da fixação de pontos controvertidos como garantia de segurança do processo arbitral. Migalhas, 27 fev. 2024. Disponível aqui. Acesso em: 21 set. 2025.