CPC na prática

Ação de produção antecipadas de provas proposta no foro do local onde está o objeto a ser periciado

André Pagani de Souza analisa decisão do STJ que reafirma que ação de produção antecipada de provas deve ocorrer no foro onde está o objeto periciado, priorizando praticidade e celeridade.

5/12/2024

Como se sabe, o art. 381, § 2º, do CPC/15, estabelece que “a produção antecipada da prova é da competência do juízo do foro onde esta deva ser produzida ou do foro de domicílio do réu”. Tal artigo não encontra disposição semelhante do CPC/1973, que dispunha em seu art. 800 que “as medidas cautelares serão requeridas ao juiz da causa; e, quando preparatórias, ao juiz competente para conhecer da ação principal”.

Ou seja, na vigência do CPC/1973, o juízo competente para julgar a medida cautelar de produção antecipada de provas era o mesmo do juízo competente para julgar a ação principal. Contudo, mesmo na vigência do CPC/1973, o STJ entendia que poderia haver uma certa relativização da competência para facilitar a produção de provas. Confira-se, a propósito, a seguinte ementa:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. AÇÃO CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. REPARAÇÃO DE DANO. FORO DO LOCAL DO FATO. ORDEM PRÁTICA E PROCESSUAL. REDEFINIÇÃO DO FORO COMPETENTE PARA JULGAMENTO DA AÇÃO PRINCIPAL. NECESSIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO.

1. A jurisprudência desta Corte Superior entende que poderá haver a mitigação da competência prevista no art. 800 do CPC/1973 quando se tratar de ação cautelar de produção antecipada de provas, podendo ser reconhecida a competência do foro em que se encontra o objeto da lide, por questões práticas e processuais, notadamente para viabilizar a realização de diligências e perícias.

2. Agravo interno desprovido.

(AgInt no AREsp n. 1.321.717/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 15/10/2018, DJe de 19/10/2018)”.

Em recente julgado, agora durante a vigência do CPC/2015, o STJ novamente reiterou o seu entendimento a respeito do tema, mas dessa vez respaldado na disposição expressa do § 2º do art. 382, do referido diploma legal. Cumpre notar, inclusive, que a Corte Superior fez prevalecer o foro do local do objeto a ser periciado em detrimento do foro da sede da empresa ré que coincidia com o foro de eleição. Veja-se:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. PREQUESTIONAMENTO. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. JULGAMENTO MONOCRÁTICO DO RECURSO PELO RELATOR. AGRAVO INTERNO. MANIFESTAÇÃO DO COLEGIADO. VIOLAÇÃO AO ART. 932 DO CPC/2015. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL. REJEIÇÃO. LOCAL DA REALIZAÇÃO DA PERÍCIA DIVERSO DO LOCAL DE SEDE DA EMPRESA RÉ E DE ELEIÇÃO. QUESTÃO DE PRATICIDADE DA INSTRUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO.

1. O propósito recursal é definir, se a produção antecipada de prova pericial pode ser processada no foro onde situado o objeto a ser periciado ao invés do foro de sede da empresa ré, que coincide com o foro eleito em contrato.

2. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a oposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial.

3. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte.

4. A interposição de recurso e a devolução da matéria ao órgão colegiado afasta qualquer alegação de ofensa ao princípio da colegialidade, inexistindo interesse recursal a justificar conhecimento de suposta violação do art. 932 do CPC/2015. Precedentes.

5. Antes mesmo do advento da norma expressa do art. 381, § 2º, do CPC/2015, o STJ já permitia a relativização da competência do juízo da ação principal em relação aos procedimentos cautelares ao interpretar a aplicabilidade do art. 800 do CPC/73 à produção de provas na forma antecipada, levando em consideração questões práticas de instrução processual, além de a necessidade de se conferir maior celeridade. Precedentes.

6. Hipótese em que a realização de prova pericial em equipamento localizado em sede de empresa terceira exigirá do perito levantamento estrutural, verificação de cálculos e soluções de engenharia, além de questionamentos sobre materiais e técnicas de construção utilizados, para fins de avaliar existência de problemas ou defeitos que poderão ensejar eventual ação principal.

7. O foro de exame prévio de prova não torna ele prevento para a eventual ação principal (art. 381, § 3º, do CPC/2015), razão pela qual inexiste prejuízo presumido da parte que busca a prevalência da regra geral de competência territorial do domicílio do réu, ou da eleição de foro em contrato.

8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.

(REsp n. 2.136.190/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 4/6/2024, DJe de 6/6/2024).”

Como é possível perceber, apesar de haver foro de eleição, que coincidia com o domicílio da ré, não haveria prejuízo presumido em favor dessa última, pois a produção antecipada de provas foi proposta no foro do local onde se encontrava o objeto a ser periciado.

Ademais, não há prevenção de foro para a propositura de eventual ação principal, nos termos do § 3º do art. 381 do CPC/15, o que reforça a ideia de que a propositura da demanda no foro do local onde será realizada a perícia é benéfica para ambas as partes.

Em outras palavras, merece elogios a decisão do STJ acima transcrita, que fez prevalecer o foro do local da perícia em detrimento do foro de eleição ou do domicílio do réu.

No mesmo sentido é a mais abalizada doutrina, como se pode depreender da lição de Tatiana Tiberio Luz que, em primoroso trabalho sobre o tema, resultado de profunda pesquisa consubstanciada em tese de doutorado recentemente defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), ensina que:

“(...) Conforme art. 381, § 2º, do Código de Processo Civil, para a ação de produção antecipada de provas, é competente o juízo do foro onde a prova deve ser produzida ou do domicílio do réu. Trata-se de uma inovação legislativa que merece aplausos, pois sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, a competência para a ação de produção antecipada de provas era do foro competente para a ação que visava o acertamento da lide, o que nem sempre coincidia com o local onde a prova deveria ser realizada. Isso gerava o risco de perecimento da prova, especialmente considerando que, naquele regime, a ação de produção antecipada de provas era admitida exclusivamente com fundamento na urgência de sua produção. O atual diploma legal supera esse obstáculo ao permitir que a ação de produção antecipada de provas seja ajuizada no foro onde a prova deve ser realizada.

Não obstante tal faculdade, não nos parece ser eficiente que a ação de produção antecipada de provas seja distribuída no foro do domicílio do réu se a prova a ser produzida deva ser realizada em outro local. Se, por exemplo, o autor pretender a realização de uma prova pericial em um imóvel localizado em uma comarca e o réu residir em outra, o ajuizamento da ação de produção antecipada de provas no foro do domicílio do réu ensejará a expedição de carta precatória para a comarca em que a prova será produzida, se o pedido da sua produção for deferido, o que não parece haver muito sentido, mormente, se a produção da prova for fundamentada pela necessidade de sua produção urgentemente” (LUZ, Tatiana Tiberio. “Ação de produção antecipada de provas: princípios, hipóteses de cabimento e procedimento”. São Paulo: Revista dos Tribunais Thomson Reuters Brasil, 2025. p. 155).

Portanto, de qualquer ângulo que se examine a questão, seja à luz da jurisprudência ou da doutrina em seu estado da arte, é forçoso concluir que a decisão do STJ, de fazer prevalecer o foro do local onde está o objeto a ser periciado em detrimento do foro de eleição e do foro do domicílio do réu, merece aplausos e encontra-se irretocável. 

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil nas Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa (2015), da Universidade de Coimbra/IGC (2019) e da Universidade de Salamanca (2022). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil, com Pós Doutorado pela Unimar (2023/2024). Pós Doutorado em Direito Processual Civil na Universitá degli Studi di Messina (2024/2026). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial (2012) e Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). MBA em Economia pela USP (2026). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, USP-AASP e CEU-Law). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Chambers, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2025), tendo sido Vice Presidente nas gestões 2019/2024. Presidente da Comissão de Processo Empresarial do IASP (desde 2025). Presidente da Comissão de Processo Civil da OABSP-Pinheiros (desde 2013). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor de 2013 a 2023. Conselheiro da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb, Camagro e da Amcham. Membro do IBDP e do CBar. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do CFOAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021), Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021) e Presidente da Comissão de Direito de Energia do IASP (2013/2024).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).