CPC na prática

Multa cominatória deve ter como limite o valor da obrigação não cumprida?

André Pagani de Souza analisa a flexibilização da multa cominatória, destacando que o STJ permite sua revisão mesmo após vencida, desde que não gere enriquecimento sem causa.

22/5/2025

O § 1º do art. 536 do CPC estabelece que o juiz pode se valer da imposição de várias medidas de apoio para obrigar alguém ao cumprimento de uma obrigação de fazer e não fazer contra a própria vontade. Dentre elas está a multa cominatória (“astreinte”) utilizada como coerção para fazer com que o devedor cumpra uma obrigação de fazer ou não fazer algo. 

Tal multa é tão importante que é objeto de um artigo inteiro do CPC, o art. 537, que é dedicado a disciplinar vários aspectos da sua aplicação aos devedores de obrigação de fazer ou não fazer. Um dos aspectos mais controversos diz respeito ao valor da multa e a possibilidade de ela ser alterada pelo magistrado que a fixou. Os incisos I e II do § 1º do art. 537 do CPC tratam do assunto da seguinte forma:

“Art. 537

(...)

§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I - se tornou insuficiente ou excessiva;

II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento” (grifos nossos).

Pela interpretação literal do dispositivo acima transcrito, somente as multas que ainda não venceram podem ter o seu valor alterado para mais ou para menos, se elas se tornaram insuficientes ou excessivas, ou se o obrigado demonstrou parcial cumprimento superveniente da obrigação.

Analisar o comportamento do executado e do exequente é fundamental para se alterar o valor da multa. Não se pode tolerar o executado que descumpre ordens judiciais apostando na hipótese de se desvencilhar da multa no futuro, assim como é intolerável a desídia do exequente que apenas aguarda o tempo passar na expectativa de que as “astreintes” lhe proporcionem um enriquecimento sem causa1.

Recentemente, o STJ, por meio de julgado da sua 4ª turma, decidiu que não só a multa vencida pode ser alterada, mas também que ela pode ser reduzida se ultrapassar o limite da obrigação não cumprida. Veja-se, a propósito, a ementa do julgado:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. MULTA COMINATÓRIA. DESPROPORCIONALIDADE. REVISÃO. ESTIPULAÇÃO DE TETO PARA A COBRANÇA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO” (STJ, 4ª Turma, Resp 1604753/RS, rel. Min. João Otávio Noronha, v.u., deram parcial provimento, j. 07.05.2023, p. DJEn 12.05.2025).

Nesse julgado, o STJ decidiu que “A revisão do valor das astreintes deve considerar a importância do bem jurídico tutelado e a proporcionalidade em relação ao valor da obrigação principal, evitando enriquecimento sem causa”.

No caso concreto, a ré foi condenada à remoção de equipamentos e de limpeza de danos ambientais em imóvel destinado ao comércio de combustíveis. Porém, após acumulados mais de R$ 23.000.000,00 em multas, a ré ainda não tinha cumprido a obrigação! O Tribunal então entendeu por bem reduzir o valor da multa R$ 5.000.000,00. 

Diante disso, pergunta-se, pode o juiz reduzir o valor da multa? A resposta é positiva para o STJ, como aconteceu no caso acima ementado, não havendo em preclusão ou trânsito em julgado da decisão que fixa a multa. Porém, é preciso ter cautela em sua revisão, havendo situações em que, pelo comportamento do devedor ou até mesmo pelo valor da obrigação, é recomendável que o valor da multa não seja proporcional ao valor da obrigação. Se, por exemplo, uma empresa cobra mensalmente uma tarifa de um real de seus consumidores de maneira indevida, e estes requerem a suspensão da cobrança, a “astreinte” será ineficaz se for aplicada uma multa mensal do mesmo valor da empresa. O objetivo da multa é estimular o réu a cumprir a obrigação, de maneira que o valor da multa deve levar em consideração a situação financeira do devedor, o seu comportamento, o valor da obrigação e o comportamento do próprio credor, como exposto alhures. Desta forma, nos parece que andou mal o STJ ao asseverar que o valor da multa deve guardar proporcionalidade com o valor da obrigação. Nem sempre é o caso.

Afinal de contas, o objetivo do procedimento é fazer com que o devedor cumpra a obrigação, e, para isso, é preciso que ele seja instado para tanto, mediante a aplicação de multa que seja, inclusive, superior à obrigação. Ainda, seria uma distorção do instituto se o devedor se recusar a cumprir a obrigação e, ao final, for premiado com a redução da multa. Por isso, é importante observar os próximos julgados a respeito do tema.

____________

1 Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil, v. 3, 11ª edição, São Paulo, SaraivaJur, 2022, p. 554-560.

Veja a versão completa

Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil nas Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa (2015), da Universidade de Coimbra/IGC (2019) e da Universidade de Salamanca (2022). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil, com Pós Doutorado pela Unimar (2023/2024). Pós Doutorado em Direito Processual Civil na Universitá degli Studi di Messina (2024/2026). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial (2012) e Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). MBA em Economia pela USP (2026). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, USP-AASP e CEU-Law). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Chambers, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2025), tendo sido Vice Presidente nas gestões 2019/2024. Presidente da Comissão de Processo Empresarial do IASP (desde 2025). Presidente da Comissão de Processo Civil da OABSP-Pinheiros (desde 2013). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor de 2013 a 2023. Conselheiro da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb, Camagro e da Amcham. Membro do IBDP e do CBar. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do CFOAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021), Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021) e Presidente da Comissão de Direito de Energia do IASP (2013/2024).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).