CPC na prática

Esgotamento das tentativas de localização do réu para citação por edital

A coluna aborda a citação por edital à luz do art. 256, § 3º, do CPC e a discussão no STJ sobre a obrigatoriedade de requisição prévia de dados para localizar o réu.

27/6/2025

O inciso II do art. 256 do CPC estabelece que o réu será citado por edital “quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando”.

Por sua vez, o § 3º do mesmo dispositivo legal determina que “o réu será considerado em local ignorado ou incerto se infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos”.

Questão importante é saber se a requisição de informações sobre o endereço do réu em cadastros de órgãos públicos ou concessionárias de serviços públicos pelo juízo é obrigatória ou se trata apenas de uma possibilidade colocada pela lei ao alcance dos magistrados.

Em outras palavras, é obrigatória a consulta aos órgãos e concessionárias de serviços públicos antes de se declarar que o réu está em local ignorado ou incerto e promover a sua citação por edital?

É esta a pergunta que a Corte Especial do STJ se fez na sessão de julgamento do dia 8/4/2025 e proferiu decisão de afetação de tema repetitivo assim ementada:

“PROCESSO CIVIL. PROPOSTA DE AFETAÇÃO AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. CITAÇÃO POR EDITAL. REQUISITOS DO ART. 256, § 3º, DO CPC. ESGOTAMENTO DE DILIGÊNCIAS PARA LOCALIZAÇÃO DO RÉU. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAIS ATENDIDOS. MULTIPLICIDADE DE PROCESSOS. VERIFICADA. SUSPENSÃO NOS TRIBUNAIS DE 2º GRAU E NO STJ.

1. Preenchidos os requisitos de admissibilidade, bem como estando presentes os pressupostos de relevância e abrangência do tema em debate, deve ser mantida a indicação do presente recurso especial como representativo de controvérsia, consoante o disposto nos §§ 5º e 6º do art. 1.036 do CPC, c/c o inciso II do art. 256-E do Regimento Interno, a fim de que a controvérsia seja apreciada pela Corte Especial do STJ.

2. A tese representativa da controvérsia fica delimitada nos seguintes termos: "Definir, à luz do art. 256, § 3º, do CPC, se há obrigatoriedade de expedição de ofício a cadastros de órgãos públicos e concessionárias de serviços públicos para localizar o réu antes da citação por edital."

3. Determinada a suspensão dos processos em trâmite nos tribunais de segunda instância ou no STJ, devendo-se adotar, no último caso, a providência prescrita no art. 256-L do RISTJ.

4. Proposta de afetação acolhida.

(ProAfR no REsp 2.166.983/AP, relator ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 8/4/2025, DJEN de 12/6/2025.)”.

Trata-se de providência tomada pela Corte Especial do STJ em boa hora, enquadrando-se a questão no Tema Repetitivo 1.338. Assim, com a decisão de afetação acima referida, foi determinada a suspensão dos processos em trâmite em segunda instância e no próprio STJ até que se resolva a questão.

Como se saber, a citação editalícia é medida de caráter excepcional, pois se trata de modalidade ficta de se praticar um dos atos mais importantes e solenes do processo.

De acordo com o art. 238, do CPC, “citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual”. É por meio da citação que alguém fica sabendo que algo contra ela está sendo pedido em juízo e passa a integrar o processo.

Por tal razão, a modalidade ficta.

É por meio da citação que a parte.

A citação editalícia é medida de caráter excepcional, tendo o CPC/2015 aprimorado a regulamentação da matéria ao dispor sobre a necessidade de que o juízo requisite informações sobre o endereço da parte nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos.

É possível a conversão de pedido de reintegração de posse em “ação de execução” quanto o veículo automotor objeto de contrato de arrendamento mercantil (“leasing”) não é localizado. Foi o que decidiu a 3ª Turma do STJ, por votação unânime, nos autos do RE 1.785.544/RJ, em julgamento realizado em 21/6/2022.

Como se sabe, duas modalidades bastante utilizadas para possibilitar a aquisição de bens consistentes em veículos automotores de maneira financiada são o contrato de alienação fiduciária e o contrato de arrendamento mercantil, também conhecido como “leasing”.

Na hipótese da alienação fiduciária, caso ocorra o inadimplemento do devedor no que diz respeito ao pagamento das parcelas pactuadas para obtenção do financiamento, o credor pode recuperar fisicamente o bem mediante o ajuizamento de “ação de busca e apreensão”, nos termos do art. 3º, do decreto lei 911/1969, com a redação conferida pela lei 13.043/14, que dispõe o seguinte:

“Art. 3º O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2º do art. 2º, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário”.

Caso o bem não seja encontrado no curso da “ação de busca e apreensão”, o art. 4º, do decreto lei 911/1969, estabelece expressamente que o credor pode pedir a conversão da “ação de busca e apreensão” em “ação de execução”. Confira-se:

“Art. 4º Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, fica facultado ao credor requerer, nos mesmos autos, a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva, na forma prevista no Capítulo II do Livro II da lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - CPC. (Redação dada pela lei 13.043, de 2014)”.

Já no caso do arrendamento mercantil (“leasing”), na hipótese de inadimplemento do devedor, cabe ao credor propor “ação de reintegração de posse” para recuperar fisicamente o bem objeto do contrato disciplinado lei 6.099/1974.

Sem dúvida, existia um tratamento diferenciado conferido pela lei no que diz respeito ao procedimento para o credor retomar o bem objeto do financiamento dependendo da espécie contratual adotada para viabilizar o negócio: alienação fiduciária ou arrendamento mercantil.

Em 2014, a lei 13.043, do mesmo ano, inseriu o § 15 no art. 3º do decreto lei 911/1969, que versa exatamente sobre a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente em garantia na hipótese de inadimplemento do devedor, com o seguinte teor:

“§ 15.  As disposições deste artigo aplicam-se no caso de reintegração de posse de veículos referente às operações de arrendamento mercantil previstas na lei no 6.099, de 12 de setembro de 1974.”

Em outras palavras, o dispositivo legal acima transcrito autorizou expressamente a aplicação das normas procedimentais previstas para a alienação fiduciária em garantia de veículos automotores aos casos de reintegração de posse referentes às operações de arrendamento mercantil desses bens.

Portanto, em decisão irretocável, o STJ entendeu que é válida a extensão das normas previstas no decreto lei 911/1969, que trata da alienação fiduciária, às hipóteses de reintegração de posse de veículos que foram objeto de contrato de arrendamento mercantil, também conhecido como “leasing”. Veja-se, a propósito, a ementa do julgado:

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ARRENDAMENTO MERCANTIL. INADIMPLEMENTO. LIMINAR DEFERIDA. VEÍCULO NÃO LOCALIZADO. CONVERSÃO EM AÇÃO DE EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. ART. 4º DO DECRETO LEI 911/1969. APLICABILIDADE.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC de 2015 (Enunciados Administrativos 2 e 3/STJ).

2. Cuida-se, na origem de ação de reintegração de posse que objetiva a retomada de veículo em virtude do inadimplemento de contrato de arrendamento mercantil. O pedido de conversão da ação em processo executivo em virtude da não localização do bem foi indeferido, tendo sido extinto o processo sem resolução de mérito.

3. Cinge-se a controvérsia a definir se, diante da não localização do bem objeto do contrato de arrendamento mercantil, é possível a conversão do pedido de reintegração de posse em ação de execução, por aplicação analógica do decreto lei 911/1969 que estabelece normas de processo acerca de alienação fiduciária.

4. A jurisprudência do STJ traçou orientação no sentido de que, em ação de busca e apreensão processada sob o rito do decreto lei 911/1969, o credor tem a faculdade de requerer a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva se o bem não for encontrado ou não se achar na posse do devedor (art. 4º).

5. A lei 13.043/14, que trouxe modificações no decreto lei 11/1969, autoriza a aplicação das normas procedimentais previstas para a alienação fiduciária aos casos de reintegração de posse de veículos referentes às operações de arrendamento mercantil (lei 6.099/1974).

6. Recurso especial provido. (REsp 1.785.544/RJ, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 24/6/2022)”.

Assim, diante da não localização do veículo automotor objeto do contrato de arrendamento mercantil, é possível a conversão do pedido de reintegração de posse em ação de execução, por aplicação analógica do decreto lei 911/1969 que estabelece normas de processo acerca de alienação fiduciária. Trata-se da uma decisão acertada da 3ª turma do STJ, que equipara o procedimento a ser adotado para situações muito parecidas, em harmonia com a jurisprudência recente da Corte.

Veja a versão completa

Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil nas Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa (2015), da Universidade de Coimbra/IGC (2019) e da Universidade de Salamanca (2022). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil, com Pós Doutorado pela Unimar (2023/2024). Pós Doutorado em Direito Processual Civil na Universitá degli Studi di Messina (2024/2026). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial (2012) e Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). MBA em Economia pela USP (2026). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, USP-AASP e CEU-Law). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Chambers, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2025), tendo sido Vice Presidente nas gestões 2019/2024. Presidente da Comissão de Processo Empresarial do IASP (desde 2025). Presidente da Comissão de Processo Civil da OABSP-Pinheiros (desde 2013). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor de 2013 a 2023. Conselheiro da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb, Camagro e da Amcham. Membro do IBDP e do CBar. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do CFOAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021), Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021) e Presidente da Comissão de Direito de Energia do IASP (2013/2024).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).