CPC na prática

O § 15 do art. 525 e o § 8.º do art. 535 do CPC, a reabertura do prazo para o ajuizamento de ação rescisória e a segurança jurídica

A coluna aborda a crescente flexibilização da coisa julgada, destacando decisões do STF e dispositivos do CPC/15 que ampliam a possibilidade de ações rescisórias.

8/8/2025

A coisa julgada, que já teve papel central no nosso ordenamento1, vem pouco a pouco perdendo importância. A relativização da coisa julgada é fenômeno antigo2, mas o que se tem visto atualmente é praticamente o fim do instituto.

Nas relações tributárias de trato sucessivo, o STF praticamente acabou com a coisa julgada, sendo que nem é mais necessário o ajuizamento de ação rescisória para tal fim3.

Já o CPC de 2015 previu a possibilidade de reabertura do prazo para o ajuizamento de ação rescisória. De fato, o § 15 do art. 525 e o § 8.º do art. 535 do CPC preveem que o prazo de dois anos para o ajuizamento de ação rescisória pode ser reaberto e será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF em sentido contrário à transitada em julgado4. Tal previsão ao privilegiar os precedentes, a uniformidade e a isonomia acabou criando muita insegurança jurídica5, já que após o CPC/15 podemos ter rescisórias ajuizadas dez, vinte anos após o trânsito em julgado6, bastando que o STF decida de forma contrária ao decidido na decisão transitada em julgado.

Ao julgar o Tema 360, o STF entendeu inadmissível a rescisão de julgado fundado em interpretação legal posteriormente considerada inconstitucional, por entender que tal possibilidade comprometeria a estabilidade da coisa julgada. Segundo esse entendimento, só seria possível o reconhecimento dessa constitucionalidade ou inconstitucionalidade se tiver decorrido de julgamento do STF realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda.

Recentemente, o Plenário do STF alterou substancialmente o seu entendimento anterior e na questão de ordem na AR 28767 fixou as seguintes teses:

"O § 15 do art. 525 e o § 8º do art. 535 do CPC devem ser interpretados conforme à Constituição, com efeitos ex nunc, no seguinte sentido, com a declaração incidental de inconstitucionalidade do § 14 do art. 525 e do § 7º do art. 535:

1. Em cada caso, o STF poderá definir os efeitos temporais de seus precedentes vinculantes e sua repercussão sobre a coisa julgada, estabelecendo inclusive a extensão da retroação para fins da ação rescisória ou mesmo o seu não cabimento diante do grave risco de lesão à segurança jurídica ou ao interesse social.

2. Na ausência de manifestação expressa, os efeitos retroativos de eventual rescisão não excederão cinco anos da data do ajuizamento da ação rescisória, a qual deverá ser proposta no prazo decadencial de dois anos contados do trânsito em julgado da decisão do STF.

3. O interessado poderá apresentar a arguição de inexigibilidade do título executivo judicial amparado em norma jurídica ou interpretação jurisdicional considerada inconstitucional pelo STF, seja a decisão do STF anterior ou posterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda, salvo preclusão (CPC, arts. 525, caput, e 535, caput)"

Não ocorreu a publicação dos votos de tal julgado, entretanto, tivemos mais uma grande flexibilização da coisa julgada e não foi fixada uma regra, sendo decidido caso a caso, o que acaba gerando mais insegurança jurídica e pode dar ensejo a casuísmos.

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1 Segundo o ministro Luiz Fux “Nosso estimado Barbosa Moreira, dizia, repisando antigos juristas - Chiovenda, Calamandrei, Carnelutti - que, no altar-mor da catedral do processo, situa-se a coisa julgada. A coisa julgada está prevista como um dos direitos fundamentais do cidadão e, a fortiori, do contribuinte, como intangível, imodificável.” (RE nº 955227 ED-SEGUNDOS / BA).

2 DINAMARCO, Candido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista da Escola Paulista da Magistratura, v. 2, n. 2, p. 7-45, 2001.

3 Temas 881 e 885 do STF: “1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo. 2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.”

4 O professor José Rogério Cruz e Tucci adverte que tais dispositivos “colocam em xeque a segurança jurídica, uma vez que o pronunciamento da excelsa Corte pode sobrevir muitos anos após o trânsito em julgado” (Comentários ao art. 525. In: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHA Revista dos Tribunais Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. t. VIII, p. 307).

5 Logo após a entrada em vigor do CPC/15 eu e o professor Elias Marques de Medeiros Neto defendemos que o “Novo CPC nos artigos 525, § 15 e 535, § 8º é uma inovação em nosso ordenamento e vai de encontro à jurisprudência de nossos Tribunais Superiores, que desde sempre entenderam que por mais importante que fossem as decisões do STF, essas não atingiriam as sentenças transitadas em julgado anteriormente ao julgamento dos paradigmas.

Eventual mudança no entendimento de nossa mais alta Corte sobre determinada matéria não seria apta a alterar todas as decisões que transitaram em julgado anteriormente ao novo paradigma. Tal entendimento sempre demonstrou a importância do instituto da coisa julgada em nosso ordenamento e prestigiou a segurança jurídica dos demandantes, com a pacificação almejada pelo processo e evitando-se a eternização dos litígios.

Tendo os arts. 525, § 15 e 535, § 8º do Novo Código de Processo Civil colidido com os institutos da coisa julgada e da segurança jurídica, e padecendo as referidas inovações de vício formal em sua tramitação legislativa, é de se esperar que o próprio legislativo reveja essa inclusão extemporânea da previsão quanto à reabertura do prazo para o ajuizamento de ação rescisória, senão certamente o Poder Judiciário o fará.” (“O § 15 do art. 525 e o § 8.º do Art. 535 do Novo CPC: Considerações sobre a reabertura do prazo para o ajuizamento de Ação Rescisória e a Segurança Jurídica”, in Revista de Processo nº 262/2016).

6 Welder Queiroz dos Santos defende que o prazo máximo deveria ser de cinco anos: “Embora a literalidade da previsão de o prazo decadencial iniciar com o trânsito em julgado da decisão do STF seja materialmente inconstitucional, por incompatibilidade com os direitos fundamentais à segurança jurídica e à coisa julgada, o § 15 do art. 525 e o § 8º do art. 535 do CPC devem ser interpretados conforme a Constituição para admitir o cabimento de ação rescisória para desconstituição de coisa julgada inconstitucional “cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”, mas limitado ao prazo máximo de cinco anos, contado do trânsito em julgado da última decisão referente à questão sobre a qual versa a ação rescisória.” (“Ação Rescisória por Violação à Norma Jurídica Constitucional: O § 15 do art. 525 e o § 8º do art. 535 Do CPC”, in Revista de Processo nº 320/2021). O prazo de cinco anos proposto pelo Autor é semelhante ao do art. 975, §2º, do CPC (rescisória fundada em descoberta de prova nova).

7 Uma análise mais completa do julgamento, que não é o objetivo dessa coluna, pode ser obtida no texto do professor José Henrique Mouta no próprio site Migalhas. Disponível aqui.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil nas Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa (2015), da Universidade de Coimbra/IGC (2019) e da Universidade de Salamanca (2022). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil, com Pós Doutorado pela Unimar (2023/2024). Pós Doutorado em Direito Processual Civil na Universitá degli Studi di Messina (2024/2026). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial (2012) e Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). MBA em Economia pela USP (2026). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, USP-AASP e CEU-Law). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Chambers, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2025), tendo sido Vice Presidente nas gestões 2019/2024. Presidente da Comissão de Processo Empresarial do IASP (desde 2025). Presidente da Comissão de Processo Civil da OABSP-Pinheiros (desde 2013). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor de 2013 a 2023. Conselheiro da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb, Camagro e da Amcham. Membro do IBDP e do CBar. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do CFOAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021), Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021) e Presidente da Comissão de Direito de Energia do IASP (2013/2024).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).