CPC na prática

Tema repetitivo 1.306 do STJ e a fundamentação por referência

A coluna aborda o julgamento do STJ sobre a fundamentação por referência, suas teses fixadas, benefícios à celeridade e riscos à garantia constitucional.

29/8/2025

Como se sabe, a fundamentação por referência (ou “per relationem”) constitui uma técnica utilizada por magistrados em seus pronunciamentos judiciais mediante a qual é incorporada à decisão os fundamentos determinantes de outro julgado, parecer ou documento.

Muito se discute acerca da compatibilidade desta técnica com os comandos do art. 93, inciso IX, da CF e o do art. 489, § 1º, do CPC, que impõem ao magistrado o dever de fundamentar todas as suas decisões.

Tanto isso é verdade que, recentemente, a Corte Especial do STJ, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, fixou duas teses sobre o uso da fundamentação por referência em decisões judiciais (Tema 1.306), a saber:

“1) A técnica da fundamentação por referência (per relationem) é permitida desde que o julgador, ao reproduzir trechos de decisão anterior, documento e/ou parecer como razões de decidir, enfrente, ainda que de forma sucinta, as novas questões relevantes para o julgamento do processo, dispensada a análise pormenorizada de cada uma das alegações ou provas.

2) A reprodução dos fundamentos da decisão agravada como razões de decidir para negar provimento ao agravo interno, na hipótese do parágrafo 3º do art. 1.021 do CPC, é admitida quando a parte deixa de apresentar argumento novo e relevante a ser apreciado pelo colegiado”.

Com efeito, conforme mencionado pelo relator, o min. Luís Felipe Salomão, é um direito do jurisdicionado (da parte em um processo) ter a decisão devidamente fundamentada (CF, art. 93, inciso IX; CPC, art. 489, § 1º). Por meio da fundamentação é que se viabiliza o controle da decisão dentro do processo (interno), via recursos que são interpostos e possibilitam a reanálise do pronunciamento judicial pelo Poder Judiciário pelas instâncias superiores.  Também há um controle externo exercido pela sociedade sobre as decisões judiciais, que apenas será possível se as decisões forem devidamente fundamentadas.

As duas teses fixadas pelo STJ acima referidas são importantes porque facilitam o trabalho dos magistrados que já estão com volume de trabalho excessivo e ajudam a dar vazão à avalanche de processos que inundam todos os tribunais da federação. Mas a sua aplicação no futuro é motivo de preocupação.

Por exemplo, é interessante saber como se comportará daqui em diante o Poder Judiciário ao aplicar o inciso IV do § 1º do art. 489 do CPC, que estabelece que não se considera fundamentada a decisão que “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”. Será que a fundamentação por referência dará conta de enfrentar todos os argumentos capazes de infirmar as conclusões adotadas pelo magistrado? Usar a fundamentação de uma decisão para outra nem sempre dá conta cumprir o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais, considerando que nem sempre um processo é igual ao outro.

Outra questão inquietante é saber como será compatibilizado o disposto no art. 371, do CPC, com o Tema repetitivo 1.306, do STJ. Ou seja, o juiz deve apreciar a prova constante dos autos, independentemente de quem a tenha produzido, e “indicará na decisão as razões de formação de seu convencimento”. Como o juiz apreciará a prova de um processo e decidirá com fundamentação “por referência” aos fundamentos da decisão proferida em outro processo?

Enfim, o futuro dirá como as duas admiráveis teses firmadas pelo Tema repetitivo 1.306, do STJ, serão utilizadas pelo Poder Judiciário para cumprir seu dever de fundamentar todas as decisões. Se bem utilizadas, sem dúvida, as teses servirão de auxílio para lidar com o excessivo volume de processos que abarrota o Poder Judiciário. Por outro lado, se mal aplicadas, haverá o risco de violação ao art. 93, inciso IX, da CF, do art. 489, § 1º, e do art. 371, do CPC, só para citar alguns riscos.

Aguardemos as “cenas dos próximos capítulos”.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil nas Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa (2015), da Universidade de Coimbra/IGC (2019) e da Universidade de Salamanca (2022). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil, com Pós Doutorado pela Unimar (2023/2024). Pós Doutorado em Direito Processual Civil na Universitá degli Studi di Messina (2024/2026). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial (2012) e Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). MBA em Economia pela USP (2026). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, USP-AASP e CEU-Law). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Chambers, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2025), tendo sido Vice Presidente nas gestões 2019/2024. Presidente da Comissão de Processo Empresarial do IASP (desde 2025). Presidente da Comissão de Processo Civil da OABSP-Pinheiros (desde 2013). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor de 2013 a 2023. Conselheiro da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb, Camagro e da Amcham. Membro do IBDP e do CBar. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do CFOAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021), Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021) e Presidente da Comissão de Direito de Energia do IASP (2013/2024).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).