A transação tributária vem tendo uma grande evolução, sendo que o Fisco e os Contribuintes transacionam o final de discussões administrativas e judiciais para que os débitos sejam quitados em condições especiais, podendo ocorrer abatimentos de multa, correção monetária, juros e mesmo o pagamento em um maior número de parcelas.
Nesses acordos quase sempre é exigido que os Contribuintes desistam das ações judiciais que questionam o crédito tributário e renunciem ao direito em que se fundam as ações. O contribuinte precisa sempre ficar atento na legislação que instituiu a transação/pagamento incentivado para verificar se há previsão de pagamento de honorários sucumbenciais nessas ações judiciais.
A regra do art. 90 do CPC/15 é que “Proferida sentença com fundamento em desistência, em renúncia ou em reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu.”
Entretanto, nos casos em que o pedido de desistência é obrigatório e não há a previsão de pagamento de honorários advocatícios na lei que concedeu o benefício aos contribuintes, existem julgados do STJ entendendo que não deve haver a condenação em honorários advocatícios:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RENÚNCIA PARA FINS DE ADESÃO A TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA. SILÊNCIO DA LEGISLAÇÃO DA TRANSAÇÃO. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS COM BASE NO ARTIGO 90 DO CPC. NÃO CABIMENTO. PROVIMENTO NEGADO.
1. Na realização da transação tributária, é clara a supremacia da Fazenda Nacional na celebração da transação, ao fixar suas condições no edital que a parte aderirá ou não. Não há negociação e sim o aceite ou não pelo administrado/contribuinte das condições impostas, ou seja, não há horizontalidade na relação.
2. A lei 13.988/20 é omissa a respeito da incidência dos honorários advocatícios na renúncia, pelo contribuinte, ao direito discutido nas ações judiciais nas quais o valor transacionado está sendo discutido.
3. A renúncia não é totalmente voluntária. É uma condição para a realização da transação a que o contribuinte aderiu. A situação foge ao que ordinariamente se encontra, e não se pode aplicar a regra do CPC/15 de forma subsidiária. Aplica-se o art. 171 do CTN:
somente valem as condições expressas na lei.
4. A transação tem natureza jurídica, também, de novação, uma vez que o crédito tributário cobrado pela Fazenda Pública é substituído pelo acordo oriundo da transação que, consequentemente, extinguirá o crédito tributário.
5. Sem previsão na legislação que instituiu as condições da transação, a Fazenda Pública não pode cobrar honorários sem violar os princípios da segurança jurídica, da boa-fé do administrado e da proteção da confiança.
6. O silêncio da norma quanto à incidência de honorários advocatícios não permite a aplicação do art. 90 do CPC/15 ao caso.
7. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 2.032.814/RS, relator ministro Gurgel de Faria, relator para acórdão ministro Paulo Sérgio Domingues, 1ª turma, julgado em 10/6/2025, DJEN de 30/6/2025.)
Do voto vencedor do ministro Paulo Sérgio Domingues podemos extrair os seguintes trechos:
“Para iniciar a abordagem, lembro aqui alguns princípios que devem reger as relações da Administração Pública, no caso a Fazenda Nacional, com os administrados, no caso, os contribuintes que aderem à transação.
O primeiro princípio para o qual chamo atenção é o da boa-fé objetiva. Ao aderir à transação, cujo instrumento segue a legislação regente, entende a parte contribuinte que os valores pagos ou parcelados na transação constituem o total a ser desembolsado quanto àqueles débitos.
A transação apresenta verdadeira novação em relação ao crédito tributário que estava sendo discutido judicialmente. Toma-se o valor do crédito, divide-se pelo número de parcelas, e eis o valor que será cobrado do contribuinte.
Não é possível admitir que, após a transação, se venha a incluir no montante transacionado novos valores não previstos na lei que a instituiu nem no edital com o qual o contribuinte concordou.
A cobrança de honorários advocatícios não previstos no instrumento de transação - elaborado pela própria Fazenda Nacional - viola os princípios da boa-fé e da não-surpresa.
Nessa esteira de raciocínio está o venire contra factum proprium, implícito na cláusula geral da boa-fé objetiva, pois não há previsão de honorários na lei que rege a matéria nem na Portaria da transação elaborada pela própria Fazenda Nacional.
Assim, não cabe a ela requerer ao Poder Judiciário que supra uma lacuna que ela mesma criou.
Não se trata aqui de negar vigência ao art. 90 do CPC/15, que versa sobre a incidência de honorários sucumbenciais em caso de renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação.”
(...)
“O silêncio da norma quanto à aplicação de honorários advocatícios não permite, ao meu ver, a aplicação do art. 90 do CPC/15 ao caso, pelas razões já expostas.”
Cumpre registrar que o STJ possui muitos outros julgados afastando a cobrança de honorários em casos de transação em que a parte é obrigada a desistir das ações judiciais:
“PROCESSUAL – DESISTÊNCIA – ADESÃO AO REFIS – HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA – TRANSIGÊNCIA – CPC, ART. 26, § 2º.
Quando o contribuinte desiste dos embargos à execução, em troca de sua admissão no Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, ele não está desistindo, mas transigindo. Por isso, não deve ser condenado ao pagamento de honorários de sucumbência. Na hipótese incide o art. 26, § 2º do CPC, a determinar que cada um dos transigentes arque com os honorários dos respectivos patronos.”
(REsp 462.618/SC, rel. min. Humberto Gomes de Barros, 1ª turma, em 27/5/03, DJ 23/6/03, p. 253).
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DESISTÊNCIA DA AÇÃO COMO CONDIÇÃO PARA ADESÃO AO REFIS. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO.
Nos casos de desistência da ação pelo contribuinte, como condição necessária para a sua adesão ao REFIS, incabível a condenação em honorários advocatícios.
Agravo regimental improvido.”
(AgRg no REsp 422.734/GO, relator ministro Paulo Medina, 1ª turma, julgado em 25/2/03, DJ de 14/4/03, p. 185.)
Entretanto, a discussão não está pacificada, sendo que o STJ afetou a discussão para julgamento pela 1ª seção, sendo que a questão submetida a julgamento no Tema 1.317 é a seguinte: “Definir se, à luz do CPC, é cabível a condenação do contribuinte em honorários advocatícios sucumbenciais em embargos à execução fiscal extintos com fundamento na desistência ou na renúncia de direito manifestada para fins de adesão a programa de recuperação fiscal, em que já inserida a cobrança de verba honorária no âmbito administrativo.”
Portanto, enquanto não temos decisão vinculante do STJ sobre o tema, cabe aos contribuintes analisarem detidamente as condições das transações e/ou pagamentos incentivados que são oferecidas pelo Fisco, eis que muitas vezes a sucumbência imposta nas ações judiciais nas quais se é obrigado a desistir pode ser superior ao valor pago com benefícios para quitar o débito tributário.