CPC na prática

A desistência obrigatória da ação judicial em virtude da transação tributária e a condenação em honorários advocatícios

A coluna aborda os limites da cobrança de honorários em transações tributárias e a proteção do contribuinte diante da boa-fé e das regras do STJ.

11/9/2025

A transação tributária vem tendo uma grande evolução, sendo que o Fisco e os Contribuintes transacionam o final de discussões administrativas e judiciais para que os débitos sejam quitados em condições especiais, podendo ocorrer abatimentos de multa, correção monetária, juros e mesmo o pagamento em um maior número de parcelas.

Nesses acordos quase sempre é exigido que os Contribuintes desistam das ações judiciais que questionam o crédito tributário e renunciem ao direito em que se fundam as ações. O contribuinte precisa sempre ficar atento na legislação que instituiu a transação/pagamento incentivado para verificar se há previsão de pagamento de honorários sucumbenciais nessas ações judiciais.

A regra do art. 90 do CPC/15 é que “Proferida sentença com fundamento em desistência, em renúncia ou em reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu.”

Entretanto, nos casos em que o pedido de desistência é obrigatório e não há a previsão de pagamento de honorários advocatícios na lei que concedeu o benefício aos contribuintes, existem julgados do STJ entendendo que não deve haver a condenação em honorários advocatícios:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RENÚNCIA PARA FINS DE ADESÃO A TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA. SILÊNCIO DA LEGISLAÇÃO DA TRANSAÇÃO. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS COM BASE NO ARTIGO 90 DO CPC. NÃO CABIMENTO. PROVIMENTO NEGADO.

1. Na realização da transação tributária, é clara a supremacia da Fazenda Nacional na celebração da transação, ao fixar suas condições no edital que a parte aderirá ou não. Não há negociação e sim o aceite ou não pelo administrado/contribuinte das condições impostas, ou seja, não há horizontalidade na relação.

2. A lei 13.988/20 é omissa a respeito da incidência dos honorários advocatícios na renúncia, pelo contribuinte, ao direito discutido nas ações judiciais nas quais o valor transacionado está sendo discutido.

3. A renúncia não é totalmente voluntária. É uma condição para a realização da transação a que o contribuinte aderiu. A situação foge ao que ordinariamente se encontra, e não se pode aplicar a regra do CPC/15 de forma subsidiária. Aplica-se o art. 171 do CTN:

somente valem as condições expressas na lei.

4. A transação tem natureza jurídica, também, de novação, uma vez que o crédito tributário cobrado pela Fazenda Pública é substituído pelo acordo oriundo da transação que, consequentemente, extinguirá o crédito tributário.

5. Sem previsão na legislação que instituiu as condições da transação, a Fazenda Pública não pode cobrar honorários sem violar os princípios da segurança jurídica, da boa-fé do administrado e da proteção da confiança.

6. O silêncio da norma quanto à incidência de honorários advocatícios não permite a aplicação do art. 90 do CPC/15 ao caso.

7. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 2.032.814/RS, relator ministro Gurgel de Faria, relator para acórdão ministro Paulo Sérgio Domingues, 1ª turma, julgado em 10/6/2025, DJEN de 30/6/2025.)

Do voto vencedor do ministro Paulo Sérgio Domingues podemos extrair os seguintes trechos:

“Para iniciar a abordagem, lembro aqui alguns princípios que devem reger as relações da Administração Pública, no caso a Fazenda Nacional, com os administrados, no caso, os contribuintes que aderem à transação.

O primeiro princípio para o qual chamo atenção é o da boa-fé objetiva. Ao aderir à transação, cujo instrumento segue a legislação regente, entende a parte contribuinte que os valores pagos ou parcelados na transação constituem o total a ser desembolsado quanto àqueles débitos.

A transação apresenta verdadeira novação em relação ao crédito tributário que estava sendo discutido judicialmente. Toma-se o valor do crédito, divide-se pelo número de parcelas, e eis o valor que será cobrado do contribuinte.

Não é possível admitir que, após a transação, se venha a incluir no montante transacionado novos valores não previstos na lei que a instituiu nem no edital com o qual o contribuinte concordou.

A cobrança de honorários advocatícios não previstos no instrumento de transação - elaborado pela própria Fazenda Nacional - viola os princípios da boa-fé e da não-surpresa.

Nessa esteira de raciocínio está o venire contra factum proprium, implícito na cláusula geral da boa-fé objetiva, pois não há previsão de honorários na lei que rege a matéria nem na Portaria da transação elaborada pela própria Fazenda Nacional.

Assim, não cabe a ela requerer ao Poder Judiciário que supra uma lacuna que ela mesma criou.

Não se trata aqui de negar vigência ao art. 90 do CPC/15, que versa sobre a incidência de honorários sucumbenciais em caso de renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação.”

(...)

“O silêncio da norma quanto à aplicação de honorários advocatícios não permite, ao meu ver, a aplicação do art. 90 do CPC/15 ao caso, pelas razões já expostas.”

Cumpre registrar que o STJ possui muitos outros julgados afastando a cobrança de honorários em casos de transação em que a parte é obrigada a desistir das ações judiciais:

“PROCESSUAL – DESISTÊNCIA – ADESÃO AO REFIS – HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA – TRANSIGÊNCIA – CPC, ART. 26, § 2º.

Quando o contribuinte desiste dos embargos à execução, em troca de sua admissão no Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, ele não está desistindo, mas transigindo. Por isso, não deve ser condenado ao pagamento de honorários de sucumbência. Na hipótese incide o art. 26, § 2º do CPC, a determinar que cada um dos transigentes arque com os honorários dos respectivos patronos.”

(REsp 462.618/SC, rel. min. Humberto Gomes de Barros, 1ª turma, em 27/5/03, DJ 23/6/03, p. 253).

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DESISTÊNCIA DA AÇÃO COMO CONDIÇÃO PARA ADESÃO AO REFIS. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO.

Nos casos de desistência da ação pelo contribuinte, como condição necessária para a sua adesão ao REFIS, incabível a condenação em honorários advocatícios.

Agravo regimental improvido.”

(AgRg no REsp 422.734/GO, relator ministro Paulo Medina, 1ª turma, julgado em 25/2/03, DJ de 14/4/03, p. 185.)

Entretanto, a discussão não está pacificada, sendo que o STJ afetou a discussão para julgamento pela 1ª seção, sendo que a questão submetida a julgamento no Tema 1.317 é a seguinte: “Definir se, à luz do CPC, é cabível a condenação do contribuinte em honorários advocatícios sucumbenciais em embargos à execução fiscal extintos com fundamento na desistência ou na renúncia de direito manifestada para fins de adesão a programa de recuperação fiscal, em que já inserida a cobrança de verba honorária no âmbito administrativo.”

Portanto, enquanto não temos decisão vinculante do STJ sobre o tema, cabe aos contribuintes analisarem detidamente as condições das transações e/ou pagamentos incentivados que são oferecidas pelo Fisco, eis que muitas vezes a sucumbência imposta nas ações judiciais nas quais se é obrigado a desistir pode ser superior ao valor pago com benefícios para quitar o débito tributário.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil nas Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa (2015), da Universidade de Coimbra/IGC (2019) e da Universidade de Salamanca (2022). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil, com Pós Doutorado pela Unimar (2023/2024). Pós Doutorado em Direito Processual Civil na Universitá degli Studi di Messina (2024/2026). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial (2012) e Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). MBA em Economia pela USP (2026). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, USP-AASP e CEU-Law). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Chambers, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2025), tendo sido Vice Presidente nas gestões 2019/2024. Presidente da Comissão de Processo Empresarial do IASP (desde 2025). Presidente da Comissão de Processo Civil da OABSP-Pinheiros (desde 2013). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor de 2013 a 2023. Conselheiro da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb, Camagro e da Amcham. Membro do IBDP e do CBar. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do CFOAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021), Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021) e Presidente da Comissão de Direito de Energia do IASP (2013/2024).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).