CPC na prática

Cláusula compromissória em título executivo não obsta, por si só, a execução

O professor André Pagani de Souza explica que a cláusula compromissória não impede a execução do título extrajudicial. Sem arbitragem em curso, o processo segue e a suspensão só ocorre se ela já estiver iniciada.

26/9/2025

Como se sabe, em processo de conhecimento, cabe ao réu alegar em contestação a existência de convenção de arbitragem, conforme art. 337, inciso X, do CPC. Se isso for feito, deve o juízo extinguir o processo sem resolver o mérito nos termos do art. 485, inciso VII, do CPC.

Sem a provocação do réu, o juiz não pode conhecer acerca da existência de convenção de arbitragem e, caso não seja mencionada pela defesa, presume-se a aceitação da jurisdição estatal e a renúncia ao juízo arbitral (CPC, art. 337, § § 5º e 6º).

Em processo de execução, tais dispositivos não incidem da mesma maneira e sequer podem conduzir à extinção da execução sem uma análise mais profunda das alegações do executado. Em outras palavras, a simples existência de convenção de arbitragem em contrato que também é título executivo (por exemplo, um contrato assinado pelo devedor e duas testemunhas, nos termos do art. 784, inciso III, do CPC) não impede o ajuizamento de uma execução.

O resultado prático das assertivas feitas acima é que, se o credor de uma obrigação constante de um instrumento contratual assinado pelo devedor e duas testemunhas se deparar com o inadimplemento de uma obrigação do devedor, ele poderá ajuizar processo de execução fundado em título extrajudicial contra este último.

O devedor, uma vez citado na execução, poderá se defender por meio de embargos à execução mas, a simples existência de convenção de arbitragem (que pode ser uma cláusula compromissória) não é o suficiente para obstar a execução ou fazer com que o juízo julgue extinto o processo sem resolução de mérito com base no art. 485, inciso VII, do CPC.

Por óbvio, se houver arbitragem instaurada e se for objeto do processo arbitral a decisão sobre o cumprimento ou não de uma obrigação constante do título executivo que está sendo executado, a execução deve ser suspensa, pois o árbitro ou tribunal arbitral serão os competentes para decidir sobre questões que digam respeito à existência, constituição, existência ou extinção do crédito (REsp 1.949.566/SP, 4ª turma, Dje 19/10/21).

Nesse caso, havendo processo arbitral em curso, a suspensão a pedido do executado seria por evidente prejudicialidade entre a arbitragem e o processo de execução do título executivo extrajudicial que contém cláusula compromissória (CPC, art. 919, § 1º). Nesse sentido, o STJ assim se manifestou em julgado recente:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE FORNECIMENTO DE PRODUTOS ALIMENTÍCIOS. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. DETERMINAÇÃO DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO ATÉ O PRONUNCIAMENTO DO JUÍZO ARBITRAL.

 I CASO EM EXAME

1. Embargos à execução ajuizados em 28/01/2021, dos quais foi extraído o presente recurso especial, interposto em 07/05/2024 e concluso ao gabinete em 07/11/2024.

2. Na hipótese, o Tribunal de origem determinou a suspensão da execução, à espera do pronunciamento do juízo arbitral acerca da higidez do título executivo.

 II QUESTÃO EM DISCUSSÃO

3. O propósito recursal consiste em determinar (I) se houve negativa de prestação jurisdicional; (II) se é possível o prosseguimento da ação de execução mesmo diante da ausência de pronunciamento do juízo arbitral acerca do contrato que a instrumentaliza, considerando a pactuação de cláusula compromissória arbitral.

 III RAZÕES DE DECIDIR

4. Não há ofensa aos artigos 489 e 1.022 do Código de Processo Civil quando o Tribunal de origem examina, de forma suficientemente fundamentada, a questão submetida à apreciação judicial, na medida necessária ao deslinde da controvérsia, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte.

5. Conforme a jurisprudência desta Corte, é possível o imediato ajuizamento de ação de execução lastreada em título executivo que contenha cláusula compromissória arbitral, pois a jurisdição estatal é a única dotada de coercibilidade e capaz de promover a excussão forçada do patrimônio do devedor. Não seria razoável exigir que o credor, portador de título executivo, fosse obrigado a iniciar um processo arbitral tão somente para obter um novo título do qual, no seu entender, já é titular.

6. Desse modo, é possível a coexistência de processo de execução e de procedimento arbitral, desde que estejam circunscritos a seus respectivos âmbitos de competência.

7. Independentemente do teor das questões que podem ser dirimidas no juízo estatal e no juízo arbitral, o processo de execução, uma vez ajuizado, somente poderá ter a sua suspensão justificada pela instauração do procedimento perante o juízo arbitral, seguida de requerimento ao juízo da execução. A suspensão da ação executiva, embora possível, não é automática; não decorre da existência de cláusula compromissória arbitral, ipso facto.

8. Na hipótese dos autos, não há notícia acera da instauração de procedimento de arbitragem por parte da executada para a discussão de questões relacionadas ao contrato e que possam influir sobre a execução, de modo a justificar sua suspensão até a decisão do juízo arbitral. Recurso especial provido para determinar o prosseguimento da execução.

 IV DISPOSITIVO

9. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp n. 2.167.089/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/8/2025, DJEN de 26/8/2025.)”

Nesse caso, tratava-se de um contrato de fornecimento de produtos alimentícios com uma cláusula compromissória (leia-se: convenção de arbitragem). Com base nesse contrato, foram expedidas duplicatas referentes a mercadorias que foram entregues e não pagas. 

A credora promoveu a execução lastreada nesses dois títulos executivos e a devedora alegou, em sede de embargos à execução, que haveria cláusula compromissória e que não cumpriu a sua parte no contrato porque a credora não teria cumprido a parte dela. 

Considerando que não havia arbitragem instaurada, o STJ entendeu que a cláusula compromissória, por si só, não suspende a execução. A ministra Nancy Andrighi afirmou em seu voto que “é possível o imediato ajuizamento da execução lastreada em título executivo que  contenha cláusula compromissória, pois a jurisdição estatal é a única dotada de coercibilidade capaz de promover a execução forçada do patrimônio do devedor”

No entender do STJ, “não seria razoável exigir que o credor, portador de título executivo, fosse obrigado a iniciar um processo arbitral tão somente para obter um novo título do qual, no seu entender, já é titular”.

Em conclusão, “a simples existência de cláusula compromissória arbitral não é suficiente, por si só, para impedir o ajuizamento de eventual execução ou para fundamentar sua extinção’. É plenamente possível a coexistência de processo de execução e procedimento arbitral, desde que “estejam circunscritos a seus respectivos âmbitos de competência”. Ou seja, na execução são praticados atos executivos de competência da esfera judicial e, se houver arbitragem instaurada, lá se discutirá a existência, a validade e o cumprimento (ou não) das obrigações constantes do título executivo.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil nas Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa (2015), da Universidade de Coimbra/IGC (2019) e da Universidade de Salamanca (2022). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil, com Pós Doutorado pela Unimar (2023/2024). Pós Doutorado em Direito Processual Civil na Universitá degli Studi di Messina (2024/2026). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial (2012) e Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). MBA em Economia pela USP (2026). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, USP-AASP e CEU-Law). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Chambers, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2025), tendo sido Vice Presidente nas gestões 2019/2024. Presidente da Comissão de Processo Empresarial do IASP (desde 2025). Presidente da Comissão de Processo Civil da OABSP-Pinheiros (desde 2013). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor de 2013 a 2023. Conselheiro da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb, Camagro e da Amcham. Membro do IBDP e do CBar. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do CFOAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021), Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021) e Presidente da Comissão de Direito de Energia do IASP (2013/2024).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).