CPC na prática

O agravo interno no STJ e a impugnação parcial da decisão

A coluna aborda como o STJ reafirma que a falta de impugnação de fundamentos autônomos em agravo interno só gera preclusão, não impedindo o conhecimento do recurso.

9/10/2025

Em março de 2019 tivemos a oportunidade de publicar nessa coluna artigo sobre a nova modalidade de Jurisprudência Defensiva, que vinha surgindo no STJ quanto à exigência da impugnação integral da decisão denegatória de recurso especial1.

De fato, o STJ passou a entender que em agravo denegatório, a parte deve recorrer de todos os fundamentos da inadmissão, mesmo que tal decisão possua capítulos autônomos, sob pena de não conhecimento do agravo denegatório de RESP2.

Já tive oportunidade de escrever3 que esse entendimento acabou também sendo aplicável para o agravo interno interposto em face de decisão monocrática de relator em agravo denegatório de RESP ou em recurso especial4. Entretanto, em boa hora, a Corte Especial do STJ reviu essa posição:

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DESNECESSIDADE DE IMPUGNAÇÃO DE TODOS OS CAPÍTULOS AUTÔNOMOS E/OU INDEPENDENTES DA DECISÃO MONOCRÁTICA AGRAVADA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 182/STJ.

1. A regra da dialeticidade - ônus do recorrente de apresentar os fundamentos de sua irresignação - constitui reflexo do princípio constitucional do contraditório e da necessária interação dialógica entre as partes e o magistrado, revelando-se como a outra face da vedação do arbítrio, pois, se o juiz não pode decidir sem fundamentar, "a parte não pode criticar sem explicar" (DOTTI, Rogéria. Todo defeito na fundamentação do recurso constitui vício insanável? Impugnação específica, dialeticidade e o retorno da jurisprudência defensiva. In: NERY JUNIOR, Nelson; ALVIM, Teresa Arruda; OLIVEIRA, Pedro Miranda de [coord.]. Aspectos polêmicos dos recursos cíveis e assuntos afins. Volume 14 [livro eletrônico]. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018).

2. Tal dever de fundamentação da pretensão de reforma do provimento jurisdicional constitui requisito extrínseco de admissibilidade dos recursos, que se enquadra na exigência de regularidade formal.

3. Nada obstante, via de regra, é possível eleger, em consonância com o interesse recursal, quais questões jurídicas - autônomas e independentes - serão objeto da insurgência, nos termos do art. 1.002 do CPC de 2015. Assim, "considera-se total o recurso que abrange 'todo o conteúdo impugnável da decisão recorrida', porque toda ela pode não ser impugnável; e parcial o recurso que, por abstenção exclusiva do recorrente, 'não compreenda a totalidade do conteúdo impugnável da decisão'" (ASSIS, Araken de. Manual dos recursos [livro eletrônico]. 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021).

4. O citado dispositivo legal - aplicável a todos os recursos - somente deve ser afastado quando há expressa e específica norma em sentido contrário, tal como ocorre com o agravo contra decisão denegatória de admissibilidade do recurso especial, tendo em vista o mandamento insculpido no art. 253, parágrafo único, inciso II, alínea "a", do RISTJ, segundo o qual compete ao relator não conhecer do agravo "que não tenha impugnado especificamente todos os fundamentos da decisão recorrida".

5. Sobre a aludida modalidade de recurso - agravo do art. 544 do CPC de 1973, atualmente disciplinado pelo art. 1.042 do CPC de 2015 -, a Corte Especial fixou a orientação no sentido de ser inafastável o dever do recorrente de impugnar especificamente todos os fundamentos que levaram à inadmissão do apelo extremo, não se podendo falar, na hipótese, em decisão cindível em capítulos autônomos e independentes (EAREsps 701.404/SC, 746.775/PR e 831.326/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, relator para acórdão ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19/9/2018, DJe 30/11/2018).

6. Como se constata, essa orientação jurisprudencial se restringe ao AREsp - Agravo em Recurso Especial - ante a incindibilidade da conclusão exarada no juízo prévio negativo de admissibilidade do apelo extremo -, não alcançando, portanto, o AgInt no REsp - Agravo Interno no Recurso Especial nem o AgInt no AREsp - Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial, haja vista a possibilidade, em tese, de a decisão singular do relator ser decomposta em "capítulos", vale dizer unidades elementares e autônomas do dispositivo contido no provimento jurisdicional objeto do recurso.

7. A autonomia dos capítulos da sentença - lato sensu - apresenta dois significados: (i) o da possibilidade de cada parcela do petitum ser objeto de um processo separado, sendo meramente circunstancial a junção de várias pretensões em um único processo; e (ii) o da regência de cada pedido por pressupostos próprios, "que não se confundem necessariamente nem por inteiro com os pressupostos dos demais" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. São Paulo: 2002, Malheiros, pp. 43-44).

8. O renomado autor aponta, ainda, a possibilidade de a decisão judicial conter "capítulos independentes" e "capítulos dependentes".

Nessa perspectiva, destaca que a dependência entre capítulos sentenciais se configura: (i) quando constatada relação de prejudicialidade entre duas pretensões, de modo que o julgamento de uma delas (prejudicial) determinará o teor do julgamento da outra (prejudicada); e (ii) entre o capítulo portador do julgamento do mérito e aquele que decidiu sobre a sua admissibilidade (DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., pp. 44-46).

9. Diante desse contexto normativo e doutrinário, deve prevalecer a jurisprudência desta Corte no sentido de que a ausência de impugnação, no agravo interno, de capítulo autônomo e/ou independente da decisão monocrática do relator - proferida ao apreciar recurso especial ou agravo em recurso especial - apenas acarreta a preclusão da matéria não impugnada, não atraindo a incidência da súmula 182 do STJ.

10. Ressalte-se, contudo, o dever da parte de refutar "em tantos quantos forem os motivos autonomamente considerados" para manter os capítulos decisórios objeto do agravo interno total ou parcial (AgInt no AREsp 895.746/SP, relator ministro Mauro Campbell Marques, 2ª turma, julgado em 9/8/2016, DJe 19/8/2016).

11. Embargos de divergência providos para afastar a aplicação da Súmula 182/STJ em relação ao agravo interno, que deve ser reapreciado pela 1ª turma desta colenda Corte.” (g.n.)

(EREsp 1.424.404/SP, relator ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 20/10/2021, DJe de 17/11/2021.)

O tema voltou a ser julgado pela Corte Especial do STJ em setembro de 2025. Infelizmente, o Colegiado manteve o entendimento quanto à necessidade de impugnação integral da decisão denegatório de RESP no agravo denegatório. Entretanto, reafirmou a posição de que a ausência de impugnação de todos os fundamentos autônomos de uma decisão monocrática em agravo interno não impede o conhecimento do recurso, somente acarretando a preclusão da matéria não impugnada:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AGRAVO INTERNO. IMPUGNAÇÃO DE FUNDAMENTOS AUTÔNOMOS. SÚMULA 182 DO STJ. AFASTAMENTO. Embargos acolhidos.

I. Caso em exame

1. Embargos de divergência interpostos contra acórdão da 1ª turma que não conheceu de agravo interno, aplicando ao caso a súmula 182 do STJ por ausência de impugnação de todos os fundamentos da decisão agravada.

2. O recurso especial apontou violação de diversos dispositivos do CPC e da lei 9.868/1999, sendo inadmitido na origem. Do agravo em recurso especial se conheceu para conversão em recurso especial, que foi desprovido em decisão monocrática.

3. A turma julgadora não conheceu do gravo interno com base no óbice da súmula 182 do STJ, por falta de impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada.

II. Questão em discussão

4. A questão em discussão consiste em saber se a ausência de impugnação de todos os fundamentos autônomos de uma decisão monocrática impede o conhecimento do agravo interno ou se tal ausência acarreta apenas a preclusão da matéria não impugnada.

III. Razões de decidir

5. A divergência foi demonstrada com base em precedentes da Corte Especial que estabelecem que a ausência de impugnação de fundamentos autônomos em agravo interno acarreta apenas a preclusão da matéria não impugnada, não impedindo o conhecimento do recurso.

6. A aplicação da súmula 182 do STJ foi considerada inadequada, pois a decisão monocrática continha fundamentos autônomos, de modo que a impugnação de ao menos um deles deveria permitir o conhecimento do agravo interno.

IV. Dispositivo e tese

7. Embargos de divergência acolhidos para determinar o retorno dos autos à 1ª turma a fim de que prossiga no julgamento do agravo interno.

Tese de julgamento: "A ausência de impugnação de todos os fundamentos autônomos de uma decisão monocrática em agravo interno acarreta apenas a preclusão da matéria não impugnada, não impedindo o conhecimento do recurso".”

(EREsp 1.934.994/SP, relator ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 3/9/2025, DJEN de 9/9/2025.)

Portanto, é mais uma vitória contra a Jurisprudência Defensiva e deve ser comemorada. Entretanto, enquanto não se consegue uma vitória total quanto a esse tema, cumpre aos operadores do direito ficarem atentos a essas indesejáveis armadilhas processuais e atacar, de maneira consistente, todos os fundamentos da decisão agravada em seu agravo denegatório.

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1 Disponível aqui.

2 Vide Agravo de Instrumento no Ag em REsp 1.294.103 e ED no Ag em REsp 701.404.

3 Vide o artigo “A Jurisprudência Defensiva antes e depois do CPC/15”, in Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, v. 1, coord. Alexandre Freitas Câmara [et. al.], São Paulo: JusPodivm, 2025.

4 EDcl no AgInt nos EDcl no AgInt no AREsp 1.144.143 (DJ de 27/6/2019).

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil nas Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa (2015), da Universidade de Coimbra/IGC (2019) e da Universidade de Salamanca (2022). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil, com Pós Doutorado pela Unimar (2023/2024). Pós Doutorado em Direito Processual Civil na Universitá degli Studi di Messina (2024/2026). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial (2012) e Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). MBA em Economia pela USP (2026). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, USP-AASP e CEU-Law). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Chambers, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2025), tendo sido Vice Presidente nas gestões 2019/2024. Presidente da Comissão de Processo Empresarial do IASP (desde 2025). Presidente da Comissão de Processo Civil da OABSP-Pinheiros (desde 2013). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor de 2013 a 2023. Conselheiro da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb, Camagro e da Amcham. Membro do IBDP e do CBar. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do CFOAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021), Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021) e Presidente da Comissão de Direito de Energia do IASP (2013/2024).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).