CPC na prática

Obrigatoriedade da realização da audiência de conciliação ou mediação no procedimento comum

O professor André Pagani de Souza escreve sobre o tema: "Obrigatoriedade da realização da audiência de conciliação ou mediação no procedimento comum".

24/10/2025

Como se sabe, o art. 334, do CPC, estabelece que, se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz deve designar audiência para tentativa de conciliação ou mediação. 

Assim, o réu será citado para comparecimento nesta audiência e o prazo para contestar contará da data da referida audiência, quando qualquer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver conciliação (CPC, art. 335, I).

Conforme interpretação literal, tal audiência somente não será realizada se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual (CPC, art. 334, § 4º, I) ou quando não se admitir autocomposição (CPC, art. 334, § 4º, II).

Caso se adote uma interpretação sistemática, levando-se em consideração o princípio da razoável duração do processo inserto no art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/88, bem como concretizado no art. 139, inciso II, que determina ao juiz “velar pela razoável duração do processo”, o entendimento é o de que o comando do § 4º, inciso I, do art. 334, do CPC, pode ser flexibilizado

Em outras palavras, não seria obrigatória a realização da audiência se apenas uma das partes expressamente manifestasse o desinteresse na realização da audiência.

Diante desse cenário, em 19/3/25, nos autos do REsp 2.071.340/MG, a ministra Maria Isabel Gallotti propôs a fixação da seguinte tese jurídica para os fins dos arts. 1.036 a 1.041 do CPC (sistemática de julgamento de recursos repetitivos): “Se as circunstâncias do caso indicarem ser improvável o consenso, ou que o ato colocaria em risco a razoável duração do processo, a audiência de conciliação ou mediação do art. 334 do CPC pode ser dispensada, com a devida fundamentação. 2. Diante da inexistência de prejuízo, a ausência de designação da audiência não gera nulidade, podendo o Tribunal de segundo grau, se for o caso, determinar sua realização no juízo de origem, ou no próprio Tribunal, nos termos do art. 938, § 1º, do CPC”

Entretanto, tal julgamento ainda não terminou, apesar de ser de suma relevância uniformizar a interpretação do § 4º, I, do art. 334, do CPC, sobretudo porque o não comparecimento à tal audiência é considerado ato atentatório à dignidade da justiça, nos termos do § 8º do mesmo dispositivo legal.

Com efeito, muitas vezes, uma das partes já adianta que não tem interesse na realização da audiência de conciliação ou mediação, na própria petição inicial ou até 10 (dez) dias antes da realização do referido ato processual. Em outras ocasiões, o próprio comportamento de uma das partes em processos anteriores já denota a pouca ou nenhuma disposição para o consenso. 

A realização da referida audiência nestas circunstâncias é flagrante perda de tempo, mas não comparecer nela é um risco para quaisquer das partes, tendo em vista a punição com multa de até 2% (dois por cento) do valor da causa ou do benefício econômico perseguido, nos termos do § 8º do art. 334 do CPC.

Nessas circunstâncias, parece ser pouco provável a realização de um acordo. Assim, marcar uma audiência para data futura, com pouca perspectiva de celebração de acordo, para somente depois da referida audiência começar a fluir o prazo para contestação, parece violar o comando do art. 139, II, do CPC, bem como o art. 5º, LXXVIII, da CF.

Nesse sentido, já se manifestou recentemente o Eg. TJ/SP em julgado assim ementado:

“Ação declaratória de inexistência de débito, com pedido de repetição de indébito e indenização por danos morais – Impugnação a transações financeiras realizadas após ter permitido a entrada em sua residência de pessoa identificada como funcionária do CRAS, que teria realizado reconhecimento facial realizado em aparelho celular. Sentença de parcial procedência. Insurgência da ré-apelante – Teses (i) nulidade pela ausência de designação de audiência de conciliação, (ii) cerceamento de defesa em razão do julgamento antecipado da lide, (iii) validade do contrato juntado em sede recursal, (iv) ocorrência de fortuito externo e culpa exclusiva da vítima, afastando a responsabilidade objetiva, (v) inexistência de danos morais e materiais indenizáveis, ou, subsidiariamente, pleito de redução do quantum fixado. Preliminares de nulidade por ausência de audiência de conciliação (art. 334 do CPC) e de cerceamento de defesa rejeitadas – (...) (TJSP; Apelação Cível 1006752-78.2025.8.26.0071; Relator (a): Marco Pelegrini; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Bauru - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/10/2025; Data de Registro: 21/10/2025, grifos nossos).

Em tal julgado, ficou destacado que “afasta-se a alegação de nulidade pela ausência de designação de audiência de conciliação, pois tal ato configura faculdade do magistrado, que pode dispensá-la quando entender ausentes as condições favoráveis à autocomposição”.

Enquanto isso, no STJ, aguarda-se uma definição para pacificação da jurisprudência.  Os autos do REsp 2.071.340/MG acima mencionados foram para a Corte Especial do STJ para apreciação da tese proposta pela ministra Maria Isabel Gallotti em 21/3/25, foram inseridos na pauta de julgamento em 7/5/25, mas foram retirados de pauta na mesma data em razão de pedido de vista da ministra Nancy Andrighi e não foram devolvidos até o presente momento.

Diante disso, resta aguardar o posicionamento da Corte Especial do STJ para uniformizar a interpretação do art. 334, § 4º, I, do CPC, e conferir maior segurança jurídica para os jurisdicionados, além de eficiência para o processo como um todo, que deve ter uma duração razoável, sem realização de expedientes inúteis.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil nas Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa (2015), da Universidade de Coimbra/IGC (2019) e da Universidade de Salamanca (2022). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil, com Pós Doutorado pela Unimar (2023/2024). Pós Doutorado em Direito Processual Civil na Universitá degli Studi di Messina (2024/2026). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial (2012) e Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). MBA em Economia pela USP (2026). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, USP-AASP e CEU-Law). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Chambers, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2025), tendo sido Vice Presidente nas gestões 2019/2024. Presidente da Comissão de Processo Empresarial do IASP (desde 2025). Presidente da Comissão de Processo Civil da OABSP-Pinheiros (desde 2013). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor de 2013 a 2023. Conselheiro da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb, Camagro e da Amcham. Membro do IBDP e do CBar. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do CFOAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021), Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021) e Presidente da Comissão de Direito de Energia do IASP (2013/2024).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).