É importante destacar que a legislação brasileira, com foco não só nos direitos fundamentais explicitados na Constituição Federal, lança também seu radar para outras pretensões encobertas e difusas, mas já presentes e consistentes nos acontecimentos do dia a dia.
O Direito, em razão da premente necessidade social, deixou de ser um instrumento de articulação teórica relacionado com a busca de uma sustentação legal para amparar determinada pretensão e saiu a campo como um agente desbravador e inovador, com capacidade suficiente de gerenciar situações até mesmo inusitadas e que exigem uma pronta definição.
Para atingir suas metas e franquear o acesso aos seus diversos eixos, de um lado conta com a própria dinamização da sociedade que vai adquirindo e assimilando novas posturas e, de outro, com a colaboração indispensável da ciência, principalmente aquela relacionada com pesquisas e técnicas aprovadas como apropriadas para os seres humanos. Com tal roupagem o Direito desbrava novos campos e incorpora muitas conquistas aparentemente inatingíveis e que gravitam em torno do homem, tais como as questões relacionadas com a criança, o adolescente, o idoso, a pessoa com deficiência e muitas outras.
Um tema que frequentemente suscita interesse é aquele voltado para o embrião e, especificamente, na conquista do direito de pleitear o já reconhecido alimentos gravídicos. No Brasil ainda tramita, desde 2007, o Estatuto do Nascituro, que certamente provocará intensos debates envolvendo desde a concepção, do início da vida humana, dos direitos reprodutivos da mulher, como também as variações a respeito do procedimento da reprodução humana.
Nossa legislação, sem o auxílio da engenharia genética, possibilitava o ajuizamento da ação de alimentos somente após o nascimento com vida. O avanço na área da reprodução humana, regulamentada hoje pela resolução 2.320/22, do Conselho Federal de Medicina, foi tão acentuado que, num repente, a fecundação intraútero, que até então era o critério norteador do início da spes vitae, desloca-se para a manipulação humana extracorpórea com a consequente formação de embriões.
Assim credenciado, desde que seja o embrião fecundado intraútero, em razão de sua vulnerabilidade, conta com a tutela protetiva do princípio da dignidade da pessoa humana, dogma constitucional inafastável e irretocável que, pela melhor hermenêutica, encarta a mais ampla interpretação possível, embora não seja ele ainda considerado como pessoa humana. O Código Civil, em seu artigo 2º, é taxativo em afirmar: A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Tanto é que o legislador pátrio, visando cobrir a lacuna legislativa, elaborou a lei 11.804/2008 com o propósito de atingir a concessão de alimentos devidos ao nascituro. A esse respeito até o Estatuto da Criança e do Adolescente, na sua linha de tutela específica, acrescenta ainda o direito de proteção à vida e à saúde, proporcionando um nascimento sadio e harmonioso à criança e em condições dignas de existência.
A lei que trata dos alimentos gravídicos confere o direito à mulher gestante, não casada e que também não viva em união estável, de receber alimentos, desde a concepção até o parto. Para tanto, deverá ingressar com o pedido judicial em desfavor do futuro pai. O juiz decidirá, no âmbito de uma cognição sumária, com base nos indícios de paternidade, a obrigação alimentar do pretenso pai, que poderá contestar, mas em restrito núcleo cognitivo também. Os alimentos fixados permanecerão até o nascimento com vida, quando serão convertidos em pensão alimentícia e, a partir deste marco, poderão ser revistos por uma das partes.
Apesar de a lei referir-se a “alimentos gravídicos”, o termo mais adequado com a realidade legislativa, pelo menos no âmbito jurídico, seria “alimentos ao nascituro”, que compreendem as despesas relacionadas com a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames, internações, parto e medicamentos indispensáveis, além de outras que o juiz considerar pertinentes.
Apesar de ser a gestante a legitimada para invocar a tutela jurisdicional, a proteção jurídica é voltada para o embrião, que além de carregar a linha genética da família, compreendendo as características físicas e eventuais doenças, representa uma nova individualidade, com identidade sui generis norteada pela capacidade jurídica do nascituro.