Leitura Legal

Setembro Verde e o doador de órgãos

No Setembro Verde, o Brasil reforça a doação de órgãos e a inclusão de pessoas com deficiência, promovendo vida, cidadania e autonomia.

28/9/2025

O Brasil carrega vocação natural para a realização de transplantes. Para tanto celebra no dia 27/9, data instituída pela lei 11.584/07 que criou o Dia Nacional da Doação de Órgãos, a campanha que leva o nome de Setembro Verde, que aponta duas bandeiras: uma da conscientização da doação de órgãos e a outra que propõe a inclusão de pessoas com deficiência.

Dá-se o nome de transplante ou transplantação ao procedimento cirúrgico pelo qual se insere num organismo denominado hospedeiro um tecido ou órgão colhido de um doador. Autotransplante, assim designado, ou transplante autoplástico, quando é feita a transferência de tecidos de um lugar para outro, no mesmo organismo, como ocorre com as cirurgias de “ponte de safena”. Homotransplante ou transplante homólogo quando se dá entre indivíduos da mesma espécie, embora geneticamente diferentes. Xenotransplante, quando ocorre a transferência de um órgão ou tecido entre espécies diferentes, como é o estágio atual das pesquisas envolvendo animais como doadores de órgãos para receptores humanos.

A longevidade faz ver que o homem quer, a todo custo, prolongar sua vida. Pode até ser uma vocação natural procurar viver mais e, para tanto, corrigir os defeitos para se atingir uma existência mais rica, voltada para valores espirituais, de liberdade, da própria dignidade humana, de solidariedade social. É uma eterna recriação. A medicina detecta o órgão doente, e, em seguida, mediante uma intervenção reparadora-destruidora-substitutiva, consegue manipular um órgão são e recolhido de outro organismo, corrigindo aquele comprometido na sua funcionalidade.

No Brasil, em razão do que dispõe a lei 9434/1997, somente é permitida a doação de órgãos, tecidos e partes do próprio corpo vivo, feita por quem seja capaz, desde que se trate de órgãos duplos, como os rins ou partes renováveis do corpo humano, que não coloquem em risco a vida ou a integridade física e que também não comprometam as funções vitais do doador. Além disso, por ser uma regra de exceção, a doação para fins terapêuticos ou para transplantes, só pode contemplar o cônjuge, parentes consanguíneos até o 4º grau, ou ainda mais excepcionalmente, qualquer outra pessoa, desde que seja mediante autorização judicial. O procedimento será realizado em estabelecimentos de saúde públicos ou privados credenciados, assim como por equipes médicas especializadas.

Na modalidade post mortem, referida lei estabelece que a doação de órgãos poderá ser realizada com a autorização do cônjuge ou parente capaz, na linha reta ou colateral até o segundo grau, exigindo que a equipe médica responsável declare a morte encefálica do paciente, em razão da cessação das células responsáveis pelo sistema nervoso central. Quando se tratar, no entanto, de relacionamento homossexual, por analogia, o companheiro ou a companheira estará legitimado a autorizar a doação.

Com a dinâmica social - local apropriado para os ensaios de ações de aconchego e cidadania - como se tudo fosse orquestrado, alguns projetos de leis, que gravitavam em torno do tema, ganharam espaço, principalmente aqueles relacionados com a doação de órgãos presumida, que já fez parte do texto original da lei 9.434/1997. Naquela oportunidade, criou-se e passou a admitir a possibilidade da doação presumida de órgãos e tecidos, devendo o cidadão fazer constar da sua CNH se era ou não doador. A lei 10.211/01, no entanto, alterou essa opção e prevalece agora somente a vontade do cônjuge ou parente até o segundo grau. Quer dizer, o desejo manifestado anteriormente pelo cidadão a respeito da utilização ou não das partes de seu corpo e órgãos, não mais se concretiza e prevalece o ditado pelos interesses dos familiares ou responsáveis

A nova tendência legislativa (PL 1.774/23) é fazer prevalecer a doação presumida post mortem, também conhecida por “silêncio-consentimento” de órgãos e tecidos, aquela em que a pessoa em vida faz uma declaração para ser concretizada após a morte. Como a que prevalece em alguns países. Na Espanha, por exemplo, a pessoa já nasce sendo doadora de órgãos e qualquer restrição em contrário, deve constar de documento de uso pessoal.

Referida proposta faz prevalecer o princípio da autonomia da vontade do paciente, um dos sustentáculos da bioética. Da mesma forma em que, no tratamento terapêutico prevalece a autonomia do paciente, regida pelo princípio da autodeterminação, a disposição do corpo, suas partes e órgãos ficariam, com igual razão, ao indivíduo. Uma vez que o corpo a ele pertence, poderia direcionar a finalidade que julgar conveniente, principalmente quando se encontrar lúcido e consciente, diante de uma futilidade terapêutica.

É sabido que a lista de espera por um órgão percorre um longo caminho, uma peregrinação que muitas vezes culmina em frustração pela falta de doadores.

Assim, se vingar o conteúdo de lege ferenda, a pessoa poderá assinar um documento público, manifestando, de forma inequívoca, sua vontade de ser doadora de órgãos, tecidos e partes do corpo humano, sem qualquer restrição ao princípio da autonomia da vontade.

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Coordenação

Eudes Quintino de Oliveira Júnior promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde e advogado.