Levando-se em consideração a inevitabilidade da morte, o homem, com o interesse em fazer preservar a dignidade que deve permear todos os ciclos de sua vida, elegeu agora sua finitude como sendo aquela que merece a atenção adequada. Tanto é verdade que a ars moriendi, em busca de uma morte que seja digna e compatível com o ser humano, abraçou a conceituação da ortotanásia contida no Código de Ética Médica no sentido de que, “nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”.1
É sempre pertinente abordar o tema a respeito dos cuidados paliativos, que no segundo sábado do mês de outubro, comemora o Dia Mundial de Cuidados Paliativos. Apesar de o termo carregar o significado de atuação final, na realidade o tratamento dispensado visa conferir ao paciente de doença grave as melhores condutas terapêuticas para o controle da moléstia. A OMS redefiniu em 2023 a conceituação dos cuidados paliativos como sendo uma abordagem que melhora a qualidade de vida dos pacientes - crianças e adultos - e suas famílias que enfrentam problemas associados a doenças potencialmente fatais. Previne e alivia o sofrimento da dor e de outros problemas, sejam eles físicos, psicossociais ou espirituais.
Cuidados paliativos, nesta visão, descartam qualquer apressamento da morte, mas sim provocam o surgimento de um cuidar cauteloso para conferir ao paciente a continuidade da sua dignidade. O estertor da morte é suavizado, de acordo com a intenção demonstrada pelo paciente in vita ou nas diretivas antecipadas de sua vontade. Seria, a título de exemplo, tomar o paciente pelas mãos e com ele caminhar na sua toada, com segurança e lentamente, levantando-o quando suas forças minarem, até o umbral que interrompe o ciclo vital. É, portanto, uma tarefa especializada, que exige muito mais do que a solidariedade humana. Daí, muitas vezes, como sói acontecer, nem mesmo os parentes poderão executá-la a contento.
A respeito da legislação existente sobre o tema, pode ser apontada a lei 14.758/23 que, apesar de não lançar seu olhar diretamente para os cuidados paliativos, oferece tal serviço aos pacientes oncológicos para que possam receber toda a assistência e tratamento com a dignidade reconhecida na Constituição Federal e estabelece, também, os regramentos indispensáveis para os cuidados paliativos.
Ainda nessa mesma linha, a portaria GM/MS 3.681/2024 instituiu a Política Nacional de Cuidados Paliativos no SUS abrangendo abordagem de tratamento e prevenção destinadas tanto à pessoa cuidada quanto aos seus familiares e cuidadores.
O Código de Ética Médica, por sua vez, traz as resoluções CFM 1.805/06 e CFM 1.995/12, que regulamentam o oferecimento dos cuidados paliativos aos pacientes com doenças crônicas e incuráveis com a intenção de promover uma qualidade de vida mais ajustada tanto para o paciente como para a família. A resolução 2.068/13, com outro enfoque, aprova a medicina paliativa como área de atuação de especialidade.
A dor, o medo, a depressão, a insegurança, a ansiedade, o isolamento são circunstâncias que habitam a frágil vida do doente terminal. A mente do enfermo, que ainda opera em meio a tanto tumulto, necessita buscar refúgio para se amparar, ou um colo para depositar suas últimas esperanças. Este espaço é geralmente ocupado pela figura do cuidador especializado, que irá entronizá-lo em uma espécie de redoma, aproximando-o do convívio dos familiares e amigos, da sua opção espiritual, de atender a realização de seus desejos quando possíveis, para que fique conectado com a dignidade da vida. Não só. Os cuidados alcançam também os familiares dos pacientes que recebem orientações para lidar com a doença e o apoio para o enfrentamento do luto.
Hoje, nota-se o surgimento de várias clínicas e hospitais especializados nesta função caritativa e que prezam pela qualidade do atendimento, por meio de um corpo clínico com aderência na área e equipamentos necessários para atendimento rotineiro aos pacientes.
Tal desiderato faz ver que não basta somente o sucesso da ciência em proporcionar a tão ambicionada longevidade. É preciso que haja a qualidade de vida compatível com a ambição humana. E, quando vencidas todas as etapas, a pessoa defrontar-se com a terminalidade de uma doença, que tenha ela um serviço de saúde adequado em que possa receber o conforto e a atenção, refletindo, desta forma, a merecida dignidade de seus últimos dias.
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1 Art. 41, parágrafo único da resolução CFM 2.217/18.