"O Agente Secreto", escrito e dirigido por Kleber Mendonça Filho, destaca-se como uma obra que integra elementos de suspense, drama e uma profunda investigação das estruturas sociais do Brasil; o enredo é envolvente e se caracteriza por personagens densos, em uma atmosfera marcada pela tensão. Todas essas qualidades, importante dizer, são fruto do trabalho de mais de 1.500 pessoas envolvidas direta ou indiretamente com o filme.
Ao trazer o aspecto social, impossível o longa metragem não nos fazer lembrar do Cinema Novo, movimento que teve como destaque Glauber Rocha e jogou luzes sobre as desigualdades sociais do país a partir do fim dos anos 50, com a noção de que bastava ao cineasta "uma ideia na cabeça e uma câmera na mão", lema que enfatiza a produção cinematográfica autoral e engajada com a realidade brasileira, mesmo com poucos recursos.
Porém, se por um lado esse slogan expressa a ideia de que a criatividade e a convicção podem superar as limitações materiais na realização de um projeto audiovisual, por outro lado, no contexto atual do cinema brasileiro, a força de uma produção cinematográfica contemporânea como "O Agente Secreto" demonstra que a nossa indústria cinematográfica tem não só talento criativo, mas está desenvolvendo a capacidade de unir uma infinidade de pessoas ao longo da produção (financiada por empresas de Brasil, França, Holanda e Alemanha), distribuição (Vitrine Filmes, no Brasil, MUBI em diversos países, Neon na América do Norte, Ad Vitam na França, Port au Prince na Alemanha etc.) e divulgação nos mais variados e relevantes festivais e eventos dessa indústria, ganhando prêmios tais como no Festival de Cannes (no qual ganhou 4 das 5 indicações), entre outros ao redor do mundo.
Os esforços se somam ainda mais conforme as obras lançadas na temporada vão se afunilando em torno dos candidatos com maior capacidade de sucesso nas premiações internacionais e nacionais, angariando cada vez mais nomes de peso.
Essa colaboração é vista nos atores, que dão vida a personagens complexos, ambíguos e autênticos; no figurino destacado pela mídia especializada; na montagem e mixagem de som que envolveu parte significativa da pós-produção, representando, nas palavras de Mendonça Filho, "50% do filme", e usada para demonstrar a vigilância constante vivenciada na época representada na obra, criando uma experiência sonora complexa e imersiva; na trilha sonora com clássicos brasileiros, contribuindo para uma viagem no tempo ao período ali representado; na edição do longa que dá forma à narrativa complexa e em camadas; e assim por diante.
Tudo isso foi destacado pela imprensa internacional como trunfos da obra, contribuindo para os prêmios já angariados pela produção, e contribuirá para que outros sejam conferidos. Entre as premiações, a mais popular entre os espectadores é a 98ª cerimônia do Oscar, na qual “O Agente Secreto” representará o Brasil, após ter sido escolhido pela Academia Brasileira de Cinema (os finalistas do Oscar 2026 serão divulgados em 16 de dezembro e os indicados serão divulgados em 22 de janeiro).
Tive o prazer de assistir ao filme no Festival do Rio na última semana, a convite da atriz Maria Fernanda Candido e da Neon, e é nítido que o envolvimento de tantas pessoas com o projeto trará um enorme sucesso ao longa. O diretor Walter Salles também tem sido generoso em contribuir para a divulgação da obra, após a campanha bem sucedida, no ano passado, de "Ainda Estou Aqui", ganhador do Oscar 2025 de Melhor Filme Internacional.
Wagner Moura, também cotado para receber premiações de melhor ator, merece ser enaltecido pelo envolvimento não apenas na atuação, mas também como protagonista na publicidade do longa. O papel da artista Tânia Maria, por sua vez, através da interpretação de Sebastiana, destaca a sabedoria regional que é perfeitamente entendida em plano universal. Por fim, não poderia deixar de falar de Maria Fernanda Candido, que interpreta Elza e acrescenta ainda mais talento ao filme, amalgamando a trama, conforme sublinhado por Moura em recente entrevista ao portal Omelete.
Ao citar Maria Fernanda sou um pouco suspeito e aproveito para fazer uma pequena lembrança: certa vez, na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), ouvi o escritor Marcelo Rubens Paiva falar sobre o artigo "Trabalhando o Sal", que escreveu no Estadão e evoca memórias de sua mãe na praia, após a soltura dela e de sua irmã da prisão, quando se recolheram na casa da minha família em Búzios, eventos que vieram a ser relatados no livro "Ainda Estamos Aqui". As falas emocionadas de Marcelo naquele dia me inspiraram a organizar e escrever sobre o assassinato de seu pai, o deputado Rubens Paiva, no livro "Grandes Crimes", cujo lançamento ocorreu na Casa Folha durante a Flip de 2017.
Após o lançamento do livro, organizei um jantar em que estavam presentes diversos autores, dentre eles, o ex-ministro Celso Lafer, a roteirista Beatriz Bracher e seu pai, Fernão Bracher (ex-presidente do Banco Central). Nessa noite, Lafer nos contou sobre sua enorme admiração pela filósofa Hannah Arendt, de quem foi aluno e cuja obra divulgou intensamente durante toda a sua vida, o que levou seus filhos a questionarem se gostava mais de Arendt do que de sua esposa; Celso não respondeu, deu risada e todos nós caímos em gargalhada. O mesmo poderia acontecer em minha própria família, pois minha admiração por Maria Fernanda é tão grande que, quando falo dela, minha família já começa a dar risada...
*Agradeço às contribuições do advogado Renato Xavier da Silveira Rosa na elaboração deste artigo.