Migalha Trabalhista

Blindando a terceirização do vínculo empregatício: Cuidados formais importantes na prática

Terceirizar sem dor de cabeça? Este guia mostra como fugir de riscos, fraudes e processos, com um checklist afiado e soluções certeiras.

26/5/2025

Em um mercado cada vez mais competitivo e descentralizado, por certo que a terceirização de serviços deixou de ser exceção para se tornar regra em diversos ramos de negócios. Essa modalidade de contratação, ao permitir que empresas deleguem a terceiros a execução de determinados serviços, pode representar uma solução estratégica eficiente, especialmente quando se pensa em redução de custos ou especialização na execução de determinada tarefa.

Segundo pesquisa promovida pela Transparency Market Research, companhia especialista em inteligência de mercado, estima-se que o mercado de terceirização no Brasil teve previsão de alcançar até US$ 95 bilhões em investimentos em 2024, com crescimento de cerca de 14%1.

No entanto, apesar de promissora sob o aspecto econômico, quando a terceirização é realizada sem os devidos cuidados o tomador de serviços pode ser exposto a sérios riscos, inclusive ao risco de responsabilização direta pelas obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais do prestador.

Com efeito, apesar de o STF ter reconhecido a licitude da terceirização ampla e irrestrita, inclusive para as atividades-fim (ADPF 324 e RE 958.252), a contratação de terceiros continua sujeita a limites e requisitos legais, especialmente os previstos na lei 6.019/1974, que foi reformulada pelas leis 13.429/17 e 13.467/17.

Tais requisitos são tanto de ordem formal, envolvendo a análise de documentos e informações essenciais sobre a empresa prestadora, quanto de ordem prática, relacionados à forma como os trabalhadores terceirizados são efetivamente tratados no cotidiano da prestação de serviços.

Vejamos, a seguir, os requisitos de ordem formal (objeto central do presente artigo) com a finalidade precípua de demonstrar como a empresa tomadora/contratante pode, na prática, verificar se tais exigências estão sendo devidamente atendidas para a celebração do contrato pretendido.

Cuidados de ordem formal

Ao se cogitar a contratação de uma empresa para a prestação de serviços terceirizados, é imprescindível realizar, previamente, uma verificação criteriosa de uma série de requisitos legais, especialmente aqueles previstos nos artigos 4º-B, 5º-B, 5º-C e 5º-D, todos da lei 6.019/1974, a saber:

Requisito

Como fazer

Verificar se a empresa contratada está devidamente registrada no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ).

Deve-se solicitar à prestadora o CNPJ dela. Para verificar se tal número ainda está ativo é possível digitá-lo no serviço de emissão de Cartão CNPJ no site da Receita Federal, na parte referente a “serviços”2.

 

Verificar se a empresa está registrada na Junta Comercial.

Deverá ser necessário verificar o site da junta comercial da localidade3, se necessário fazer cadastro ali e pesquisar os dados da empresa no campo próprio do site.

 

Verificar se o capital social da empresa é compatível com o seu número de empregados, em conformidade com as proporções previstas no artigo 4º-B, III, da Lei 6.019/74:


a) empresas com até dez empregados - capital mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais);

b) empresas com mais de dez e até vinte empregados - capital mínimo de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais);

c) empresas com mais de vinte e até cinquenta empregados - capital mínimo de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais);

d) empresas com mais de cinquenta e até cem empregados - capital mínimo de R$ 100.000,00 (cem mil reais); e

e) empresas com mais de cem empregados - capital mínimo de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais).

 

Número de empregados: É possível solicitar à empresa prestadora de serviços comprovante do número de empregados quando da data da contratação ou próxima a ela, podendo se pedir que a empresa prestadora de serviços envie comprovante dessa informação que está disponível eSocial (substituiu o CAGED - Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).

 

Verificar o capital social: Pode ser verificado no Cartão CNPJ da empresa prestadora, na opção de “Consulta Quadro de Sócios e Administradores (“QSA”)” – relembrando que o Cartão CNPJ pode ser obtido no site da Receita Federal, na parte referente a “serviços”.4

 

Outra forma seria verificando o site da Junta Comercial do Estado em que a empresa prestadora está inscrita.

Verificar se os sócios ou titulares da empresa prestadora de serviços tenham prestado serviços à contratante, nos últimos dezoito meses, na qualidade de empregados ou trabalhadores sem vínculo empregatício – o artigo 5º-C da lei 6.019/74 veda a contratação de empresas prestadoras de serviços que tenham sócios ou titulares nessas condições, ressalvada a hipótese de esses sócios ou titulares serem aposentados.

O quadro de sócios atual pode ser verificado no Cartão CNPJ da empresa, na opção de “Consulta Quadro de Sócios e Administradores (“QSA”)” – relembrando que o Cartão CNPJ pode ser obtido no site da Receita Federal, na parte referente a “serviços”.5

 

Outra medida que, inclusive, pode ser realizada em paralelo, é verificar o site da Junta Comercial do Estado em que a empresa prestadora está inscrita, analisando-se o Contrato Social ou Estatuto Social da empresa.

 

É necessário verificar se a empresa prestadora de serviços não possui, entre os empregados que serão designados para prestar serviços à tomadora, ex-empregados desta que tenham sido dispensados nos dezoito meses anteriores. Nos termos do artigo 5º-D da Lei nº 6.019/74, é vedado que o trabalhador dispensado retorne à antiga empregadora por intermédio de empresa prestadora de serviços antes do decurso desse prazo, sob pena de desvirtuamento da terceirização e possível reconhecimento de fraude à relação de emprego.

Pode ser incluído no contrato de prestação de serviços cláusulas expressas que:

 

  • Proíbam a alocação de ex-empregados da tomadora que tenham sido dispensados nos últimos 18 meses.
  • Estabeleçam a obrigação da contratada de declarar formalmente que nenhum dos empregados destacados está em situação vedada pelo art. 5º-D.

 

Tais cláusulas contratuais devem vir acompanhadas de sanções em caso de descumprimento, como multa contratual, rescisão antecipada e indenização por perdas e danos.

 

O contrato de prestação de serviços deverá conter os requisitos previstos nos incisos do artigo 5º-B, da lei 6.019/74:

 

I - qualificação das partes;

II - especificação do serviço a ser prestado;

III - prazo para realização do serviço, quando for o caso;

IV - valor. 

 

Sempre observar se a minuta do contrato de prestação de serviços possui essas informações e se estão corretas, sendo necessário revisar o contrato nesse sentido caso a minuta tenha sido fornecida pela empresa prestadora de serviços.

Os requisitos analisados até aqui representam o conjunto mínimo necessário para que se possa cogitar a viabilidade jurídica da contratação de serviços terceirizados. Entretanto, ainda que preenchidos ditos pressupostos, mesmo se considerando apenas o aspecto formal da contratação, ainda assim não se eximiria de riscos a empresa contratante.

Cuidados adicionais recomendáveis

Outro cuidado relevante e recomendável à tomadora/contratante é que faça constar no contrato de prestação de serviços cláusula dispondo que, no caso de qualquer quebra do contrato ou irregularidade por culpa da empresa prestadora de serviços, esta última ficará responsável por todas as obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais que decorrerem do vínculo de emprego entre o empregado por ela contratada e a empresa tomadora, bem como deverá tomar todas as medidas processuais ou administrativas cabíveis para que a tomadora não responda por nenhum débito ou tenha que cumprir quaisquer outras obrigações por conta disso.

Ignorar essas exigências formais representa um efetivo risco concreto de reconhecimento de vínculo de emprego do trabalhador terceirizado para com a tomadora, o que pode ocorrer tanto por um juiz do trabalho através de ação individual ou coletiva ajuizada nesse sentido, quanto por um auditor fiscal do MTE - Ministério do Trabalho e Emprego. A consequência disso, na prática, é a responsabilização solidária da empresa tomadora junto com à empresa prestadora de serviços, como se fosse a empregadora direta, podendo a primeira vir a arcar com todos os encargos decorrentes do vínculo reconhecido.

Exigir a comprovação dos pagamentos regulares de salários, dos recolhimentos de FGTS e INSS dos empregados terceirizados, também é sempre recomendável, mediante previsão contratual de exigência nesse sentido. Caso a empresa prestadora de serviços pare de fazer qualquer um desses pagamentos ou passe a fazê-los de forma irregular, haverá um forte indício de que tal empresa não está saudável financeiramente, valendo ressaltar que é reconhecido por lei que a responsabilidade da tomadora é subsidiária em relação à prestadora, nos termos do art. 5º-A, §5º da Lei nº 6.019/74 – isto é, se a prestadora não pagar, a tomadora deverá arcar com os valores.

Art. 5º-A. § 5o. Empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o recolhimento das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31 da lei no 8.212, de 24/7/1991. 

Nesse contexto, e se possível, antes de se proceder à contratação da empresa prestadora de serviços terceirizados, que se faça uma criteriosa due diligence (“diligência devida”), analisando os pontos referidos acima, bem como demais aspectos relevantes, como o fato da empresa prestadora de serviços ser devedora, inclusive em ações trabalhistas (pode-se levantar certidões negativas de débito da empresa para verificar esse aspecto), a fim de se ter um parâmetro mais claro de riscos adicionais que podem estar envolvidos na contratação.

Deve-se ter em mente, portanto, que uma simples formalização de um contrato de prestação de serviços não basta para que a terceirização seja considerada regular, sendo necessário se verificar se a empresa que se está contratando para prestar serviços está em conformidade com as normas legais.

Além disso, durante a execução do contrato, é necessário assegurar o cumprimento contínuo dessas exigências, a fim de evitar a descaracterização da terceirização e o consequente reconhecimento de vínculo empregatício com a empresa tomadora, de modo que reavaliações periódicas de todos os aspectos inerentes à regularidade da contratação da empresa contratada são essenciais.

Nessa linha de raciocínio, é recomendável que a contratante mantenha mecanismos de acompanhamento e fiscalização contínuos enquanto perdurar o contrato, o que inclui a supramencionada exigência periódica de comprovantes de pagamentos de salários, FGTS e INSS dos trabalhadores terceirizados alocados, bem como da inclusão de cláusulas contratuais que prevejam sanções para descumprimento de obrigações legais, para além do próprio direito da contratante de auditar os documentos da prestadora de serviços.

Por fim, ainda são recomendáveis cuidados adicionais não relacionados a documentos ou a requisitos legais em si, mas a aspectos práticos do relacionamento com o prestador e da própria operação. A título de exemplo, uma boa prática como conhecer a operação do prestador de serviços, saber melhor sobre os trabalhadores que executam os serviços terceirizados, tudo, enfim, pode permitir ao tomador identificar eventuais riscos na prestação de serviços que possam afetar a tomadora de serviços.

Em arremate, antes de seguir com a celebração de qualquer contrato terceirizado de prestação de serviços, a empresa contratante deve de antemão verificar a regularidade jurídica da prestadora, sua estrutura operacional, sua capacidade econômica, bem como o histórico de cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias, sendo também recomendável se exigir certidões negativas, contrato social atualizado, comprovantes de recolhimentos de encargos sociais e uma análise do objeto social da empresa, para ao final se garantir que ela esteja habilitada a executar o serviço pretendido.

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1 Disponível aqui. Acesso em 20/5/25.

2 Disponível aqui. Acesso em 20/5/25.

3 No caso de São Paulo, por exemplo, que é o Estado onde os autores residem, a Junta Comercial é a JUCESP, que possui o seguinte sítio eletrônico: disponível aqui.

4 Disponível aqui. Acesso em 20/5/25.

5 Disponível aqui. Acesso em 20/5/25.

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Colunista

Ricardo Calcini é advogado, Parecerista e Consultor Trabalhista. Sócio Fundador de Calcini Advogados. Atuação Especializada e Estratégica (TRTs, TST e STF). Professor M. Sc. Direito do Trabalho (PUC/SP). Docente vinculado ao programa de pós-graduação de Direito do Trabalho do INSPER/SP. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Colunista nos portais JOTA, Migalhas e ConJur. Autor de obras e de artigos jurídicos em revistas especializadas. Membro e Pesquisador: GETRAB-USP, GEDTRAB-FDRP/USP e CIELO Laboral. Membro do Comitê Executivo da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Professor Visitante: USP/RP, PUC/RS, PUC/PR, FDV/ES, IBMEC/RJ, FADI/SP e ESA/OAB.