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A cláusula penal no contrato de honorários advocatícios: Análise da inaplicabilidade em rescisões unilaterais por confiança quebrada

O texto trata da impossibilidade de aplicação de cláusula penal em caso de rescisão unilateral de contrato de honorários advocatícios, seja por iniciativa do advogado (renúncia) ou do cliente (revogação).

16/6/2025

A relação entre advogado e cliente é, por sua própria essência, um elo de confiança mútua. Essa premissa, fundamental para o exercício da advocacia, é o pilar que sustenta recentes decisões judiciais que rechaçam a aplicação de cláusulas penais em contratos de prestação de serviços advocatícios, mesmo quando a rescisão ocorre unilateralmente. Neste sentido, os Tribunais Estaduais estão alinhados à pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Um caso concreto ilustra bem a importância da discussão. Em processo que tramitou no Paraná, os contratantes de serviços advocatícios que buscaram a declaração de validade e o pagamento de uma cláusula penal, sob a alegação de rescisão unilateral injustificada do contrato por parte dos advogados. Os réus, por sua vez, argumentaram que a rescisão se deu pelo exercício regular de um direito. A controvérsia central, portanto, girava em torno da exigibilidade de uma cláusula penal existente no contrato, em prol dos contratantes-clientes, em virtude da resilição unilateral do contrato de prestação de serviços advocatícios por parte dos causídicos.

A ação foi julgada improcedente. A sentença, em consonância com o Código de Ética e Disciplina da OAB, ressaltou a natureza fiduciária e personalíssima do mandato advocatício. Isso porque, o artigo 16 do Código de Ética permite que o advogado renuncie ao patrocínio, sem a necessidade de motivar sua decisão, enquanto o artigo 17 garante ao cliente o direito de revogar o mandato. Essa liberdade de desconstituição do vínculo reflete a essencialidade da confiança recíproca. Se essa confiança é abalada, a continuidade da relação se torna inviável, independentemente de quem tome a iniciativa da rescisão.

A cláusula penal, em sua essência, possui natureza acessória e é destinada a sancionar o inadimplemento contratual. No entanto, a rescisão unilateral de um contrato de honorários advocatícios, seja por renúncia do advogado ou revogação do cliente, não configura inadimplemento. Pelo contrário, trata-se do exercício de um direito potestativo, ou seja, um direito que se impõe à outra parte, que não pode se opor a ele.

No caso analisado, a própria parte autora reconheceu que os advogados cumpriram com zelo os serviços contratados até o momento da rescisão. A iniciativa dos causídicos em resilir o contrato decorreu da tentativa frustrada de reequilíbrio econômico dos honorários, após quase cinco anos de duração da relação contratual. Reconheceu-se que a cláusula penal não se aplica a essas situações, pois a sua incidência afrontaria o direito de qualquer das partes em revogar ou renunciar a um contrato em que a confiança já não mais subsiste.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) corrobora esse entendimento. Precedentes relevantes, como o REsp 1.346.171/PR, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, e outros tantos (REsp 1.882.117/MS, AgInt no AREsp 1.353.898/SP), são unânimes em vedar a aplicação de cláusula penal nessas hipóteses. A tese firmada é clara: "Não é possível a estipulação de multa no contrato de honorários para as hipóteses de renúncia ou revogação unilateral do mandato do advogado, independentemente de motivação, respeitado o direito de recebimento dos honorários proporcionais1 ao serviço prestado."

Isso significa que a advocacia, ao contrário de uma atividade puramente mercantil, é pautada na confiança. A ruptura do vínculo, por renúncia ou revogação, não pode gerar penalidade, sob pena de desvirtuar a própria natureza da relação.

É fundamental ressaltar que a inaplicabilidade da cláusula penal não significa que o advogado não terá direito a qualquer remuneração. Pelo contrário, a jurisprudência é firme em assegurar o recebimento dos honorários proporcionais aos serviços efetivamente prestados até o momento da rescisão. Esse é o justo equilíbrio entre a liberdade de desconstituição do mandato e a remuneração pelo trabalho já realizado.

Em suma, sempre é preciso reafirmar a prevalência da confiança na relação advogado-cliente sobre as estipulações de cláusula penal em casos de rescisão unilateral pelo advogado. Trata-se de um importante balizador para a segurança jurídica e para a manutenção dos princípios éticos e profissionais que regem a advocacia brasileira.

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Coordenação

Eroulhts Cortiano Jr. é professor da Faculdade de Direito da UFPR. Doutor em Direito pela UFPR. Pós-doutor em Direito pela Universitá di Torino e pela Universitá Mediterranea di Reggio Calabria. Conselheiro Estadual da OAB/PR. Secretário-geral do IBDCONT. Advogado em Curitiba/PR.

Flávio Tartuce é pós-doutor e doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor Titular permanente e coordenador do mestrado da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor e coordenador do curso de mestrado e dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito Privado da EPD. Patrono regente da pós-graduação lato sensu em Advocacia do Direito Negocial e Imobiliário da EBRADI. Diretor-Geral da ESA da OABSP. Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT). Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo (IBDFAMSP). Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.

José Fernando Simão é professor da USP. Advogado.

Luciana Pedroso Xavier é professora da Faculdade de Direito da UFPR. Doutora e Mestre em Direito pela UFPR. Advogada sócia da P.X Advogados.

Marília Pedroso Xavier é professora da graduação e da pós-graduação stricto sensu da Faculdade de Direito da UFPR. Doutora em Direito Civil pela USP. Mestre e graduada em Direito pela UFPR. Coordenadora da Escola Superior de Advocacia da OAB/PR. Diretora do Instituto Brasileiro de Direito Contratual - IBDCONT. Mediadora. Advogada do PX ADVOGADOS, com especialidade em Famílias, Sucessões e Empresas Familiares.

Maurício Bunazar é mestre, doutor e pós-doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Diretor executivo e fundador do IBDCONT. Professor do programa de mestrado da Escola Paulista de Direito. Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do IBMEC-SP.