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Os sete anos da Lei Geral de Proteção de Dados no Brasil

Um balanço crítico da LGPD, mostrando avanços, conquistas e os desafios que ainda precisam ser enfrentados para garantir uma cultura sólida de proteção de dados no Brasil.

5/9/2025

Após sete anos da aprovação da  Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)  ?  disciplina normativa que faltava, consoante reivindicava a doutrina1  ?  o Brasil vivencia uma profunda e constante transformação em sua cultura de privacidade e proteção de dados.2 Sejam quais forem as limitações dessa lei, não se pode deixar de reconhecer que ela não apenas estabeleceu robusto marco regulatório, mas também impulsionou uma estrutural mudança na forma como empresas, órgãos públicos3 e cidadãos lidam com informações pessoais.4  

Desde a implementação da LGPD, em setembro de 2020, diversas alterações ocorreram no cenário jurídico5 e corporativo, visando fortalecer a privacidade e a segurança dos dados pessoais6. Os anos que se seguiram, após o advento da lei, foram decisivos para a construção inicial da cultura da proteção de dados no País, assim como para o aprimoramento das ferramentas e medidas estabelecidas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que assume papel central na fiscalização e orientação da matéria.

A ANPD,  criada para fiscalizar e garantir o cumprimento da LGPD, tem desempenhado  papel fundamental na sua aplicação. Nos últimos anos, tem estabelecido diretrizes, emitido orientações e aplicado multas (apenas quando necessário), fortalecendo a cultura de proteção de dados no país.7 No sentido orientativo, também cabe destacar o relevante papel do Conselho Nacional de Proteção de Dados e da Privacidade (CNPD), que vem contribuindo para a  disseminação de conhecimento a respeito da matéria e para a implantação das políticas públicas.8

A vigência da LPGD tem sido essencial para consolidar práticas de proteção de dados e oferecer maior segurança jurídica às organizações. Nesse sentido, organizações públicas e privadas passaram a adotar práticas de governança de dados alinhadas às exigências da LGPD, demonstrando compromisso crescente com a proteção dos direitos dos titulares. Entre as principais medidas, destacam-se: i) a implementação de estruturas robustas de governança de dados, ii) o mapeamento de dados pessoais, que envolve a identificação precisa das informações tratadas, suas finalidades e ciclos de vida, iii) a realização de Avaliações de Impacto à Proteção de Dados para atividades que apresentem riscos elevados aos titulares, iv) a adoção de salvaguardas para assegurar a proteção dos titulares em operações de transferência internacional de dados pessoais9, e v) a designação de um Encarregado de Proteção de Dados (DPO), responsável por intermediar a comunicação entre titulares, organizações e a ANPD.

Tais práticas, hoje consolidadas, reforçam a transparência e fortalecem a confiança dos consumidores e da sociedade. Contudo, ainda que tais medidas representem avanços significativos, a plena efetividade da legislação ainda enfrenta obstáculos, como a crescente digitalização de serviços e o avanço de tecnologias de ponta, tais como Inteligência Artificial, Internet das Coisas e Big Data, que ampliam a complexidade da proteção de dados, impondo às organizações o desafio contínuo de preservar a segurança em ambientes dinâmicos.10

Nesse cenário, torna-se indispensável que a ANPD mantenha a constante atualização de suas orientações, equilibrando a proteção de dados pessoais com a promoção da inovação tecnológica. Atualmente, a Autoridade está trabalhando na sua Agenda Regulatória para o biênio 2025–2026.11 Ao todo, o documento prevê 16 ações prioritárias para o aperfeiçoamento da aplicação da LGPD, estando entre elas:  

Quadra assinalar que a proteção de dados no Brasil ainda se encontra em desenvolvimento. O contexto tecnológico, caracterizado por transformações rápidas e complexas, demanda atualização contínua das normas e adaptação dinâmica das estratégias de governança de dados. Adicionalmente, ainda persiste o grande desafio de promover inclusão digital ampla, além do acesso equitativo às ferramentas tecnológicas, mitigando riscos de exclusão e vulnerabilidades. Nos próximos anos, será absolutamente crucial e decisivo consolidar os avanços alcançados e enfrentar os desafios remanescentes, estabelecendo a proteção de dados como um pilar estratégico e inafastável para a inovação, a segurança da informação e o desenvolvimento sustentável do país.

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1 Cf. DE LUCCA, Newton; MOTA MACIEL, Renata, A Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018: a Disciplina Normativa que Faltava, in Direito & Internet, vol. IV, Sistema de Proteção de Dados Pessoais, Coordenadores: DE LUCCA, Newton; SIMÃO FILHO, Adalberto; LIMA, Ci'ntia Rosa Pereira de; MOTA MACIEL, Renata; São Paulo: Quartier Latin, 2019, pp. 21/50.

2 BRASIL. Marco no cenário brasileiro da proteção de dados, LGPD comemora seis anos. Gov.br. Autoridade Nacional de Proteção de dados: Brasília. 2024. Disponível aqui. Acesso em: 13 ago. 2025.

3 CRAVO, Daniela Copetti; CUNDA, Daniela Zago Gonçalves da; RAMOS, Rafael. Lei Geral de Proteção de Dados e o poder público. Porto Alegre : Escola Superior de Gestão e Controle Francisco Juruena. Centro de Estudos de Direito Municipal, 2021. 223 p.

4 LIMA, Ci'ntia Rosa Pereira de; RAMIRO, Li'via Froner Moreno. Direitos do Titular dos Dados Pessoais. In: LIMA, Ci'ntia Rosa Pereira de. Comenta'rios a` Lei Geral de Protec¸a~o de Dados. Sa~o Paulo: Almedina, 2020, p. 249 – 278..                                                           

5 DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais: fundamentos da Lei Geral de Proteção de Dados. Revista dos Tribunais: São Paulo. 2 ed.. 2019.

6 BRASIL. Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, Distrito Federal, 2018. Disponível aqui. Acesso em 13 ago. 2025.

7 BRASIL. ANPD publica Agenda Regulatória 2025-2026. Gov. br. Autoridade Nacional de Proteção de Dados: Brasília. Disponível aqui.

8 LIMA, Ci'ntia Rosa Pereira de. Autoridade Nacional de Protec¸a~o de Dados e a Efetividade da Lei Geral de Protec¸a~o de Dados. Sa~o Paulo: Almedina, 2020. p. 229.

9 ROMAN, Juliana; LIMA, Cintia Rosa Pereira. Breve análise sobre a transferência internacional de dados: Resolução CD/ANPD nº 19, de 23 de agosto de 2024. Migalhas. 2024. Migalhas: São Paulo. Disponível aqui. Acesso em 29 ago. 2025.

10 MORETTI, Juliano Lazzarini; ZUFFO, Milena Maltese. LGPD e inteligência artificial: um estudo comparado. Revista Direito Internacional e Globalização Econômica.. v. 13 n. 13. PUC-SP: São Paulo 2025, p. 21 - 42. Disponível aqui. Acesso em 13 ago. 2025.

11 BRASIL. ANPD publica Agenda Regulatória 2025-2026. Gov.br. Autoridade Nacional de Proteção de dados: Brasília. 2024. Disponível aqui. Acesso em 13 ago. 2025.

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Coordenação

Cintia Rosa Pereira de Lima, professora de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP Ribeirão Preto – FDRP. Doutora em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP com estágio na Ottawa University (Canadá) com bolsa CAPES - PDEE - Doutorado Sanduíche e livre-docente em Direito Civil Existencial e Patrimonial pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (USP). Pó-doutora em Direito Civil na Università degli Studi di Camerino (Itália) com fomento FAPESP e CAPES. Líder e Coordenadora dos Grupos de Pesquisa "Tutela Jurídica dos Dados Pessoais dos Usuários da Internet" e "Observatório do Marco Civil da Internet", cadastrados no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e do Grupo de Pesquisa "Tech Law" do Instituto de Estudos Avançados (IEA/USP). Presidente do Instituto Avançado de Proteção de Dados – IAPD - www.iapd.org.br. Associada Titular do IBERC - Instituto Brasileiro de Responsabilidade Civil. Membro fundador do IBDCONT - Instituto Brasileiro de Direito Contratual. Advogada.

Cristina Godoy Bernardo de Oliveira, professora doutora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo desde 2011. Academic Visitor da Faculty of Law of the University of Oxford (2015-2016). Pós-doutora pela Université Paris I Panthéon-Sorbonne (2014-2015). Doutora em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito da USP (2011). Graduada pela Faculdade de Direito da USP (2006). Líder do Grupo de Pesquisa Direito, Ética e Inteligência Artificial da USP – CNPq. Coordenadora do Grupo de Pesquisa "Tech Law" do Instituto de Estudos Avançados (IEA/USP). Membro fundador do Instituto Avançado de Proteção de Dados – IAPD.

Evandro Eduardo Seron Ruiz, professor Associado do Departamento de Computação e Matemática, FFCLRP - USP, onde é docente em dedicação exclusiva. Atua também como orientador no Programa de Pós-graduação em Computação Aplicada do DCM-USP. Bacharel em Ciências de Computação pela USP, mestre pela Faculdade de Engenharia Elétrica da UNICAMP, Ph.D. em Electronic Engineering pela University of Kent at Canterbury, Grã-Bretanha, professor lLivre-docente pela USP e pós-Doc pela Columbia University, NYC. Coordenador do Grupo de Pesquisa "Tech Law" do Instituto de Estudos Avançados (IEA/USP). Membro fundador do Instituto Avançado de Proteção de Dados – IAPD.

Nelson Rosenvald é advogado e parecerista. Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Pós-Doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra. Visiting Academic na Oxford University. Professor Visitante na Universidade Carlos III, Madrid. Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC. Foi Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.

Newton De Lucca, professor Titular da Faculdade de Direito da USP. Desembargador Federal, presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (biênio 2012/2014). Membro da Academia Paulista de Direito. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Membro da Academia Paulista dos Magistrados. Vice-presidente do Instituto Avançado de Proteção de Dados.