Migalhas de Responsabilidade Civil

Pornografia de vingança, WhatsApp e a responsabilidade civil à luz do REsp 2.172.296/RJ

A coluna trata da responsabilidade civil de provedores em casos de pornografia de vingança no WhatsApp, destacando proteção a menores.

3/6/2025

Introdução

O STJ, em recente julgamento (REsp 2.172.296/RJ), enfrentou um tema de alta relevância jurídica e social: a responsabilidade de provedores de aplicativos de mensagens privadas diante da disseminação de imagens íntimas de menor, sem consentimento, prática comumente associada à chamada pornografia de vingança. A expressão, portanto, chama a atenção para um fato grave.

O caso analisado envolvia o WhatsApp, cuja defesa repousava na alegação de impossibilidade técnica de remover o conteúdo, em razão da criptografia ponta a ponta. Contudo, a 3ª turma foi além da literalidade da legislação e da superficial invocação da impossibilidade técnica, para reafirmar a necessidade de concretude na proteção das vítimas, especialmente quando se trata de crianças e adolescentes, pessoas em peculiar condição de desenvolvimento.

Sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, o Tribunal reconheceu que a proteção da dignidade e da intimidade da vítima não pode ser frustrada por justificativas genéricas baseadas em supostas limitações tecnológicas, sobretudo quando inexiste prova pericial que comprove, com rigor técnico, a impossibilidade de cumprimento da ordem judicial.

Mais do que isso, o julgado destacou que, ainda que a exclusão direta do conteúdo fosse inviável por questões estruturais do serviço, caberia ao provedor adotar outras medidas eficazes para mitigar o dano, como o bloqueio ou a suspensão das contas envolvidas, especialmente quando possível a identificação do usuário infrator por meio do número de telefone vinculado à conta.

Rechaçando o paradoxo da segurança digital, em que quanto mais avançado o sistema de segurança, mais vulneráveis ficam as vítimas dos abusos, o STJ deixou claro que o Marco Civil da Internet deve ser interpretado à luz da função protetiva do Direito, especialmente no que diz respeito à dignidade infantojuvenil.

Além disso, houve importante manifestação da Corte quanto à tentativa da empresa recorrente de desistir do recurso após a distribuição, conduta vista como potencial estratégia para evitar a formação de jurisprudência. Em razão do relevante interesse público, da originalidade do tema e da necessidade de uniformização nacional da jurisprudência, a 3ª turma decidiu não homologar a desistência, firmando-se como leading case.

O julgamento consolida uma orientação que alia responsabilidade digital e efetividade dos direitos da personalidade, contribuindo para o fortalecimento de uma jurisprudência comprometida com a proteção das vítimas e com a adaptação do Direito às novas tecnologias e, no caso ora em análise, à luz da proteção de crianças e adolescentes.

Conclusão

Bruno Miragem leciona que pela interpretação do Marco Civil da Internet, em especial atenção ao art. 21, está inserida a responsabilidade subsidiária e subjetiva do provedor1, quando este “[...] deixa de promover a indisponibilização do conteúdo.”2. O mestre ressalta, ainda, que a disponibilização do conteúdo é, por si próprio, concausa para o dano a um terceiro. Ensina, também, que a regra geral que exige do interessado que recorra ao Poder Judiciário se trata de um ônus grave, considerando a velocidade que que a propagação da informação pela internet ocasiona no sentido da disseminação do conteúdo ofensivo.3

O julgamento do REsp 2.172.296/RJ representa um avanço na tutela da dignidade humana no ambiente digital, ao afirmar que provedores não podem se esquivar da responsabilidade sob o pretexto de limitações técnicas não comprovadas. Ao priorizar a proteção das vítimas, especialmente de crianças e adolescentes, o STJ reafirma o compromisso do Direito com a efetividade dos direitos da personalidade frente aos desafios das novas tecnologias.

A condenação ora em análise nos inspira às lições de Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto quando nos ensinam sobre o princípio da prevenção, ou seja: “Evitar e mitigar um dano se converte em questão central e maior desafio para a responsabilidade civil do século XXI.”4.Contudo, não foi o que fez o réu conforme as linhas que aqui traçamos.

Referências bibliográficas

1 MIRAGEM, Bruno. Responsabilidade civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 478.

2 MIRAGEM, Bruno. Responsabilidade civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 478.

3 MIRAGEM, Bruno. Responsabilidade civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 479.

4 ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Braga. Responsabilidade civil: teoria geral. 1 ed. Indaiatuba: Foco, 2024, p. 51.

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 2.172.296/RJ. Terceira Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julgado: em 04/2/2025. Disponível aqui.

MIRAGEM, Bruno. Responsabilidade civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.

ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Braga. Responsabilidade civil: teoria geral. 1 ed. Indaiatuba: Foco, 2024.

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Colunistas

Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho é professor titular e ex-coordenador do programa de pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da UERJ (mestrado e doutorado). Doutor em Direito Civil e mestre em Direito da Cidade pela UERJ. Presidente do Fórum Permanente de Direito Civil da Escola Superior de Advocacia Pública da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro (ESAP/PGE). Vice-presidente do IBERC (Instituto Brasileiro de Estudos da Responsabilidade Civil). Autor de livros e artigos científicos. Advogado, parecerista e consultor em temas de Direito Privado.

Fernanda Schaefer é pós-doutora pelo Programa de pós-graduação Stricto Sensu em Bioética da PUC-PR. Doutora em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, curso em que realizou Doutorado Sanduíche nas Universidades do País Basco e Universidade de Deusto (Espanha). Professora do UniCuritiba. Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde da PUC-PR. Assessora Jurídica do CAOP Saúde MPPR.

Igor de Lucena Mascarenhas é advogado e professor universitário nos cursos de Direito e Medicina (UFPB / UNIFIP). Doutorando em Direito pela UFBA e doutorando em Direito pela UFPR. Mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB. Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Nelson Rosenvald é advogado e parecerista. Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Pós-Doutor em Direito Civil na Università Roma Tre. Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra. Visiting Academic na Oxford University. Professor Visitante na Universidade Carlos III, Madrid. Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC. Foi Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais.

Paulo Roque Khouri é doutorando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público — IDP. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB (1992) e em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) (1987); mestrado em Direito Privado pela Universidade de Lisboa (2006). Atualmente é professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), sócio do escritório de advocacia Roque Khouri & Pinheiro Advogados Associados S/C.