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Cartórios, virtualização e questões imobiliárias: MP 1.085/2021 – Parte II

Cartórios, virtualização e questões imobiliárias: MP 1.085/2021 – Parte II.

5/1/2022

Na semana passada, publicamos a primeira parte do presente artigo. Hoje seguiremos para a segunda e última parte.

3. Alterações em outras leis e sugestões de mudanças 

A MP nº 1.085/2021 é muito vasta e complexa.

Em razão das limitações próprias da presente coluna, publicamos artigo de mais de 70 páginas esmiuçando-a e sugerindo cerca de 40 ajustes a serem feitos. O título do artigo é "Análise detalhada da Medida Provisória nº 1.085/2021 e sugestões de ajustes: cartório eletrônico e ajustes em negócios imobiliários". Ele foi publicado no site do professor Flávio Tartuce e no site do perfil Direito Civil Brasileiro, mantido pelo professor Rodrigo Toscano.

Reportamo-nos àquele artigo para acesso ao inteiro teor do conteúdo.

4. Sugestão adicional: cessão fiduciária de direito creditório 

Além das sugestões feitas no artigo supracitado, acrescemos outra.

A cessão fiduciária de direito creditório é muito usual na prática. Serve como garantia em inúmeros negócios.

Distingue-se da alienação fiduciária em garantia apenas por conta do objeto: nesta última, o objeto é coisa corpórea; na cessão fiduciária, o objeto é coisa incorpórea.

Entendemos que a cessão fiduciária de crédito não depende de previsão legal específica. Há, porém, leis específicas que disciplinam, ainda que forma lacônica, algumas espécies de cessões fiduciárias de direito creditório. São exemplos: (1) cessão fiduciária de direitos creditórios relativos a contratos de alienação de imóvel (art. 17 da lei 9.514/97); (2) cessão fiduciária de quota de fundo de investimento em garantia de dívida de locação urbana (art. 88, §§ 6º e 7º, lei 11.196/2005 e art. 37, IV, da lei 8.245/91); (3) cessão fiduciária de direito sobre coisas móveis e de títulos de crédito (art. 66-B, § 3º, lei 4.278/1965); e (4) da cessão fiduciária de direitos creditórios do agronegócio em favor dos adquirentes de títulos de crédito do agronegócio, como o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) e Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) (art. 41, lei 11.076/2004).

O problema é que paira controvérsias sobre a necessidade ou não de registro da cessão fiduciária de direito creditório no Cartório de Títulos e Documentos. O STJ entendeu pela desnecessidade após grande controvérsia (STJ, REsp 1629470/MS, 2ª Seção, Rel. ministra Maria Isabel Gallotti, DJe 17/12/2021). Nessa linha, para evitar maiores discussões, convém ajustar o art. 66-B da lei 4.278, de 14 de julho de 1965, para colocar textualmente esse entendimento.

Além disso, é forçoso deixar claro três outras questões.

A primeira é a de que a cessão fiduciária de direito de crédito pode ser feita em favor de qualquer pessoa, e não apenas de instituição financeira. Atualmente, como a matéria está disciplinada na Lei de Mercado de Capitais (lei 4.278, de 1965), a controvérsia é latente.

A segunda questão a esclarecer é que qualquer direito de crédito pode ser objeto de cessão fiduciária. Atualmente o art. 66-B, § 3º, da lei 4.278, de 1965, apenas menciona "direitos sobre coisas móveis" e "títulos de crédito".

A terceira questão é que créditos decorrentes de negócios imobiliários não lançados na matrícula de imóvel podem ser cedidos fiduciariamente sem necessidade de registro. É o caso, por exemplo, da cessão fiduciária de créditos provenientes da locação de um imóvel. A locação de imóvel não é registrável no Cartório de Imóveis. O que se registra é apenas a cláusula de vigência da locação ou o direito de preferência, e não a locação em si. Por isso, a cessão fiduciária do direito aos aluguéis não depende de prévio lançamento no fólio real.

Ante o exposto, sugerimos esta emenda:

Acrescente-se, onde couber, o seguinte artigo à Medida Provisória (MPV) nº 1.085, de 27 de dezembro de 2021, as seguintes alíneas:

"Art. 66-B.  ........................................

.............................................................

§ 7º A cessão fiduciária de direito de direitos sobre coisas móveis pode ser oferecida a qualquer sujeito de direito, mesmo não integrante do Mercado Financeiro ou de Capitais.

§ 8º Para efeitos dos §§ 3º e 7º deste artigo, inclui-se, como direitos sobre coisa móveis, o direito em receber dinheiro por força de qualquer ato jurídico, inclusive os envolvendo os créditos relativos a aluguéis de imóveis ou outros negócios jurídicos imobiliários não registrados nem averbados no Cartório de Imóveis." (NR)

Veja a versão completa

Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é Membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Advogado, parecerista e árbitro. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Ex-assessor de ministro STJ. Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Civil Contemporâneo (RDCC). Fundador do IBDCont (Instituto Brasileiro de Direito Contratual). Membro da ABDC (Academia Brasileira de Direito Civil), IBDfam (Instituto Brasileiro de Direito de Família),do IBRADIM (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário) e do IBERC.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.