Migalhas Notariais e Registrais

Cartório de imóveis e georreferenciamento: exigência de consentimento de confrontantes para averbar o georreferenciamento - Parte I

A referida norma, entre outras disposições, passou a exigir que, dentro de um prazo a ser fixado pelo Poder Executivo, a descrição dos imóveis rurais nas matrículas fosse feita com base na técnica do georreferenciamento, com base no Sistema Geodésico Brasileiro.

12/7/2023

I. Noções gerais do georreferenciamento e histórico normativo 

Um dos maiores problemas efetivos na definição de direitos reais sobre terrenos (especialmente os rurais) é a descrição perimetral da área no Cartório de Imóveis.

Por conta das limitações da própria topografia no passado, essa descrição era feita com certa imprecisão, levando em conta marcos precários e a linguagem pouco técnica.

Aliás, as próprias medidas eram imprecisas. É icônica, por exemplo, a imprecisão com a qual, por exemplo, se media uma légua no passado:

“O medidor enchia seu cachimbo, acendia-o e montava no cavalo, deixando que o animal marchasse ao passo; quando o cachimbo se apagava, acabado o fumo, marcava uma légua”

Fonte: Um sertanejo e o sertão, p. 167, cit. por José Antonio da Costa Porto, Sistema Sesmarial no Brasil. Brasília: UnB, 1978, p. 761.

A propósito, citamos um exemplo de uma descrição precária constante da matrícula de imóvel objeto de um processo judicial2:

“Uma propriedade rural denominada Fazenda Ribeirão de São Pedro e Ribeirão Claro, situado no município de São Pedro do Turvo, desta Comarca, com 152,00 alqueires paulistas iguais a 367,84 ha, mais ou menos, contendo benfeitorias, confrontando com Alfredo Tavantes, Guerino Maitan, Ribeirão Claro, Ribeirão São Pedro, Zeferino José de Andrade e Vicente de Andrade, Recadastrada no Incra sob nº 628.123.000.884 – área total 367,8, módulo 64,4, nº de módulos 5,71 e fração mínima de parcelamento 25,0.” 

Note como é absolutamente imprecisa a descrição dessa área. É inviável, com base nessa descrição, desenhar, no mapa, o perímetro correspondente ao supracitado imóvel rural.

A evolução das técnicas de topografia chegou ao georreferenciamento. Trata-se de técnica capaz de dar as coordenadas geográficas de um imóvel com altíssimo grau precisão, levando em conta o Sistema Geodésico Brasileiro3.

Na prática, essa descrição georrefenciada utiliza uma linguagem ininteligível ao leigo por conta de sua tecnicidade, mas permite ao técnico desenhar, no mapa, a poligonal pertinente.

Eduardo Augusto, um dos registradores brasileiros mais brilhantes na matéria, alertava o seguinte acerca da necessidade de a matrícula conter uma descrição poligonal precisa:

A leitura da descrição tabular permite que qualquer agrimensor ou matemático consiga efetuar exatamente o mesmo desenho do imóvel, sem nunca tê-lo visto em mapas, fotos e sem conhecer sua real localização.4 

No plano normativo, a lei 10.257, de 28 de agosto de 2001, é o principal marco do georreferenciamento no âmbito do Cartório de Imóveis, especificamente para imóveis rurais.

A referida norma, entre outras disposições, passou a exigir que, dentro de um prazo a ser fixado pelo Poder Executivo, a descrição dos imóveis rurais nas matrículas fosse feita com base na técnica do georreferenciamento, com base no Sistema Geodésico Brasileiro. Fê-lo por meio do art. 176, §§ 3º e 4º, da Lei de Registros Públicos – LRP (Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973)5.

Na próxima Coluna, prosseguiremos tratando do tema.

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1 Fonte: https://mundogeoconnect.com/2011/arquivos/palestras/roberto_tadeu_teixeira-retificacao_irib_incra.pdf.

2 Disponível: https://portaldori.com.br/2022/10/28/registro-de-imoveis-negativa-de-averbacao-de-georreferenciamento-precariedade-da-descricao-tabular-insercao-de-coordenadas-georreferenciadas-que-depende-de-previa-retific/. Publicado: 28 de outubro de 2022.

3 Para aprofundamento, ver: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/3/3138/tde-08112005-081539/publico/Cap_3-SGB.pdf.

4 Disponível em: https://mundogeoconnect.com/2011/arquivos/palestras/roberto_tadeu_teixeira-retificacao_irib_incra.pdf.

5 Veja os referidos dispositivos (que ainda hoje estão em vigor):

"Art. 176. ............................................

§ 1o ....................................................

..........................................................

II - .....................................................

.......................................................

3) a identificação do imóvel, que será feita com indicação:

a - se rural, do código do imóvel, dos dados constantes do CCIR, da denominação e de suas características, confrontações, localização e área;

(...)

§ 3º Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1o será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.

§ 4º A identificação de que trata o § 3o tornar-se-á obrigatória para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados por ato do Poder Executivo."(NR)

Veja a versão completa

Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é Membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Advogado, parecerista e árbitro. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Ex-assessor de ministro STJ. Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Civil Contemporâneo (RDCC). Fundador do IBDCont (Instituto Brasileiro de Direito Contratual). Membro da ABDC (Academia Brasileira de Direito Civil), IBDfam (Instituto Brasileiro de Direito de Família),do IBRADIM (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário) e do IBERC.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.