Migalhas Notariais e Registrais

Continuação da análise detalhada da lei das garantias (Lei 14.711/23)

Neste artigo, aprofundaremos desses aspectos: as mudanças ocorridas no em matéria de hipoteca e de Contrato de Administração Fiduciária em Garantia.

6/11/2023

RESUMO DO QUE SERÁ APROFUNDADO NESTE ARTIGO   3

I.             INTRODUÇÃO   5

II.            CLÁUSULA CROSS DEFAULT NO CASO DE HIPOTECA (ART. 1.477, § 2º, DO CC)  6

III.          SUB-ROGAÇÃO EM FAVOR DE CREDOR HIPOTECÁRIO QUE PAGA DÍVIDA HIPOTECÁRIA ANTERIOR (ART. 1.478, CAPUT, DO CC)  7

IV.           CONTRATO DE ADMINISTRAÇÃO FIDUCIÁRIA DE GARANTIAS (ART. 853-A DO CC)  9

IV.1.1. Conceitos prévios: negócios fiduciários, regime fiduciário, dever fiduciário e o caso do contrato de administração fiduciária em garantia   10

IV.2. Contrato de administração fiduciária em garantia como uma forma de terceirização de cobrança de créditos (art. 853-A, caput, do CC)  11

IV.3. Prestação de serviços ao devedor: discussão sobre eventual conflito de interesse e o dever de transparência perante o credor (art. 1.587-A, §§ 7º e 8º, CC)  12

IV.4. Situação jurídica do agente de garantia: representação ou substituição? (art. 853-A, caput, do CC)  14

IV.5. Problemas do polo nas ações processuais: discussão sobre litispendência e legitimidade ad causam (art. 853-A, caput, do CC)  15

IV.5. Limites dos “poderes” do agente de garantia   18

IV.6. Pluralidade de credores de uma obrigação objeto do contrato de administração fiduciária: polo contratual, gestão, substituição e rescisão (art. 853-A, §§ 3º e 4º, do CC)  19

IV.7. Patrimônio de afetação e dever de repasse do pagamento aos credores (art. 853-A, §§ 5º e 6º, do CC)  20

V.            DESJUDICIALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO DE CRÉDITO HIPOTECÁRIO (ART. 9º E ART. 18, I, DA LEI DAS GARANTIAS – LEI Nº 14.711/2023)  22

V.1. Noções gerais (art. 9º da Lei nº 14.711/2023)  24

V.2. Frustração do segundo leilão: qual o valor a ser amortizado na dívida e comparação com o caso da execução da alienação fiduciária em garantia (art. 9º da Lei nº 14.711/2023). 25

V.3. Ata notarial de arrematação: cabimento, qualificação tabelioa e competência territorial (art. 9º, § 11, da Lei nº 14.711/2023) 27

VI.          CONCURSO DE CREDORES E EXECUÇÕES EXTRAJUDICIAIS  DE GARNATIAS IMOBILIÁRIAS (ART. 10 DA LEI Nº 14.711/2023)  28

VII.         ATESTO DE EVENTO DE IMPLEMENTO DE CONDIÇÃO RESOLUTIVA E DE OUTROS ELEMENTOS NEGOCIAIS POR TABELIÃES DE NOTAS (ART. 7º-A, I E § 2º, DA LEI Nº 8.935/1994) 29

VIII.       ESCROW ACCOUNT POR TABELIÃES DE NOTAS (ART. 7º-A, § 1º, DA LEI Nº 8.935/1994)  31

VIII.1. Definição e casos de escrow account sem tabelião   32

VIII.2. Avaliação da ocorrência do evento futuro autorizador e a necessidade de notificação posterior  33

VIII.3. Operacionalização do escrow account  34

IX.          TABELIÃO DE NOTAS COMO ÁRBITRO, MEDIADOR E CONCILIADOR (ART. 7º-A, II E § 3º, DA LEI Nº 8.935/1994)  34

X.            DESJUDICIALIZAÇÃO DA CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE NO CASO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA SOBRE MÓVEIS (ART. 8º-B A 8º-E DA LEI Nº 8.935/1994) 35

XI.          RCPN E CERTIFICADO DE VIDA, DE ESTADO CIVIL E DE DOMICÍLIO (ART. 29, § 6º, DA LRP)  38

XII.         CESSÃO DE CRÉDITOS ORIUNDOS DE PRECATÓRIOS E O TABELIÃO DE NOTAS (ART. 6º-A DA LEI Nº 8.935/1994)  39

XIII.1. Procedimento notarial de cessão de precatório, a forma de entrega da comunicação premonitória e interação eletrônica com Tribunal de Justiça   40

XIII.        TABELIONATO DE PROTESTOS E APRIMORAMENTOS (ARTS. 11-A, 14, §§ 3º A 6º, 15, § 1º, 26-A, 37, §§ 1º E 6º, E 41-A, §§ 3º A 5º, DA LEI Nº 9.492/1997) 42

XIV.        LOTEAMENTO E OFERECIMENTO DE MESMO IMÓVEL COMO GARANTIA DAS OBRIGAÇÕES DO LOTEADOR PERANTE O PODER PÚBLICO E PERANTE FINANCIADORES (art. 18, § 8º, da Lei nº 6.766/1979)  46

XV.         CONTRATO DE CONTRAGARANTIA COMO NOVO TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL (ART. 784, XI-A, CPC)  46

XVI.       LEGITIMADOS A EXTRATOS ELETRÔNICOS RELATIVOS A MÓVEIS (ART. 8º, §§ 1º E 2º, DA LEI Nº 14.382/2022) 

RESUMO DO QUE SERÁ APROFUNDADO NESTE ARTIGO 

1.      De início, exponho, em resumo, as ideias que serão desenvolvidas ao longo deste artigo: 

1. Nas hipóteses de hipoteca, a cláusula cross default no caso de um mesmo sujeito ser titular de mais de um crédito garantido pelo mesmo imóvel está prevista no art. 1.477, § 2º, do CC. Apesar, porém, do silêncio legal, entendemos que, para ter eficácia contra o devedor, há necessidade de previsão expressa no contrato e de expressa manifestação de vontade do credor em ativá-la por meio de notificação no curso do procedimento executivo. Além disso, entendemos que a boa técnica registral recomenda a notícia da cláusula cross default na matrícula do imóvel (capítulo II).

2. Nos casos de hipotecas sucessivas ou de recarregamentos de hipoteca, o credor hipotecário posterior não pode executar o imóvel enquanto a dívida hipotecária anterior não vencer, salvo insolvência do devedor. Por isso, há interesse de o credor posterior em, como terceiro interessado, pagar a dívida hipotecária anterior, caso em que haverá a sub-rogação (art. 1.477, § 2º, CC) (capítulo III).\

3. O contrato de administração fiduciária de garantias envolve duas partes: o credor e o agente de garantia. O seu objeto é a gestão de garantias oferecidas a créditos, como hipotecas, alienações fiduciárias em garantia, penhores etc. Entendemos que, mesmo garantias fidejussórias (como fiança e aval), podem ser incluídas no âmbito do contrato de administração fiduciária em garantia (capítulo IV.1. e IV.2.).

4. O agente de garantia que decide prestar serviços ao devedor terá de adotar um grau elevadíssimo de transparência e lealdade, na mais estrita de boa-fé. A tendência é que esses serviços sejam relacionados à própria gestão da dívida, como receber pagamentos, atualizar dados cadastrais etc. (capítulo IV.3).

5. O agente de garantia é um substituto, e não um representante do credor (capítulo IV.4).

6. O agente de garantias pode figurar nos polos ativo ou passivo de ações judiciais envolvendo discussões sobre o crédito garantido. Há, porém, particularidades (capítulo IV.5).

7. O agente de garantia pode praticar qualquer ato relativo ao crédito garantido, como receber pagamento, renegociar a dívida, perdoar etc. (capítulo IV.6).

8. A cessão do polo contratual do agente de garantia para outro agente pode ocorrer por decisão da maioria simples dos credores: cessão de contrato por expromissão. Já a celebração ou a resilição do contrato de administração fiduciária de garantias depende da participação de cada credor (capítulo IV. 7).

9. Caso o agente de garantia receba o pagamento, é seu dever repassar o dinheiro ao credor, deduzidos, obviamente, eventual remuneração que tenha sido pactuada. Como forma de blindar juridicamente o dinheiro ou a outra coisa utilizada para pagamento da obrigação, o § 5º do art. 853-A do CC cobre esse bem com o manto protetor do patrimônio de afetação por 180 dias (capítulo IV.8).

10. Salvo no caso de crédito do agronegócio, o crédito hipotecário poderá ser executado judicialmente ou, a critério do credor, na via extrajudicial, perante o Cartório de Registro de Imóveis competente, na forma do art. 9º da Lei das Garantias (capítulo V.1).

11. O rito executivo extrajudicial da hipoteca espelha-se no da execução extrajudicial da alienação fiduciária em garantia sobre imóveis, com poucas particularidades. Uma delas é que, no caso de frustração do segundo leilão, o credor pode tentar realizar a venda da coisa sem as formalidades de leilão dentro do prazo de 180 dias do último leilão, caso em que terá mandato legal para formalizar a transferência (capítulo V.2).

12. A ata notarial de arrematação não se resume à mera descrição fria dos fatos, mas envolve também a qualificação tabelioa (capítulo VI.3).

13. Somente o tabelião de notas do local do imóvel é competente para lavrara a ata notarial de arrematação (capítulo VI.4).

14. No caso de pluralidades de credores com garantia sobre o mesmo imóvel, o art. 10 da Lei das Garantias disciplina as regras a serem adotadas no procedimento executivo extrajudicial pertinente (capítulo VI.5).

15. O tabelião de notas é legitimado a atestar o implemento ou a frustração de condições ou de outros elementos dos negócios jurídicos, respeitada a competência do tabelião de protesto. Trata-se de mais um caso de desjudicialização. Entendemos que se deve aplicar, por analogia, o procedimento previsto para a adjudicação extrajudicial de que trata o art. 216-B da LRP e os arts. 440-A ao 440-AM do Código Nacional de Normas do CNJ, salvo quando houve expressa pactuação em contrário (capítulo VII).

16. O tabelião de notas a operacionalizar a figura do escrow account (ou da conta escrow, ou da conta-garantia), blindando-os de constrições judiciais por créditos alheios ao negócio em razão do regime do patrimônio de afetação. O tabelião de notas é quem fará o juízo de qualificação da vontade e dos fatos para verificar se, à luz do negócio, já se operou ou não o evento futuro autorizador do levantamento dos valores (capítulo VIII.1).

17. Entendemos que o levantamento dos valores depositados no escrow account só pode acontecer após 5 dias úteis da notificação da outra parte, sem qualquer impugnação justificada desta. O tema merece regulamentação pelo CNJ. Por efeitos práticos, pode-se pensar em adotar, por analogia, o mesmo procedimento que – no capítulo VII – defendemos para o caso da ata notarial de atesto de implemento ou frustração de condições ou de outros elementos (capítulo VIII.2).

18. Conforme convênio a ser firmado pelo Colégio Notarial do Brasil e as instituições financeiras, a sistemática da abertura de escrow account deve ser similar à dos depósitos judiciais, razão por que convém que cada ato notarial contenha uma numeração própria que viabilize a vinculação da conta bancária (capítulo VIII.3).

19. No caso de alienação fiduciária em garantia de bens móveis, o rito extrajudicial de consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário está disciplinado nos arts. 8º-B ao 8º-D do Decreto-Lei nº 911/1967. Consolidada a propriedade, o credor pode valer-se do seu ius persequendi na forma da lei, podendo, por exemplo, no caso de veículos, requerer à autoridade policial a inserção, no Renajud, de comandos de apreensão do veículo (capítulo X).

20. O Registro Civil das Pessoas Naturais pode emitir certidões destinadas à prova de vida, de estado civil e de domicílio de pessoas naturais. Entendemos que, na certidão de prova de vida, de estado civil e de domicílio, o registrador deve consignar a fonte da qual ele extraiu os dados, a fim de permitir que terceiros possam avaliar eventual risco de fraudes (capítulo XI).

21. O procedimento notarial de cessão de precatório é uma alternativa muito aconselhável às partes. A comunicação premonitória feita pelo tabelião garante direito de prioridade perante titulares de direitos contraditórios pelo prazo de 15 dias. A comunicação da conclusão do negócio, com envio da escritura pública, deve ocorrer em 3 dias úteis. Ambas as comunicações dependem de requerimento do interessado (capítulo XII).

22. A CENPROT nacional (Central Nacional de Serviços Eletrônicos Compartilhados dos tabelionatos de protestos) está autorizado a exercer a atividade de emissão e escrituração de documentos eletrônicos passíveis de protesto (art. 41-A, § 1º, da Lei nº 9.492/1997) bem como a emitir – mediante autorização do Poder Público – o Documento Eletrônico de Transporte (DT-e) (capítulo XIII).

23. Está positivada a autorização de os tabelionatos de notas adotar medidas destinadas a obter uma solução negocial da dívida, tanto antes do protesto, quanto depois, o que poderá exigir atualização dos arts. 375 do CNJ – CNN-CNJ (capítulo XIV).

24. A forma de intimação do devedor no procedimento de protesto foi desburocratizada, abrindo-se espaço para intimações eletrônicas e facilitando a intimação por edital (capítulo XIV).

25. Aprimoram-se as regras relacionadas à dispensa de depósito prévio dos emolumentos, com o esclarecimento de que o fato gerador dos repasses obrigatórios que incidem sobre os emolumentos só ocorre com o efetivo recebimento dos emolumentos (capítulo XIII).

26. O inciso XI-A do art. 784 do CPC prevê esse contrato de contragarantia ou outro instrumento com negócio de similar objetivo como título executivo extrajudicial (capítulo XIII).

27. Sem prejuízo de outros a serem indicados pelo CNJ, são legitimados a apresentar extratos relativos a móveis perante o SERP: o notário, os cessionários de crédito e o arrendador mercantil (capítulo XVI).

Veja a versão completa

Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é Membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Advogado, parecerista e árbitro. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Ex-assessor de ministro STJ. Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Civil Contemporâneo (RDCC). Fundador do IBDCont (Instituto Brasileiro de Direito Contratual). Membro da ABDC (Academia Brasileira de Direito Civil), IBDfam (Instituto Brasileiro de Direito de Família),do IBRADIM (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário) e do IBERC.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.