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Execução extrajudicial de alienação fiduciária em garantia sobre bens móveis: Cenário após Lei das Garantias (lei 14.711/23)

Carlos E. Elias de Oliveira detalha a execução extrajudicial de dívida garantida por alienação fiduciária em garantia após a lei 14.711/23 após a derrubada de vetos pelo Congresso Nacional.

3/1/2024

1. O procedimento de execução da dívida garantida por alienação fiduciária de bens móveis pode ser dividido em três atos: (a) consolidação da propriedade; (b) busca e apreensão, se bem não tiver sido entregue voluntariamente); c) ato de alienação extrajudicial do bem (capítulo 2).

2. Se houver pacto expresso no contrato, a consolidação da propriedade fiduciária poderá ocorrer extrajudicialmente, mediante procedimento perante o Cartório de Títulos e Documentos ou o Detran em que o veículo está licenciado (arts. 8º-B e 8º-C do decreto-lei 911/1969) (capítulos 3 e 6).

3. Cabe ao registrador exigir a apresentação do aviso de recebimento como condição de procedibilidade do rito extrajudicial de consolidação da propriedade (art. 8º-B, caput, decreto-lei 911/1969) (capítulo 3).

4. Apesar do texto do inciso II do § 2º do art. 8º-B do decreto-lei 911/1969, o devedor pode apresentar impugnação sem documento comprobatório, se este for desnecessário, a exemplo da alegação de prescrição (capítulo 3).

5. O registrador deverá, enquanto profissional do Direito (art. 3º, lei 8.935/1994), avaliar a verossimilhança jurídica da impugnação e negar a continuidade do procedimento de consolidação da propriedade no caso de plausibilidade jurídica (art. 8º-B, § 3º, do decreto-lei 911/1969).

6. A nota de rejeição da impugnação deve ser notificada ao devedor, a quem assistirá o direito a suscitar dúvida (arts. 188, 198 e 296, lei 6.015/1973; e art. 30, XIII, lei 8.935/1994). O registrador, porém, não sobrestará o procedimento, salvo decisão contrário do juiz competente para julgamento da dúvida. Entendimento pessoal à vista do silêncio legal (capítulo 3).

7. No caso de a impugnação do devedor ser parcial, o devedor deverá pagar o valor incontroverso, sob pena de prosseguimento do rito de consolidação (art. 8º-B, § 4º, decreto-lei 911/1969) (capítulo3).

8. O devedor tem o dever de entregar voluntariamente o bem no prazo de 20 dias que lhe foi assegurado para purgar a mora. Se não o fizer, estará sujeito a pagar multa de 5% (cinco por cento) do valor da dívida (art. 8º-B, § 11, do decreto-lei 911/1969) (capítulo 4).

9. Caso o devedor apresente impugnação, entendemos que não se aplicará a multa supracitada, pois é direito do devedor discutir juridicamente o cabimento da dívida. A multa só será devida após o prazo de 10 dias da notificação da nota de rejeição da impugnação pelo registrador, independentemente de eventual suscitação de dúvida (arts. 188, 198 e 296, lei6.015/1973; e art. 30, XIII, lei 8.935/1994) (capítulo 4).

10. No caso de entrega voluntária ou forçada do bem pelo devedor no curso dos ritos executivos da consolidação extrajudicial ou da busca e apreensão, o credor assume o risco: terá de pagar multa de 50% do valor da dívida e indenizar perdas e danos caso eventual impugnação extrajudicial ou judicial do devedor vier a prosperar (art. 8º-D do decreto-lei 911/1969) (capítulo 4).

11. Apesar do silêncio legal, a busca e apreensão extrajudicial só pode ocorrer se houver pacto expresso, por aplicação analógica do previsto para o procedimento extrajudicial de consolidação (art. 8º-B, caput, do Decreto-Lei nº 911/1969) (capítulo 5).

12. No curso do procedimento extrajudicial da busca e apreensão, não há falar em notificação do devedor para entregar voluntariamente o bem. Todavia, entendemos que, se tiver havido demora desarrazoada em relação ao desfecho do anterior procedimento extrajudicial de consolidação da propriedade em nome da boa-fé objetiva. Por equidade, consideramos que o prazo de 30 dias após a conclusão definitiva do procedimento de consolidação da propriedade (inclusive com julgamento definitivo de eventual dúvida registral) seria um prazo razoável. Convém regulamentação do CNJ (capítulo 5).

13. O registrador, após realizar um juízo de adequação jurídica do pedido de busca e apreensão (qualificação registral), expede a certidão de busca e apreensão extrajudicial do bem e insere, nos sistemas eletrônicos disponíveis, comando de restrição de circulação e de transferência do bem (art. 8º-C, § 2º, decreto-lei 911/1969) (capítulo 5).

14. O ato de apreensão só poderá ser realizado pela autoridade policial competente, embora o credor possa, por si ou por meio de empresa especializada, realizar pesquisas para identificação do bem (capítulo 5).

15. Feita a apreensão pela autoridade policial, entendemos que – apesar do silêncio legal – o oficial deverá ser comunicado para atualização da informação nos autos do procedimento extrajudicial de busca e apreensão. Convém regulamentação do CNJ (capítulo 5).

16. O credor, apresentando a certidão de busca e apreensão extrajudicial do bem (que foi expedido pelo registrador no início do procedimento), assumir a posse plena do bem. A autoridade policial tem o dever de lhe entregar a coisa. Mas, em nome do devido processo legal, entendemos que esse fato precisa ser imediatamente comunicado ao RTD para atualização dos autos (capítulo 5).

17. De posse do bem, o credor poderá promover a venda extrajudicial da coisa, à semelhança do que já no rito executivo judicial. Ocorrida a venda, o credor deverá comunicar o RTD para os lançamentos pertinentes (art. 8º-C, § 7º, do decreto-lei 911/1969) (capítulo 5).

18. Se o bem alienado fiduciariamente for veículo, os ritos extrajudiciais da consolidação da propriedade e da busca e apreensão poderão acontecer tanto perante o RTD quanto perante o Detran em que o veículo está licenciado (art. 8º-C, § 9º, decreto-lei 911/1969). A escolha é do credor (capítulo 6).

19. O RTD e, se for o caso, o Detran precisam disponibilizar, na internet, um meio de busca dos autos dos procedimentos extrajudiciais para consulta ao devedor. E têm de disponibilizar também meios eletrônicos de peticionamento. O espelho é a publicidade dada pelos sistemas de processos judiciais eletrônicos mantidos pelos Tribunais. Convém regulamentação do CNJ e do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) nesse sentido (capítulo 7).

20. O rito extrajudicial de consolidação da propriedade fiduciária mobiliária e de busca e apreensão não depende de representação de advogado, à semelhança do rito executivo extrajudicial de imóveis. Todavia, entendemos que o devedor tem direito à indenização por honorários contratuais se triunfar em suas insurgências feitas mediante defesa técnica (capítulo 8).

21. O procedimento extrajudicial da consolidação da propriedade e da busca e apreensão no caso de alienação fiduciária em garantia de bens móveis é constitucional (capítulo 9).

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Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é Membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Advogado, parecerista e árbitro. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Ex-assessor de ministro STJ. Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Civil Contemporâneo (RDCC). Fundador do IBDCont (Instituto Brasileiro de Direito Contratual). Membro da ABDC (Academia Brasileira de Direito Civil), IBDfam (Instituto Brasileiro de Direito de Família),do IBRADIM (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário) e do IBERC.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.