Migalhas Notariais e Registrais

Adoção de crianças, adolescentes e de adultos: Aspectos registrais

O artigo analisa os atos formais no Registro Civil após sentença de adoção, garantindo sigilo da filiação e conformidade legal com o ECA e a LRP.

12/3/2025

1. Introdução

Quais são os atos que devem ser praticados à vista de uma sentença de adoção de criança, adolescente ou adulto?

É em torno dessa indagação que gira o presente artigo.

Para uma noção conceitual e histórica da adoção, recomendamos leitura de outro artigo nosso publicado na Coluna Civil em Pauta1.

2. Formalização da adoção: Sentença e atos no Registro Civil das Pessoas Naturais

A adoção rompe o vínculo jurídico com a família anterior e faz nascer um vínculo com a família adotiva. Os aspectos registrais buscam retratar isso.

Há dois desdobramentos formais do fato de a adoção acarreta a ruptura com a família anterior.

De um lado, à vista da gravidade do ato, o legislador é rigoroso formalmente, exigindo um procedimento judicial próprio com uma sentença de adoção (art. 47, ECA2).

De outro lado, do ponto de vista registral, o mandado judicial deverá ser endereçado ao Cartório de RCPN - Registro Civil das Pessoas Naturais competente, o que geralmente é feito pelo próprio juízo por ofício. Nesse caso, o registrador deverá praticar estes atos (art. 47, §§ 1º a 3º, ECA):

a) O primeiro ato é o cancelamento do registro de nascimento anterior, o que se dá por meio de um ato de averbação (com uma redação como esta: Av. 1. Cancela-se o presente assento por força do mandado judicial procedente do juízo da Vara X do Tribunal X no bojo do processo X, mandado esse que fica arquivado nesta serventia). O RCPN competente obviamente é o do assento de nascimento.

b) O segundo ato é a prática de um novo ato de registro de nascimento, com os novos pais adotivos. A prática registral demonstra que os cartórios costumam praticar um ato de anotação nesse novo assento vinculando-o à ordem judicial (com um texto como este: An. 1. O presente assento foi aberto por força do mandado judicial procedente do juízo da Vara X do Tribunal X no bojo do processo X, mandado esse que fica arquivado nesta serventia). O RCPN competente pode ser:
b.1) o mesmo do primeiro ato ou;
b.2) o RCPN de residência do adotante, desde que este tenha requerido ao juízo, que, em regra, tem de deferir o pedido (art. 47, § 3º, ECA).

c) Após a prática desses dois atos, o Cartório costuma enviar um ofício respondendo ao juiz (ofício-resposta), informando os atos praticados, com a sua identificação. Esse ofício fica arquivado juntamente com o mandado judicial. No assento de nascimento anterior, alguns cartórios, a lápis, de modo extraoficial, para uso apenas interno, inserem a remissão ao novo ato de registro praticado para facilitar a remissão. Outros cartórios limitam-se a consultar o ofício-resposta enviado ao juiz para identificar o novo registro. Trata-se de técnicas de organização registral válidas. Entendemos, ainda, que não haveria obstáculo algum a que, nos assentos, fossem inseridas remissões recíprocas, a fim de facilitar a consulta sem a necessidade de consulta ao ofício-resposta ao juiz. Afinal de contas, o oficial, quando for expedir certidões, já não poderá consignar nela nenhuma informação que indique a origem da filiação. Para o legislador, o que importa é que o sigilo da origem da filiação seja respeitado. Salvo nos casos legais, essa informação tem de ficar “dentro do Cartório”; não pode sair às ruas, sob pena de expor a pessoa a discriminações (art. 47, § 4º, ECA).

Como se vê, não haverá um registro (ou assento) de adoção tampouco haverá uma mera averbação da adoção no assento originário3, até porque isso geraria constrangimento ao filho adotivo e contraria a diretriz do ordenamento em evitar a publicização da origem da filiação. A ideia é que, do ponto de vista registral, surja um novo assento de nascimento.

O mandado judicial deverá ser arquivado no Cartório a fim de permitir, sempre, eventual consulta. Mas, diante da natureza sigilosa da adoção, o Cartório não pode expedir certidão desse mandado aos interessados, salvo nos casos legais (art. 47, caput e § 4º, e art. 48, ECA).

Há alguns detalhes registrais não mencionados textualmente no ECA a merecerem reflexão.

É que o novo assento de nascimento terá de manter os dados relativos à data e ao local de nascimento bem como a indicação do número da DNV - Declaração de Nascido Vivo originária (art. 54, itens 1º e 10º, LRP4). Também, entendemos que se deve manter a naturalidade, mesmo no caso de naturalidade escolhida na forma do art. 54, § 4º, da LRP, bem como eventuais testemunhas do parto ocorrido sem assistência médica (art. 54, itens 9º e 11, LRP). A exceção corre à conta de haver determinação judicial em contrário.

O sexo também mantido por não ter sofrido qualquer alteração (art. 54, item 2º, LRP).

Os dados, porém, relativos aos pais e familiares originários não poderão constar (art. 54, itens 7º e 8º, LRP). O assento veiculará o nome dos pais e da família adotivos. Também constará – se for o caso – do assento o novo nome do filho adotivo, sem reprodução do seu anterior nome (art. 54, item 4º, LRP; art. 47, § 6º, ECA).

Com isso, em nome da necessidade de evitar constrangimentos ao filho adotivo, o assento terá, na prática, uma informação levemente maquiada (quase uma “mentirinha”), insinuando que o vínculo de filiação existe desde o nascimento e que a mãe adotiva deu à luz o filho. Não se trata exatamente de uma mentira, até porque o próprio assento terá uma anotação indicativa da origem da filiação. É a certidão de nascimento que ficará com uma “mentirinha” por força de lei, pois não terá qualquer remissão à origem da filiação.

Há outros dados cujo transporte para o novo assento são indevidos, como os relativos a eventual irmão gêmeo ou irmãos de mesmo prenome, porque o vínculo de parentesco com esses irmãos anteriores é rompido com a adoção (art. 54, itens 3º e 6º, LRP).



1 Disponível aqui.

2 Estatuto da Criança e do Adolescente, lei 8.069/90.

3 Foi, inclusive, por isso que a lei 12.010/09 (Nova Lei da Adoção) revogou o inciso III do art. 10 do Código Civil, que mencionava a adoção como averbável no registro civil das pessoas naturais, além de aludir a via extrajudicial para a adoção (o que não é admitido atualmente).

4 Lei de Registros Públicos, lei 6.015/73.

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Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Ex-advogado da AGU. Ex-assessor de ministro STJ. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Advogado, parecerista e árbitro. Instagram: @profcarloselias e @direitoprivadoestrangeiro.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.