Migalhas Notariais e Registrais

Mandato em causa própria

Conforme o CC, o mandato em causa própria não se extingue com a morte das partes e não pode ser revogado. Essa característica revela um desvio da essência do mandato, fazendo com que a procuração funcione mais como um negócio de alienação do que como uma simples representação de interesses.

30/4/2025

1. Noções conceituais

O mandato em causa própria, tradução da expressão latina mandato in rem suam, permite que o mandante outorgue ao mandatário poderes para que ele favoreça a si mesmo com a transmissão da coisa objeto do mandato, em definitivo, sem obrigação de prestação de contas, de forma que o negócio entre as partes reste pronto e acabado. O tratamento legislativo não é muito minucioso sobre o instituto, estando todo condensado em um único e solitário dispositivo no CC, in verbis:

Art. 685.  Conferido o mandato com a cláusula "em causa própria", a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.

Apesar da tipologia, o mandato em causa própria é negócio jurídico que desfigura e descaracteriza o contrato de mandato, essencialmente vocacionado para a representação de (e no) interesse do mandante pois, nesse caso, a procuração é outorgada no interesse do próprio mandatário, que ganha protagonismo maior que o do outorgante.

O caráter representativo cede lugar ao negócio jurídico de transmissão, o mandatário atua por sua conta, mas em nome do mandante. Essa procuração não se extingue pela morte das partes, nem pode ser revogada, elementos que, quando presentes, caracterizam o mandato em sua forma pura.

É corrente na doutrina que o mandato em causa própria nega a essência da categoria jurídica do mandato, porque, a rigor, não se trata de mandato, mas de operação “por meio do qual a técnica da representação é utilizada para viabilizar negócio jurídico translatício”1.

Na lição de ORLANDO GOMES, a procuração em causa própria tem “apenas a forma, ou, quiçá, a aparência” de mandato, mas, trata-se, a rigor, de negócio de alienação.Na expressão de FARIAS e ROSENVALD, o mandato em causa própria está muito mais próximo de um negócio jurídico translativo de direitos, reais ou creditícios, do que, especificamente, de um contrato de representação de interesses próprios.3

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1 TEPEDINO, Gustavo. Oliva, Milena Donato. Notas sobre a representação voluntária e o contrato de mandato. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil. Belo Horizonte, vol. 12, p. 17-36, abr./jun. 2017. Recuperado de https://rbdcivil.ibdcivil.org.br/rbdc/article/view/31

2 GOMES, Orlando. Contratos. 26ª ed. rev. atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de 2002. Coordenador: Edvaldo Brito. Atualizadores: Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo De Crescenzo Marino. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 437.

3 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: contratos. 7ª ed. Revista e atualizada. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p. 993.

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Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é Membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Advogado, parecerista e árbitro. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Ex-assessor de ministro STJ. Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Civil Contemporâneo (RDCC). Fundador do IBDCont (Instituto Brasileiro de Direito Contratual). Membro da ABDC (Academia Brasileira de Direito Civil), IBDfam (Instituto Brasileiro de Direito de Família),do IBRADIM (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário) e do IBERC.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.