Migalhas Notariais e Registrais

Um universo paralelo

José Renato Nalini trata da produção do registrador Sérgio Jacomino e o registro de imóveis.

3/9/2025

Fragmentos autobiográficos, memorialística, lirismo, sensualidade, espanto diante da maravilhosa complexidade do viver, tudo cabe nesse universo paralelo ora partilhado com privilegiados leitores.

De Sérgio Jacomino, tinha presente a sua condição de registrador de imóveis bem peculiar. Erudito, entranhado na tecnologia, visionário, formulador de propostas novas para esse território de tamanha importância para a segurança jurídica de um dos direitos fundamentais mais ambicionados: a propriedade imobiliária.

Intuía que sua expertise nessa área reservada ao direito registral poderia conviver com outros interesses e aptidões. Só vim a descobrir que sua vocação se espraiava por infinitos labirintos da imaginação, ao ler “Sonhos de Szarkyon”. É um livro que alia a pequenez física – 112 páginas, em dimensão reduzida – a um acervo imenso de conteúdo.

Fragmentos autobiográficos, memorialística, lirismo, sensualidade, espanto diante da maravilhosa complexidade do viver, tudo cabe nesse universo paralelo ora partilhado com privilegiados leitores.

Jacomino domina a magia do xadrez das palavras. Tem intimidade com as metáforas. Explora a analogia sonora entre verbetes e produz formulações originais. O que sugeriria uma gota de non sense, vai se converter em sedutor convite para perscrutar veredas novas.

O livro começa com “Divagações”, prossegue com “Sonhos” e “Vivências”. O primeiro texto é sobre a morte: “Não há novidade alguma em extinguir-se, não é mesmo?...Novidade se faz entre os vivos, nós outros, que seguimos a dura peregrinação sobre a Terra dos Homens. Proclamamos a dor da perda e nos consolamos. Registramos em pesados livros a súbita sentença da vida: a Morte. Senhora eminente, soberana, pesa o cetro fatal sobre todos nós”.

A ceifadeira volta a surgir em “Vivências”: “Matar-me podes, neste silêncio vazio de estrelas. Como a chama levada pelo vento, deito as cinzas de um frágil sinete, perene signo sob a planta de seus pés. Reduzir-me a pó, poderias. Mais do que isso, não”. Todavia, a morte não é tudo: “Impermanência. De nós restará mais do que pó e cinzas. Belas poesias”.

Ele chega a citar “la loca de la casa”, que era como Santo Agostinho chamava a imaginação. Dessa copiosa fonte jorram haicais: “O trem carrega os homens. Os sonhos tardam nostálgicos. Nos bancos da estação” ou “Evanescente, erras na tarde radiosa; onde erras que não erro?”.

Em “Silêncio”, um exame de consciência: “A pergunta busca reexistir na resposta. Por que temos tantas respostas e escasseiam as perguntas? Não me responda o que não posso perguntar. Nem corresponda com o silêncio. Sejamos desiguais nas angústias. Sem perguntas. Nem respostas”.

O exercício extrajudicial é inspiração: “Fides publica. Ó fé pública, faca imolada. Jazes sem fio, falseada e acabada”.

São Paulo aparece, de forma devaneante, em Santo Amaro: “Capte-o! Vertedouro de águas profundas, consuma-o! o fim de todas as lágrimas é sempre o mar. Amar. Às vezes o encontro amaro. Amar santo. Santo Amaro, amassas e conformas o barro essencial deste jarro santo!”.

O texto “Uma menina cega” é tocante: “Uma menina cega. Sentei-me no assento reservado a idosos. À minha frente, bem à testa, diviso uma linda garota cega, com uma feição impassível, um rosto róseo, tranquilo, de linhas harmoniosas. Olho diretamente para seus olhos e ela começa a piscar. Como um quasar. Desvio os meus, tímido. Fecho-os e fixo o semblante da menina cega. Penso que podemos nos enxergar sob a densa escuridão. Algumas estações adiante, abro os olhos e não a vejo. Saiu tranquila, suave, silenciosamente. Imaginei que me endereçava um sorriso, a menina cega. Sorri em retribuição e segui minha jornada pensando em tudo que se pode ver com os olhos fechados”.

Sergio Jacomino tem os olhos bem abertos para o presente e o futuro do sistema registral imobiliário. Mas também consegue, ao fechá-los, ingressar no mistério fascinante daquele espaço que nos é dado percorrer em pensamento. Livre, sem amarras, aberto a combinações nem sempre autorizadas pelas fortes correntes da convenção, do respeito humano constrangedor, que tolhe a intenção de sermos como realmente somos.

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Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é Membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Advogado, parecerista e árbitro. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Ex-assessor de ministro STJ. Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Civil Contemporâneo (RDCC). Fundador do IBDCont (Instituto Brasileiro de Direito Contratual). Membro da ABDC (Academia Brasileira de Direito Civil), IBDfam (Instituto Brasileiro de Direito de Família),do IBRADIM (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário) e do IBERC.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.